O som do berimbau dá o compasso para o início da capoeira. O jogo de corpo, com golpes ágeis e complexos, usa pés, braços, mãos, cabeça e joelhos com elementos de acrobacia. Em Rio Marinho, Cariacica, a mistura de arte marcial e dança conquista jovens e crianças e desempenha um outro papel: de transformação social.
A capoeira faz parte de um projeto social chamado Nação Iorubá, desenvolvido voluntariamente pelo professor da própria comunidade Leandro Santos Silva, 32. Ele passou a ajudar crianças e jovens há quatro anos como uma forma de tentar afastá-los da criminalidade, assim como diversos outros projetos que surgem dentro das comunidades da Grande Vitória no enfrentamento de problemas sociais.
A ideia de Leandro deu tão certo que hoje já são 60 alunos. A vontade de ajudar surgiu ao perceber que a capoeira mudou a sua própria realidade. Da periferia do Sul da Bahia, ele viu muitos amigos e parentes entrarem para o crime ou perderem a vida por causa da violência. Aos 15 anos, deu seus primeiros passos na arte e acredita que isso foi a base para sua formação como cidadão.
Eu venho de uma família desestruturada, não conheci meu pai e fui criado apenas pela minha mãe. Acredito que o esporte ajudou em minha formação. Faço minha parte para evitar que crianças e jovens caminhem para a criminalidade. Sinto que eles precisavam ocupar o corpo e a mente de forma saudável, diz.
ALÉM DA TÉCNICA
O gerente de Responsabilidade Social e Filantropia do Instituto Presbiteriano Mackenzie, Jôer Corrêa Batista, afirma que os projetos sociais são instrumentos que vão além da técnica. É um tipo de trabalho preventivo para reduzir problemas sociais, como violência urbana e discriminação.
Ele acrescenta que os projetos em comunidades carentes nascem da incapacidade do poder público de abranger toda a demanda necessária. Essa ausência é que faz outros modelos se desenvolverem através de instituições sem fins lucrativos. Na sua avaliação, isso é positivo, pois eles conhecem melhor a realidade das pessoas e acabam atendendo com mais agilidade as necessidades do local.
Existe uma relevância importante das instituições sem fins lucrativos que ocupam a lacuna que é deixada pelo poder público, como nas áreas de educação e saúde, afirma.
Os projetos que ajudam a transformar a vida de comunidades carentes estão por alguns bairros da Grande Vitória, como em Balneário de Carapebus, na Serra. O coletivo Skate Pra Quem Precisa começou em outubro do ano passado com um grupo de amigos que gostava de skate. A intenção era apenas ensinar os meninos da rua, mas os nove integrantes acabaram descobrindo que a transformação social seria muito maior.
Colocamos regras para quem está no projeto. Primeiro, procuramos os pais para conversar e passamos a intervir na vida do aluno. Em roda de grupo eles acabam falando de problemas, uso de drogas, conversamos e aconselhamos, afirma um dos responsáveis, o educador social Thayllander Pires da Silva.
As aulas acontecem na rua em quatro modalidades: freestyle, speed, street, dancing. Atualmente, há 27 integrantes de 6 a 14 anos, o projeto aos poucos está conquistando espaço e uma sede está sendo construída. Eles também possuem parceria com a Associação Capixaba de Skate, que ajuda com palestras e doações de equipamentos e tênis.
O resultado do empenho dos amigos já começou e é relatado pelos próprios alunos, como Gustavo Paixão Neves, de 12 anos, que vem se destacando no esporte e realiza manobras que poucos conseguem. Antes eu era preguiçoso e só ficava em casa, as aulas me ajudaram a conquistar mais amigos. Eu também me desenvolvi no esporte e consigo fazer muita coisa, diz.
Com poesia, coletivo exalta a voz feminina na periferia
Moreninha não, eu sou preta... Negra, afirma, em tom de empoderamento, a estudante Julia de Oliveira Ramos, de 15 anos, sobre a cor de sua pele. Ela mostra que sua autoafirmação ganhou força com a participação em um grupo que exalta a voz feminina em comunidades carentes através do slam, uma modalidade de poesia escrita e recitada em disputas. Trata-se do Coletivo Nísia, de Vila Velha.
O assunto mais estudado entre elas é o feminismo, mas seus textos falam sobre experiências vividas, ouvidas e sofridas e, por isso, atravessam o assédio, o preconceito e a violência.
Segundo a professora e coordenadora do projeto, Daniela Andolphi, de 37 anos, o projeto foi criado há um ano como uma forma de dar voz às mulheres e aos poucos também foi acolhendo ao público LGBT. Atualmente, elas dão palestras em universidades, promovem eventos e participam de concursos de slam. São 56 integrantes, 15 participam ativamente em encontros semanais na Barra do Jucu.
O nome ao coletivo vem de uma inspiração para essas meninas: Nísia Floresta. Educadora, escritora e poetisa, ela nasceu em 1810 e é considerada uma pioneira do feminismo no Brasil, pois conseguiu romper os limites entre os espaços públicos e privados publicando textos em jornais.
Eu ouvia as histórias no colégio e percebia que elas estavam com problemas que ultrapassam as barreiras da escola, criei o coletivo para escutá-las. Essas meninas tinham a necessidade de gritar. Começamos com alunas, mas temos mães e até avós que começaram a participar, diz Daniela.
NOVOS TALENTOS
O projeto deu tão certo que conseguiu descobrir diversos talentos, como a da própria Júlia, que ficou em 2º lugar do Slam Interescolar Brasileiro, no ano passado. Ela falou sobre racismo, homofobia e suicídio, problemas enfrentados dia após dia pelos integrantes. Eu nunca tinha escrito nada, o coletivo ampliou a nossa visão do mundo, afirma.
O próximo objetivo do projeto é conquistar a independência financeira dos integrantes ao produzir produtos com a marca do coletivo. Enquanto isso caminha nos planos, algumas mudanças já são perceptíveis na vida das integrantes: elas descobriram que é possível sonhar. Para o futuro, querem estudar e ter independência financeira. Hoje eu sei o meu lugar. E eu vou ter uma profissão, vou ser esteticista, planeja a estudante Lorena do Amaral, de 19 anos.
Projetos desenvolvidos pelo poder público
Ações
Além das ações que surgem dentro das comunidades, o poder público também realiza projetos sociais. Conheça alguns:
Governo do Estado
Ocupação Social
Funciona em 26 bairros de maior vulnerabilidade social e, consequentemente, que concentram o maior número de homicídios no Estado. São realizadas ações como qualificação profissional e cursos de música, promovendo a inclusão e prevenção.
Prefeitura de Vitória
Núcleo Afro Odomodê
O núcleo desenvolve atividades culturais para jovens afrodescendentes. Busca estimular, sensibilizar e mobilizar os jovens para a luta contra os preconceitos, violências e exclusões. Funciona de forma intinerante pelos bairros.
Casa da Juventude
Em São Pedro, o espaço serve de convivência, formação e de referência para que os jovens possam expressar suas opiniões e demandas sobre os desafios e possibilidades na construção da política pública de juventude.
Centro de Referência da Juventude
O centro oferece atividades de lazer, cultura, esporte, arte, música, atendimento psicossocial, discussão e formulação de políticas públicas. O projeto funciona de forma intinerante.
Prefeitura da Serra
Serra+Você
O evento é realizado uma vez por mês em bairros diferentes. Entre os serviços oferecidos estão consultas com médicos e dentistas, distribuição de kits de escovação, vacinação, atualização do Cadastro Único para o Bolsa Família e demais programas sociais.
Serra, Meu Lar
A prefeitura realiza a regularização fundiária de áreas já consolidadas do município. Muitos não têm acesso à escritura por falta de recursos financeiros. Por meio do projeto, o documento é entregue pronto.
Programa Adolescente Cidadão (PAC)
Busca articular as ações de atendimento ao adolescente. Por meio do PAC é trabalhado o papo família, oficina de teatro, papo legal saúde, oficina de trabalho.
Empreendedores do Futuro
O projeto tem o objetivo de promover o empreendedorismo de adolescentes entre 14 a 18 anos. O curso tem duração de 120 horas e prepara o jovem que está em situação de vulnerabilidade social para o mercado de trabalho. Ele fica em Cidade Continental.
Prefeitura de Cariacica
Acessuas Trabalho
O projeto tem como objetivo orientar os usuários da política nacional de assistência social sobre questões relacionadas ao mundo do trabalho. As ações realizadas nos Cras do município são oficinas sequenciais e continuadas com intuito de promover vivências, conhecer o ambiente corporativo e promover palestras e rodas de conversa.
Prefeitura de Vila Velha
Serviço de Convivência
Instituto Esperança, Apae e Unicep são instituições que estabeleceram parceria com a prefeitura para prestar serviço de convivência e fortalecimento de vínculo. Selecionam famílias que recebem capacitação para o trabalho, para aos poucos deixarem de depender de benefícios do governo.
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