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Um ano após tragédia em Guarapari, nada mudou na BR 101

Um ano após tragédia em Guarapari, nada mudou na BR 101

Empresas de cargas ainda desrespeitam lei, diz auditor

Publicado em 22 de junho de 2018 às 01:24

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Ônibus ficou destruído no acidente, que também envolveu ambulância e caminhão. (Bernardo Coutinho)

Um ano depois do acidente envolvendo uma carreta carregada com granito, um ônibus da Águia Branca e duas ambulâncias, que matou 23 pessoas na BR 101, em Guarapari, as empresas do ramo de transportes, de forma geral, ainda não se adequaram à legislação.

Uma fiscalização feita pelo Ministério do Trabalho em 80 transportadoras do setor de rochas neste ano mostrou que muitas delas não controlam o tempo de jornada e descanso dos motoristas, o que é obrigatório desde 2012. “A fiscalização ainda está em curso mas, de forma geral, o que observamos é que as empresas não implementaram o controle de jornada”, disse o auditor-fiscal Bernardo Velasco, do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transportes (Getrac), com exclusividade para A GAZETA.

O motorista da carreta envolvida no acidente em Guarapari, a maior tragédia das estradas capixabas, havia trabalhado 14 horas seguidas na véspera e não descansou o tempo mínimo necessário antes de pegar a estrada. Segundo os dados de rastreamento via satélite do caminhão, Nadson Santos Silva, que também morreu no acidente, descansou entre 23h39 e 2h, batendo de frente com o ônibus da Águia Branca apenas quatro horas depois de voltar ao trabalho.

“Os acidentes que aconteceram nesse setor em 2017 nos motivaram a fazer essa fiscalização. A gente entende que as jornadas exaustivas dos motoristas são um dos principais causadores de acidentes nas estradas”, disse o auditor-fiscal.

As empresas irregulares não foram autuadas pelo Ministério do Trabalho pois algumas ainda precisam fornecer documentos aos órgão. A reportagem tentou contato por telefone com o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Espírito Santo, mas as ligações não foram atendidas.

Além da jornada exaustiva do motorista, a carreta envolvida no acidente transitava com excesso de peso, pneu careca, alteração no sistema de freio e em alta velocidade.

FISCALIZAÇÃO

A Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsável por fiscalizar irregularidades nas estradas, não teve o efetivo ampliado desde o acidente em Guarapari. O órgão conta com 18 agentes para atuar em 900 quilômetros de BRs por dia. Outros 25 atuam dentro dos postos.

Mas o superintendente da PRF, Wylis Lira, diz que o problema maior não é o efetivo. “O que inviabiliza nossa fiscalização é a falta de ação conjunta. Os veículos fogem por rodovias estaduais. Outro problema é que hoje não existe uma normativa que obriga a pesagem na saída do veículo que transporta rochas”, defende.

Lira diz que havia a intenção de comprar uma balança móvel para flagrar excesso de peso, mas não foi possível por falta de recursos.

EDUCAÇÃO

O presidente do Sindicato das Indústrias de Beneficiamento de Mármore e Granito (Sindirochas), Tales Machado, diz que estão sendo feitas ações educativas para conscientizar as empresas a não contratarem transportadoras que não trabalham dentro da lei e destaca a importância do setor no Estado, “único que emprega em todos 78 municípios”. “A empresa tem que saber que se ela contrata uma transportadora que foge da lei, ela também é responsável”, disse.

PROMESSA DE BALANÇA MÓVEIS

O Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran) pretende implementar até o final do ano balanças móveis para flagrar caminhões com excesso de peso de forma remota. O estudo do projeto teve início em março e deve custar R$ 2,1 milhões. O equipamento funciona como um radar móvel, utilizando câmeras e sensores para estimar o peso da carga.

O projeto foi discutido em um grupo de trabalho liderado pelo Ministério Público estadual (MPES) criado em setembro de 2017, para discutir fiscalização do setor de rochas.

A reportagem perguntou ao MPES quais foram as ações do grupo até o momento, mas o órgão afirmou que só terá as informações na próxima semana.

"R$ 200 MIL NÃO PAGAM A VIDA DO MEU FILHO", DESABAFA PAI DE VÍTIMA

As famílias das 23 vítimas do maior acidente das estradas do Estado ainda estão longe de conseguir justiça e reparação pela perda de seus entes queridos. “R$ 200 mil não pagam a vida do meu filho. Ele era novo e tinha a vida pela frente”, afirma João Batista dos Santos, 51.

O filho de João Batista, o engenheiro recém-formado Marcos, 26, morreu. (Marcelo Prest)

João perdeu o filho, o engenheiro recém formado Marcos Oliveira dos Santos, 26, na tragédia. Marcos morava em Jundiaí, em São Paulo, e foi um dos 11 passageiros que tiveram o corpo carbonizado no ônibus. O pai não se conforma. “Da forma que ele morreu eu não consigo aceitar. Nem o corpo eu consegui ver.”

O pai contesta na Justiça o valor de indenização oferecido pela seguradora da Água Branca, de R$ 200 mil. “A seguradora fez uma proposta insignificante. O jovem tinha 26 anos e dois filhos pequenos. Ele tinha um futuro promissor”, argumenta o advogado da família Carlos Veríssimo.

João processa ainda Leocir e Jacimar Pretti, donos da Jamarle Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Água Branca e sua seguradora e a concessionária que administra a BR 101, Eco101. “Todos nessa tragédia são responsáveis”, diz o advogado.

SOFRIMENTO

A autônoma Regimara Loyola de Souza, 46, perdeu o pai, Reginaldo Marcelino, de 68 anos. Ele voltava da capital paulista, onde tinha feito compras para a família, que é de Cariacica. Reginaldo era casado e tinha três filhos, que preferiram aceitar o acordo com a seguradora da Águia Branca. “Minha mãe não quis ficar estendendo aquele sofrimento. Toda vez que essas pessoas vinham à nossa casa era muito doloroso”, disse.

Segundo a Águia Branca, os beneficiários “em sua esmagadora maioria” optaram por receber os valores acordados. A empresa afirmou que segue dando atenção às vitimas e famílias dos envolvidos no acidente. O Dnit não retornou o contato da reportagem e a Eco101 afirmou que não comenta decisões judiciais.

Os donos da Jamarle, a quem pertencia o caminhão, estão presos, mas o julgamento ainda está longe de acontecer. “O processo está em fase de apresentação de defesas preliminares. Não há data para audiência de instrução”, afirma o advogado dos empresários, Ludgero Liberato.

EMPRESÁRIOS SOFREM COM O QUE HOUVE, DIZ ADVOGADO

O advogado Ludgero Liberato, que faz a defesa dos irmãos Jacymar e Leocir Pretti, donos da Jamarle Transportes e responsáveis pelo caminhão que se envolveu no acidente, diz que os irmãos sofrem pelo que houve.

“Eles jamais desejaram as mortes ocorridas e se encontram altamente debilitados, física e emocionalmente, desde o acidente.”

Após investigação, os dois foram indiciados por 23 homicídios dolosos por motivo torpe, quando há intenção de matar, e 18 tentativas de homicídio.

Os dois estão detidos desde 12 de março deste ano no Centro de Detenção Provisória de Guarapari. A defesa deles entrou com um pedido de habeas corpus para que possam responder em liberdade. O pedido aguarda julgamento no Supremo Tribunal de Justiça.

“A prisão de ambos é desnecessária, já que as atividades da empresa estão paralisadas”, afirma o advogado.

Segundo a defesa, a Jamarle Transportes, que tinha sede em Baixo Guandu, encerrou completamente suas atividades. Motoristas e funcionários foram dispensados.

RELEMBRE O CASO

O acidente

O acidente aconteceu às 5h50 da manhã de 22 de junho de 2017, no km 343 da BR 101 em Guarapari, e envolveu uma ambulância, uma minivan, uma carreta que transportava um bloco de granito da empresa Jamarle e um ônibus da Água Branca, que seguia de São Paulo para o Vitória com 30 passageiros e o motorista.

Fogo

A carreta invadiu a contramão e bateu no ônibus. O coletivo partiu ao meio e pegou fogo.

Mortos

Vinte e três pessoas morreram. Sendo 21 passageiros do ônibus, o motorista da ambulância e o motorista do caminhão.

Identificação

Onze vítimas ficaram carbonizadas e foram identificadas pelo DNA. No DML de Vitória foi realizado um mutirão para agilizar o processo.

Feridos

Dezoito pessoas ficaram feridas. Nove eram passageiros do ônibus.

Investigação

Uso de cocaína e rebite

Segundo a Polícia Civil, o exame toxicológico comprova que o motorista da carreta, Nadson Santos Silva, 30, usou cocaína e anfetamina rebite horas antes do acidente.

Irregularidades

Os freios e pneus estavam em más condições, além de possuir uma carga de 11 toneladas acima do que é permitido por lei, que é de 30 toneladas.

Infrações

Segundo a PRF, a carreta tinha 35 infrações por excesso de velocidade, ultrapassagem pela contramão, carga com excesso de peso e fuga de fiscalização.

Donos presos

O proprietário da empresa Jamarle, Jacimar Pretti, dona da carreta foi preso um dia depois do acidente e depois solto. Desde março, ele e o irmão Leocir Braz Pretti estão presos.Conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça mostraram que os empresários orientaram funcionários a transportar cargas acima do peso permitido. Eles respondem na justiça por homicídio qualificado.

Inquérito concluído

O inquérito foi concluído e relatado à Justiça.

Balanças

Na época da tragédia, o superintendente da PRF, Wylis Lyra, afirmou que todas as quatro balanças da BR 101 localizadas em Linhares, Rio Novo do Sul, Serra e Viana estavam sem funcionar. As balanças são de responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e Eco 101.

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