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Falta fiscalização nas clínicas de reabilitação, dizem especialistas

Falta fiscalização nas clínicas de reabilitação, dizem especialistas

Vigilância Sanitária monitora locais, mas é preciso mais atenção aos direitos humanos

Publicado em 20 de julho de 2018 às 01:19

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Grupo em tratamento na Casa da Paz, em Cachoeiro: Conselho de Psicologia denunciou cárcere privado no local. (Ricardo Medeiros)

A grande demanda por internações de dependentes químicos levou o Estado a gastar R$ 148 milhões com leitos em estabelecimentos particulares de reabilitação nos últimos oito anos. Mas especialistas apontam que nesses locais falta fiscalização sobre violações de direitos humanos. A única inspeção regular é feita pela Vigilância Sanitária.

Situações de maus-tratos e cárcere privado, por exemplo, não seriam bem observadas, segundo levantamento do Portal G1-ES. “Não é suficiente (a visita da vigilância) porque ela olha o aspecto sanitário. É apenas uma das fiscalizações necessárias”, afirma o conselheiro Leonardo Pinho, que coordena a Subcomissão de Drogas e Saúde Mental do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).

O cenário é crítico pelo grande volume de internações nesses locais. Em oito anos, o governo custeou 4.225 internações de dependentes químicos em clínicas e comunidades terapêuticas particulares, por demanda judicial, conforme levantamento feito com exclusividade pelo G1-ES.

A portaria da Secretaria de Saúde (Sesa) nº 59-R de outubro de 2017, que regulamenta o funcionamento das clínicas para tratamento de dependentes químicos no Estado, reforça a proibição de qualquer tipo de constrangimento e castigos físicos, psicológicos e morais nesses lugares.

Segundo a Sesa, a Vigilância Sanitária pode aplicar sanções quando detectar, a partir de documentos e relatos, as violações de direitos proibidas pela portaria, mas o CNDH e o Conselho Federal de Psicologia (CFP) consideram que esse tipo de verificação não cabe ao órgão.

O CFP afirma que deveria haver uma atuação incisiva no combate às violações. Pinho, do CNDH, destaca que esse é um grande vácuo quando se fala de internações de dependentes químicos. “Essas instituições se multiplicaram, mas não evoluiu da mesma forma a fiscalização”, reforça.

A doutora em política social Fabíola Xavier Leal, estuda o tema há mais de 10 anos e coordena o grupo de pesquisa Fênix, da Ufes. Os pesquisadores analisaram 268 instituições que ofereciam serviços de atendimento para dependentes químicos por todo o Estado.

Descumprimento de normas sanitárias e violação de direitos humanos foram constatados pelo grupo segundo o estudo, publicado em 2014. A maioria das comunidades terapêuticas visitadas não tinha condições de funcionamento, segundo a pesquisadora.

“A maioria delas tem vínculo religioso, não tem uma proposta terapêutica. São caóticas em relação à estrutura. Não têm equipe, não têm proposta de tratamento, a proposta é de enclausuramento”, diz Fabíola.

MPES

O Ministério Público Estadual (MPES) explicou que, no caso de situações de problemas com direitos humanos, as fiscalizações nos locais são feitas à base de denúncias que podem partir de pacientes, familiares e cidadãos em geral.

A Justiça Estadual, que determina o pagamento ou as internações, informou que não tem controle de quantos processos criminais envolvendo esses locais há em tramitação.

Enquanto isso, estudos mostram que a problemática é grande. Um relatório divulgado no dia 18 de junho, resultado de uma inspeção nacional em comunidades terapêuticas realizada em outubro de 2017, nas cinco regiões do Brasil, mostrou que nesses essas comunidades e clínicas estão se assemelhando ao antigo asilamento de pessoas com transtornos mentais.

“Privação de liberdade, uso de trabalhos forçados e sem remuneração, violação à liberdade religiosa e à diversidade sexual, internação irregular de adolescentes e uso de castigos – que podem, inclusive, configurar tortura – fazem parte dos resultados encontrados pela inspeção”, diz o MPF, que assina o documento. Além do órgão, o levantamento é firmado pelo CFP e pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura.

Outra publicação que mostra o quadro é o Relatório da 4ª Inspeção de Direitos Humanos em locais de internação para usuários de drogas, publicado em 2011 pelo CFP. O texto aponta indícios de violações como cárcere privado, trabalho análogo ao escravo, maus-tratos, entre outras.

No Espírito Santo, a visita coordenada pelo CFP foi feita na comunidade terapêutica Casa da Paz, de Cachoeiro de Itapemirim. No local, houve relato de denúncia de cárcere privado e de homicídio por asfixia, segundo a publicação.

Procurada, a instituição informou que o caso de homicídio citado envolveu dois menores e tramitou sob segredo de Justiça. A clínica teria sido isenta de qualquer culpa. “Esse caso aconteceu quando a Casa da Paz aceitava menores infratores dependentes químicos. Por vezes, em vez de manter o menor na casa de detenção, o juiz criminal ‘trocava’ a pena pelo tratamento em clínica especializada”, afirma a advogada da instituição Alessandra Leal.

O CAMINHO DA INTERNAÇÃO  

Tipos

Existem três tipos de internação, de acordo com a Lei 10.216/01:

Voluntária

O dependente químico aceita ser internado.

Involuntária

A pedido de terceiros

Geralmente, quem autoriza a internação é um familiar.

Compulsória

determinada pela Justiça

Embora não esteja no texto da lei, na prática, essa internação não depende da autorização da família ou da pessoa.

Pedido

Um familiar ou o próprio dependente químico pode procurar a Justiça para fazer o pedido de internação ou de compra de leito particular, com o auxílio de advogado ou defensor público. O Ministério Público também pode ajuizar uma ação com o pedido de internação. Todos os pedidos precisam ter um laudo médico.

Decisão

A Justiça decide sobre o pedido. A maioria dos casos, segundo o juiz Paulo César de Carvalho, é de compra de leitos para internações voluntárias e involuntárias.

Cumprimento

A Secretaria de Estado da Saúde recebe a decisão da Justiça. Se o lugar de internação estiver determinado, a Sesa encaminha o paciente cumprindo a decisão. Caso o lugar não esteja determinado, é feita a busca pelo leito adequado ao perfil do paciente, seja em leitos públicos ou pela compra na rede particular.

Internação

Os dependentes químicos podem ser internados em clínicas ou comunidades terapêuticas. Alguns aspectos de cada uma:

Clínicas psiquiátricas

Oferecem serviço de saúde e é obrigatória a presença de médicos; a abstinência é obrigatória, as visitas são controladas; as internações mais curtas (2 a 3 meses).

Comunidades terapêuticas

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Oferecem serviço assistencial e não é obrigatória a presença de médicos; muitas possuem tratamento com base religiosa ou nos 12 passos dos Narcóticos Anônimos; a abstinência é obrigatória; as visitas são controladas; as internações são mais longas (6 a 12 meses).

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