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Mãe não entra mais em ônibus após morte do filho esfaqueado em Transcol

Mãe não entra mais em ônibus após morte do filho esfaqueado em Transcol

"Saí de casa e meu filho tinha ido para a escola, tava estudando. Uma coisa que acontece assim você para pra pensar e vê que a vida é num piscar de olhos", reflete a mãe

Publicado em 20 de julho de 2018 às 11:03

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"Pra gente que é mãe, não tem consolo a morte de um filho". Depois de perder um pedaço de si, o filho de 17 anos, assassinado a facadas dentro de um ônibus do Sistema Transcol, há quase três meses por causa de um celular - que acabou nem sendo levado pelos bandidos -, a mãe do estudante Geraldo Santanna Neto, a atendente Michele Gomes de Jesus, 36 anos, não consegue mais entrar em um coletivo. "Olho pra dentro do ônibus e imagino o meu filho lá dentro, o que ele passou", desabafa.

Na madrugada do dia 28 de abril, os pais do jovem, que moram no bairro Feu Rosa, na Serra, receberam a notícia, ainda sem muitos detalhes, de que o estudante havia sido esfaqueado em um assalto. No hospital, a mãe soube o que aconteceu. Na versão apresentada à família, enquanto o jovem dormia sentado em um ônibus da linha 567 (Terminal de São Torquato/Terminal de Carapina), foi abordado por um adolescente com a mesma idade dele, já com uma faca no pescoço, pedindo o celular.

Com o susto, Geraldo se levantou e levou uma facada. A partir daí, o "gigante dela", com quase dois metros de altura, começou a reagir à tentativa de assalto até que outro criminoso entrou na briga. Sem o smartphone, os bandidos fugiram.

Apegada à fé e aprendendo a viver com a dor, Michele conversou com o Gazeta Online e conta que já não sente mais ódio dos assassinos do filho. Ela também lembra como foi o último dia de vida do estudante, que acordava às 3h40 para trabalhar na feira. O rapaz também ajudava a mãe na lanchonete onde ela trabalha e tinha o sonho de ser policial.

Como a senhora ficou sabendo da morte do Geraldo?

Na verdade, pra ele sair para esta festa, ele falou para o pai dele que ia para a casa de um colega. Como eu trabalho à noite, ele ficava mais com o pai dele, depois que eu saía para trabalhar. Mas como eu moro muito perto do meu serviço, ele sempre estava no meu serviço. Ele trabalhava comigo também final de semana. Até então, o pai dele falou comigo que ele chegou da escola, tomou banho, jantou e estava deitado. Acredito eu que ele nem ia sair. Só que o telefone dele tocou, algum amiguinho chamando pra sair e ele foi e disse que ia para casa de um amigo que trabalhava com ele na feira. Cheguei em casa e perguntei por ele, eu sempre chego do serviço meia-noite e meia... uma hora, vou no quarto dele. Aí eu não vi ele e perguntei para o pai por ele e ele falou que ele tinha ido dormir na casa do colega. Eu fiquei despreocupada, porque até então você chegar e não encontrar o filho, começa a ligar e tal. Quando foi beirando 4h da manhã, minha mãe subiu aqui - porque meu irmão sai para trabalhar esse horário - falando que tinha uns colegas dele na porta, deixando o celular e falando o que aconteceu. Que ele foi assaltado dentro do ônibus e o cara tinha dado facadas nele. Mas a gente não sabia onde que foi, como foi e para onde tinha ido. Eu fui saber realmente o que aconteceu pela manhã que eu fui no hospital e o médico que atendeu ele falou mais ou menos o tinha acontecido. Que ele tinha levado facada por causa do assalto.

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Pra gente que é mãe, não tem consolo a morte de um filho. Jamais, nunca mais. A gente tenta viver com essa dor todo dia. A gente disfarça a lembrança, mas a dor é eterna, pra sempre. Até a gente viver, a gente que é mãe, leva no coração. Até porque é um pedaço da gente que é arrancado à força praticamente. Uma pessoa que a gente nunca conheceu, nunca viu e conseguiu destruir sonhos. Ele tinha sonhos

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O tio dele, como é sargento aposentado, ia ajudar ele na prova da polícia. Ele tinha o sonho de comprar moto quando ele completasse 18 anos. Foi tudo um sonho interrompido, sonho dele e meu.

Michele não gosta muito de postar fotos. Esta é uma das que ela tem ao lado do filho, o gigante dela. (Acervo Pessoal)

Você tem outros filhos?

Tenho. Uma menina de 20 anos e um menino de 5 anos. Ele era o do meio, com 17 anos.

Como foram os dias seguintes?

Até hoje a gente vai aprendendo a viver com a dor. Mas esquecer a gente não esquece. A gente lembra todo dia. Você sai na rua, ele era muito conhecido, ele era muito alegre, então eu lembro dele na quadra soltando pipa... Os meus dias são muito difíceis. Eu me apego a Deus. Se a gente não tiver Deus no coração, a gente não consegue.

De alguma forma você consegue perdoar quem fez isso com ele?

Eu não sei se perdoar, porque é muito difícil. A gente fica sem entender, o porquê de uma pessoa sair de casa armada, já pra fazer o mal. Poxa, tantos meios. Eu sempre ensinei a ele a ganhar o seu próprio dinheiro, comprar o seu celular. Quer uma coisa melhor? Trabalhar para ter. Sempre ensinei a nunca pegar nada de ninguém.

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Meu filho nunca fez nada para esses meninos agirem de tal brutalidade com ele. Eu fico imaginando na hora o sofrimento, porque se um filho da gente tropeça e cai, rala o joelho você já fica com o coração apertado. A gente só imagina a situação do seu filho com dois homens em cima dele, ele tentando se defender, o que passou pela cabeça dele. É muito difícil eu perdoar, mas o ódio que eu sentia no momento, eu não tenho por eles mais não. Deus tá tratando. Perdoar, perdoar eu não sei

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Michele, o que você sabe sobre o crime? Ele não quis entregar o celular?

O que eu sei é que ele saiu da festa, em Vila Velha, ele estava indo embora. Pelo o que eu sei do delegado, eles pegaram o ônibus tudo junto. Sei que eles estavam no terminal. Pegaram o ônibus e vieram dentro do ônibus normal até perto de Carapina. Quando chegou perto de Carapina, o meu filho estava sentado mais na frente do ônibus e esses meninos no fundo. Meu filho estava encostado dormindo. Eram dois, um "de menor" e um "de maior". O de menor levantou e foi direto no meu filho, não sei se o meu filho estava mexendo (durante o trajeto) no celular dentro do ônibus. Mas na hora ele não estava com o celular, porque tinha uma colega com ele e o celular estava com ela. Aí esse menino pegou e encostou a faca já no pescoço dele e pediu o celular. Ele tava dormindo. Acredito eu que, na hora ele assustou, porque eu não peguei ainda a cópia do depoimento do menino. Pelo o que eu sei, de quem estava dentro do ônibus, ele se assustou e levantou. Nisso, o cara assustou e deu uma facada. Mesmo com uma facada, ele levantou a blusa e falou que não estava com o celular. O cara pegou e deu outra, aí ele reagiu. Mesmo com a facada conseguiu derrubar, porque ele era muito grande. Meu filho parecia um gigante, quase dois metros. Eu falava com ele que ele era o meu gigante, porque eu sou baixinha. Só que, tinha um outro (bandido), que veio por trás. O motorista chegou abrir a porta. Acho que os caras deram mais uma facada em alguém que pegou de raspão, roubaram a mochila e desceram.

Mas chegaram a roubar o celular do seu filho?

Não. Eu estou conversando do celular dele com você. Não levaram. Eu falo que foi uma lembrança. Além da morte, foi uma lembrança que eles deixaram pra mim.

O que mudou na sua vida após a morte do Geraldo?

O jeito da gente pensar muda. Até então a gente dá muito valor a bens materiais e isso mudou um pouco pra mim. A gente fica focando em trabalhar para ter o dinheiro, não depender de ninguém, ter o seu próprio carro, mas aí quando acontece umas coisas dessas, tipo: eu saí de casa e meu filho tinha ido para a escola, tava estudando. Uma coisa que acontece assim você para pra pensar e vê que a vida é num piscar de olhos. Você dá menos valor a essas coisas e mais valor a quem tá perto de você.

Ele estudava em qual horário?

À tarde.

À noite ele trabalhava?

Na lanchonete comigo, que não era todo dia para não atrapalhar os estudos, e trabalhava na feira, saía de casa 3h40 da manhã. Ele vendia frango e ovo na feira com um colega. Ele fazia várias feiras. Depois saía de casa 12h40 para estudar. 

Com tudo isso que você viveu, como você vê a violência urbana?

A violência eu acredito que ela não vai melhorar com o nosso governo. Ela só tem tendência a piorar. E eu penso muito mais alguns anos, porque eu tenho o meu pequenininho de 5 anos. Penso como eu vou criar ele com tanta violência, porque a tendência é só piorar. Como eu vou criar? Como vai ser cabeça dele. Meu filho se foi, mas a gente está aqui e nós podemos encontrar com um desses (bandidos). A gente pode encontrar hoje ou amanhã. Não é difícil. A violência em geral está banalizando a sociedade. A gente tá tendo que ficar preso por causa deles. Igual o ônibus. Desde o acontecido que eu não pego um ônibus. Eu olho pra dentro do ônibus e imagino o meu filho dentro do ônibus, o que ele passou. É muito difícil. A gente fica com pouco de trauma até de sair na rua. Eu moro perto do meu trabalho, porque senão eu nem trabalhar ia mais. Eu vou andando.

E o seu marido?

A gente como mãe, é mais protetora, e ele como pai era mais amigo. Os dois ficavam dentro de casa, jogavam videogame, conversavam sobre tudo. Para o pai dele está sendo muito difícil, porque ele também é mais fechado. Eu converso mais. Se eu que tiver que chorar, choro. Já ele é mais fechado. 

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É muito complicado. A gente se apega em Deus, senão a gente não consegue e a gente tem a certeza que um dia a gente se encontra. É isso que faz a gente ficar de pé. É a esperança que move a gente, senão a gente que é pai e mãe não aguenta

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SUSPEITOS

O adolescente apontado pela polícia como autor do latrocínio dentro do Transcol no dia 28 de abril, que culminou na morte de Geraldo, foi apreendido pela polícia no dia 4 deste mês. Já no dia 6, de acordo com informações da Polícia Civil, foi cumprido o mandado de prisão contra Obadias Feitosa dos Santos, de 20 anos, que também participou do crime. O inquérito policial foi concluído e remetido à Justiça.

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A Secretaria de Estado da Justiça (Sejus) informou que Obadias Feitosa dos Santos está no Centro de Triagem de Viana desde o dia 6 de julho.

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