Um ano depois do acidente envolvendo uma carreta carregada com granito, um ônibus da Águia Branca e duas ambulâncias, que matou 23 pessoas na BR 101, em Guarapari, as empresas do ramo de transportes, de forma geral, ainda não se adequaram à legislação.
Uma fiscalização feita pelo Ministério do Trabalho em 80 transportadoras do setor de rochas neste ano mostrou que muitas delas não controlam o tempo de jornada e descanso dos motoristas, o que é obrigatório desde 2012. A fiscalização ainda está em curso mas, de forma geral, o que observamos é que as empresas não implementaram o controle de jornada, disse o auditor-fiscal Bernardo Velasco, do Grupo Especial de Fiscalização do Trabalho em Transportes (Getrac), com exclusividade para A GAZETA.
O motorista da carreta envolvida no acidente em Guarapari, a maior tragédia das estradas capixabas, havia trabalhado 14 horas seguidas na véspera e não descansou o tempo mínimo necessário antes de pegar a estrada. Segundo os dados de rastreamento via satélite do caminhão, Nadson Santos Silva, que também morreu no acidente, descansou entre 23h39 e 2h, batendo de frente com o ônibus da Águia Branca apenas quatro horas depois de voltar ao trabalho.
Os acidentes que aconteceram nesse setor em 2017 nos motivaram a fazer essa fiscalização. A gente entende que as jornadas exaustivas dos motoristas são um dos principais causadores de acidentes nas estradas, disse o auditor-fiscal.
As empresas irregulares não foram autuadas pelo Ministério do Trabalho pois algumas ainda precisam fornecer documentos aos órgão. A reportagem tentou contato por telefone com o Sindicato das Empresas de Transporte de Cargas do Espírito Santo, mas as ligações não foram atendidas.
Além da jornada exaustiva do motorista, a carreta envolvida no acidente transitava com excesso de peso, pneu careca, alteração no sistema de freio e em alta velocidade.
FISCALIZAÇÃO
A Polícia Rodoviária Federal (PRF), responsável por fiscalizar irregularidades nas estradas, não teve o efetivo ampliado desde o acidente em Guarapari. O órgão conta com 18 agentes para atuar em 900 quilômetros de BRs por dia. Outros 25 atuam dentro dos postos.
Mas o superintendente da PRF, Wylis Lira, diz que o problema maior não é o efetivo. O que inviabiliza nossa fiscalização é a falta de ação conjunta. Os veículos fogem por rodovias estaduais. Outro problema é que hoje não existe uma normativa que obriga a pesagem na saída do veículo que transporta rochas, defende.
Lira diz que havia a intenção de comprar uma balança móvel para flagrar excesso de peso, mas não foi possível por falta de recursos.
EDUCAÇÃO
O presidente do Sindicato das Indústrias de Beneficiamento de Mármore e Granito (Sindirochas), Tales Machado, diz que estão sendo feitas ações educativas para conscientizar as empresas a não contratarem transportadoras que não trabalham dentro da lei e destaca a importância do setor no Estado, único que emprega em todos 78 municípios. A empresa tem que saber que se ela contrata uma transportadora que foge da lei, ela também é responsável, disse.
PROMESSA DE BALANÇA MÓVEIS
O Departamento Estadual de Trânsito do Espírito Santo (Detran) pretende implementar até o final do ano balanças móveis para flagrar caminhões com excesso de peso de forma remota. O estudo do projeto teve início em março e deve custar R$ 2,1 milhões. O equipamento funciona como um radar móvel, utilizando câmeras e sensores para estimar o peso da carga.
O projeto foi discutido em um grupo de trabalho liderado pelo Ministério Público estadual (MPES) criado em setembro de 2017, para discutir fiscalização do setor de rochas.
A reportagem perguntou ao MPES quais foram as ações do grupo até o momento, mas o órgão afirmou que só terá as informações na próxima semana.
"R$ 200 MIL NÃO PAGAM A VIDA DO MEU FILHO", DESABAFA PAI DE VÍTIMA
As famílias das 23 vítimas do maior acidente das estradas do Estado ainda estão longe de conseguir justiça e reparação pela perda de seus entes queridos. R$ 200 mil não pagam a vida do meu filho. Ele era novo e tinha a vida pela frente, afirma João Batista dos Santos, 51.
João perdeu o filho, o engenheiro recém formado Marcos Oliveira dos Santos, 26, na tragédia. Marcos morava em Jundiaí, em São Paulo, e foi um dos 11 passageiros que tiveram o corpo carbonizado no ônibus. O pai não se conforma. Da forma que ele morreu eu não consigo aceitar. Nem o corpo eu consegui ver.
O pai contesta na Justiça o valor de indenização oferecido pela seguradora da Água Branca, de R$ 200 mil. A seguradora fez uma proposta insignificante. O jovem tinha 26 anos e dois filhos pequenos. Ele tinha um futuro promissor, argumenta o advogado da família Carlos Veríssimo.
João processa ainda Leocir e Jacimar Pretti, donos da Jamarle Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), a Água Branca e sua seguradora e a concessionária que administra a BR 101, Eco101. Todos nessa tragédia são responsáveis, diz o advogado.
SOFRIMENTO
A autônoma Regimara Loyola de Souza, 46, perdeu o pai, Reginaldo Marcelino, de 68 anos. Ele voltava da capital paulista, onde tinha feito compras para a família, que é de Cariacica. Reginaldo era casado e tinha três filhos, que preferiram aceitar o acordo com a seguradora da Águia Branca. Minha mãe não quis ficar estendendo aquele sofrimento. Toda vez que essas pessoas vinham à nossa casa era muito doloroso, disse.
Segundo a Águia Branca, os beneficiários em sua esmagadora maioria optaram por receber os valores acordados. A empresa afirmou que segue dando atenção às vitimas e famílias dos envolvidos no acidente. O Dnit não retornou o contato da reportagem e a Eco101 afirmou que não comenta decisões judiciais.
Os donos da Jamarle, a quem pertencia o caminhão, estão presos, mas o julgamento ainda está longe de acontecer. O processo está em fase de apresentação de defesas preliminares. Não há data para audiência de instrução, afirma o advogado dos empresários, Ludgero Liberato.
EMPRESÁRIOS SOFREM COM O QUE HOUVE, DIZ ADVOGADO
O advogado Ludgero Liberato, que faz a defesa dos irmãos Jacymar e Leocir Pretti, donos da Jamarle Transportes e responsáveis pelo caminhão que se envolveu no acidente, diz que os irmãos sofrem pelo que houve.
Eles jamais desejaram as mortes ocorridas e se encontram altamente debilitados, física e emocionalmente, desde o acidente.
Após investigação, os dois foram indiciados por 23 homicídios dolosos por motivo torpe, quando há intenção de matar, e 18 tentativas de homicídio.
Os dois estão detidos desde 12 de março deste ano no Centro de Detenção Provisória de Guarapari. A defesa deles entrou com um pedido de habeas corpus para que possam responder em liberdade. O pedido aguarda julgamento no Supremo Tribunal de Justiça.
A prisão de ambos é desnecessária, já que as atividades da empresa estão paralisadas, afirma o advogado.
Segundo a defesa, a Jamarle Transportes, que tinha sede em Baixo Guandu, encerrou completamente suas atividades. Motoristas e funcionários foram dispensados.
RELEMBRE O CASO
O acidente
O acidente aconteceu às 5h50 da manhã de 22 de junho de 2017, no km 343 da BR 101 em Guarapari, e envolveu uma ambulância, uma minivan, uma carreta que transportava um bloco de granito da empresa Jamarle e um ônibus da Água Branca, que seguia de São Paulo para o Vitória com 30 passageiros e o motorista.
Fogo
A carreta invadiu a contramão e bateu no ônibus. O coletivo partiu ao meio e pegou fogo.
Mortos
Vinte e três pessoas morreram. Sendo 21 passageiros do ônibus, o motorista da ambulância e o motorista do caminhão.
Identificação
Onze vítimas ficaram carbonizadas e foram identificadas pelo DNA. No DML de Vitória foi realizado um mutirão para agilizar o processo.
Feridos
Dezoito pessoas ficaram feridas. Nove eram passageiros do ônibus.
Investigação
Uso de cocaína e rebite
Segundo a Polícia Civil, o exame toxicológico comprova que o motorista da carreta, Nadson Santos Silva, 30, usou cocaína e anfetamina rebite horas antes do acidente.
Irregularidades
Os freios e pneus estavam em más condições, além de possuir uma carga de 11 toneladas acima do que é permitido por lei, que é de 30 toneladas.
Infrações
Segundo a PRF, a carreta tinha 35 infrações por excesso de velocidade, ultrapassagem pela contramão, carga com excesso de peso e fuga de fiscalização.
Donos presos
O proprietário da empresa Jamarle, Jacimar Pretti, dona da carreta foi preso um dia depois do acidente e depois solto. Desde março, ele e o irmão Leocir Braz Pretti estão presos.Conversas telefônicas gravadas com autorização da Justiça mostraram que os empresários orientaram funcionários a transportar cargas acima do peso permitido. Eles respondem na justiça por homicídio qualificado.
Inquérito concluído
O inquérito foi concluído e relatado à Justiça.
Balanças
Na época da tragédia, o superintendente da PRF, Wylis Lyra, afirmou que todas as quatro balanças da BR 101 localizadas em Linhares, Rio Novo do Sul, Serra e Viana estavam sem funcionar. As balanças são de responsabilidade da Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) e Eco 101.
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