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'Jesus foi o maior marqueteiro que já existiu', diz teólogo

"Jesus foi o maior marqueteiro que já existiu", diz teólogo

Antônio Miguel Kater Filho defende aplicação de técnicas de marketing para católicos reverterem perda de fiéis. Para ele, a Igreja precisa melhorar do sermão dos padres até o som e os bancos de seus templos

Publicado em 28 de julho de 2018 às 23:51

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Teólogo Antônio Miguel Kater Filho. (Elton Lyrio)

O trabalho de Antônio Miguel Kater Filho é ajudar padres e bispos de todo o Brasil a “venderem seu peixe” e atraírem fiéis de uma maneira moderna e arrojada. Cantor, professor, palestrante, produtor e apresentador de TV, radialista, teólogo e consultor de marketing, ele luta por templos em que os fiéis não passem calor, sentem-se confortavelmente e consigam entender com clareza o que se fala, lê e canta. “Conforto não é luxo”, defende.

Primeiro a cunhar o termo “marketing católico” no mundo – que fez questão de patentear –, Kater defendeu em seu mestrado, em 1994, a aplicação das técnicas à Igreja. Depois, fundou o Instituto Brasileiro de Marketing Católico e passou a realizar encontros anuais em que difunde suas ideias, o 23º deles em Vitória, em maio. Tem o apoio de padres, bispos e até cardeais. Mas se engana quem pensa que suas ideias são voltadas apenas para o material. Até mesmo o sermão dos padres ele cita: “É preciso falar ao coração”, diz.

Como você começou com essa ideia de aplicar o marketing à igreja católica, o que te fez pensar nisso?

Eu me converti no namoro com a minha esposa. Quando entrei na igreja eu sempre fui muito crítico e comecei a falar das coisas. Daí passei a ser chamado a dar palestras. Eu falava de sexualidade e santidade porque eu tinha um passado ateu e minha esposa que me converteu. E tinha um testemunho forte de vida para dar. Minha comunicabilidade é fácil. Eu era músico, cantava, trabalhava em rádio. Ao mesmo tempo, eu comecei a vender propaganda, mas não gostava de vender, gostava de criar. Descobri o marketing em 1971, com um professor da faculdade de Administração. E ele dizia “marketing é atender necessidades”. Aquilo bateu comigo. E eu ia à igreja e via primeiro o processo de comunicação da igreja falhíssimo. A sonorização sempre foi muito ruim. As construções são feitas para aquele tempo que não havia amplificação e a voz tinha de ecoar para chegar até o fundo. Com os amplificadores você amplifica eco e reverberação. Além disso padres com sotaque. Com som ruim você nem entendia nada. E outra: se você vai à igreja e tiver dor de barriga, não encontra o banheiro limpo, arrumado... Criticava isso.

E a teologia nisso?

Resolvi fazer teologia porque eu pregava muito para jovens e o jovem é muito mais autêntico e questionador. Você fala uma verdade e ele quer saber o porquê da verdade. Eu profissional de marketing, uma noite, rezando, cruzei: marketing é atender às necessidades do consumidor. Jesus foi o maior marqueteiro da história. Isso caiu na minha cabeça. Me lembro que eu falei com meu diretor espiritual na época, que era um padre franciscano e ele disse que aquilo era coisa do capeta.

Porque você considera Jesus o maior marqueteiro da história?

Porque ele atendia às necessidades não só espirituais, como materiais. O marketing procura atender as necessidades físicas, quando, por exemplo, você tem um iPhone, onde está tudo aqui dentro, isso é fruto do marketing. E ele se faz a partir de pesquisa, não por achismo. Por isso, muitas empresas e até padres vão à falência.

Como assim?

Muitos padres não conseguem encher a sua igreja porque acham que o horário bom da missa é às 5 horas da manhã. Só que 5 horas eu estou dormindo. Ou acham que no domingo o melhor horário é 8 horas. O fiel quer uma missa às 11h, mas o padre não quer porque quer almoçar ao meio-dia. Ele não vive a realidade do seu público. Jesus não só atende às necessidades físicas, porque ele cura e liberta, mas as necessidades espirituais, porque ele traz a paz. O marketing procura fazer a mesma coisa quando ele convence você que ao comprar um iPhone você está com o melhor e você se sente bem. É uma satisfação interior. E Jesus nunca estudou marketing.

Quando começou a falar isso na Igreja?

Foi a pedido do Padre Zezinho. Morava perto dele e ele pediu que eu desse uma aula para de marketing para seus alunos. Então, eu criei o “marketing do pipoqueiro”. É uma história: na paróquia daquele padre bem devagar, o pipoqueiro coloca o carrinho dele na porta da igreja assim que o padre começa a missa. Quando acaba a comunhão ele começa a estourar as pipocas. Ele posiciona para o vento levar aquele cheiro para dentro da igreja. Acabou a missa, o povo vai correndo comer pipoca. O padre não recebeu ninguém lá para cumprimentá-lo. E não conseguiu vender o peixe dele. O pipoqueiro nunca estudou marketing, mas sabia que se chegasse na hora certa posicionando bem a propaganda dele, que no caso é a fumaça, ele venderia todo o produto. O padre tem que fazer o mesmo na missa. São os “4Ps”: produto, preço, praça e promoção.

Mas a igreja tem um produto?

O nosso produto é salvação. Qual é o preço da salvação? Zero. Alguém pagou o preço alto por nós, Jesus. Quais são os pontos de distribuição da salvação? As igrejas? Não, somos nós, batizados. Não há no mundo uma empresa que tenha mais “pontos de venda” do que a Igreja Católica. Se cada católico batizado assumir seu papel, somos 180 milhões de pontos de distribuição só no Brasil.

Daí você começou a teorizar?

Eu dava aulas na Faculdade de Taubaté e disseram que eu devia fazer mestrado. Fiz mestrado na USP e o meu orientador era um ex-padre. Ele me sugeriu – já que eu trabalhava na igreja, para a Associação do Senhor Jesus, hoje TV Século 21 – fazer uma tese sobre o marketing aplicado à Igreja Católica. Pensei “vão me depenar”. Ele disse que era para seguir em frente, porque eu estava no meio acadêmico.

E como sua tese repercutiu?

Eu produzia a novela “Irmã Catarina”. com Myriam Rios. Um dia chegou o repórter do “Estadão” Roldão Arruda, um grande amigo meu, para entrevistá-la. Ele viu a tese na minha mesa. Eu disse que ele não podia ver, que eu só ia defender na segunda-feira. Enquanto a Myriam não chegava ele deu uma lida e me pediu uma cópia. Mas disse a ele que se publicasse alguma coisa eu estava ferrado. Depois de ficar sabendo que eu fui aprovado, ele disse que iria publicar uma matéria. Pensei que seria rodapé. Em casa, no dia seguinte, João Monteiro, da Rede Vida, me ligou: “Você é corajoso”. Fiquei sem entender. “É porque você é chamada de capa e capa de caderno inteira com sua foto: ‘O marketing aplicado à Igreja Católica’”. Eu disse que ele estava doido. A tarde me ligaram da CNBB: os bispos estavam reunidos e queriam que eu explicasse o que era isso. Estavam interessados.

Foi a primeira pessoa a pensar em aplicar o marketing à igreja?

Sim. Pedi para registrar esse nome porque nunca ninguém pensou. Até hoje ainda cria uma certa indisposição em algumas pessoas. Elas confundem marketing com propaganda enganosa. Dizem: “o Collor foi puro marketing”. É uma ideia que predomina na consciência ou na inconsciência das pessoas, principalmente dos padres. Marketing não é isso. É atender necessidades.

Como você analisa o crescimento dos evangélicos frente aos católicos no país? Eles são melhores de marketing?

Sim. Eles são muito mais agressivos, o que eu não aconselho. Mas são muito mais pontuais nas coisas. Nós precisamos melhorar as nossas homilias, os nossos padres, com raras exceções, os nossos ministérios de música. Não admito você entrar na igreja e estar todo mundo conversando. As pessoas aguardando um filme ou um teatro ficam em perfeito silêncio, numa sala de espetáculos. Aguardando a celebração dominical, parece que estão no mercado de peixe. O Ministério de Música toca muito mais alto que o necessário. Muitas senhoras e senhores que têm problema de audição desligam seus aparelhos porque aquela reverberação os deixa atordoados. A gente precisa ser mais agressivo é no profissionalismo. A sonorização, a climatização... Hoje muitas igrejas tem climatização, mas em outras você fica cheio de calor durante a missa.

Há falhas na comunicação?

Faça uma experiência: na saída da igreja se você perguntar às pessoas qual foi o evangelho do dia, elas não vão lembrar. Aí não houve comunicação, se a pessoa não lembra do evangelho, não lembra da homilia. Antes do evangelho há duas leituras feitas pelos leigos. As pessoas acham que sabem ler e que têm o direito de ler na igreja. Elas leem, mas muitos não entoam, não fazem ponto, interrogação, não ressaltam frases... fazem uma leitura com erros. É “Espírito Santo paralítico” em vez de paráclito... E outras barbaridades: livro do “Exodó”, do “Genésio”, “Pistola de São Paulo e Corinthians” (risos). É necessário dar cursos de interpretação de texto, declamação...

Voltando aos sermões. Hoje vemos que os evangélicos e até alguns padres mais carismáticos conseguem prender a atenção melhor que outros. Falta alguma coisa?

As homilias são racionais. Eu tinha um padre, já falecido, chamado padre Jack O’Connel, que me disse que o homem se converte facilmente pelo coração. Ele tem dificuldade para se converter pela cabeça, porque tem suas ideias, seus paradigmas e isso se conflita. E dificilmente se converte no bolso. Jack tinha razão. Jesus falava ao coração e não à mente das pessoas. Quando você fala ao coração, fala com uma facilidade muito maior. Os pentecostais e a Renovação Carismática Católica (RCC) compreenderam que a palavra de Deus precisa atingir os corações. Outra coisa é que a homilia é muitas vezes genérica. “Nós, o mundo peca”. Não! Você peca. A falta de paz no mundo está dentro de mim, está na minha família. Quando você diz que o pecado está no mundo, você se exime da responsabilidade. Quando a homilia contextualiza a palavra e traz para você a corresponsabilidade da maldade do mundo, da violência, porque você é violento em casa e isso é um fomento à violência à guerra, as coisas mudam. Tem que se falar disso. Alguns pastores apelam, mas eles têm virtudes. Conseguem orientar melhor seus fiéis. Eles são incisivos, individualizam a palavra.

Por falar em conversão pelo bolso, e a questão do dízimo? Ainda é resistente nos católicos?

Uma coisa que me incomoda muito é que se você perguntar o que é igreja, as pessoas apontam para o templo. Outros apontam o clero. Mas a igreja somos nós, que nos reunimos debaixo do templo e sob a coordenação do clero. Quando achamos que a igreja é o templo ou o padre, damos esmolas à igreja e não somos dizimistas. Aí as igrejas começam: bingo, rifa, leilão, sorteio, jantar... para se manter. O dízimo é bíblico: Malaquias 3, 10. As pessoas dão esmola na igreja, mas em qualquer restaurante dão 10% para o garçom. Eu brinco que na hora de pedir a graça tem que pedir ao garçom. Nada contra o garçom. A Igreja precisa não ter medo de falar dessas coisas materiais. O marketing católico quer quebrar o tabu de que dar conforto é luxo.

Há uma visão condenatória sobre esse conforto?

Sim. Mas vá perguntar a essas pessoas se dormem em colchão de palha ou de espuma de 10 centímetros? Eles dormem em colchão “top”. Porque ele pode ter conforto e na igreja o banco tem que ser duro? Na igreja com 10 minutos você sente dor na coluna. Conforto não é pecado. Jesus quando dormiu na barca, dormia em cima de um travesseiro, confortavelmente. Tanto é que a barca balançava e ele não acordou, tiveram de acordá-lo.

Esses problemas “materiais” realmente minam a mensagem de chegar as pessoas?

Sim, porque afastam o cliente. Muitas senhoras acabam ficando em casa, veem a missa do padre Robson ou a de Aparecida porque se forem à igreja, lá elas não conseguem ir ao banheiro. Os horários também são importantes. Hoje o trabalhador da grande cidade, às 7 da manhã está no metrô. E às 7 da noite não está em casa ainda.

Você já tem visto resultado com a aplicação do marketing à igreja?

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Muitos padres fazem nossos encontros e voltam. E as paróquias que aplicam dão resultados. Mas o Brasil tem 12 mil paróquias e já passaram pelos nossos encontros 2 mil padres diferentes. Temos 15 mil padres. Os cardeais me apoiam porque veem resultados nas suas dioceses. Aplicar essas técnicas é pesquisar e saber o que está pegando, o que seria melhor, qual horário seria melhor. O cantor incomodou? Vamos achar outro... e por aí vai.

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