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MPF acha erro em laudo de terrenos que alagam em Linhares

MPF acha erro em laudo de terrenos que alagam em Linhares

Problema fez construção de 1.517 casas durar quase oito anos

Publicado em 17 de julho de 2018 às 02:22

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Conjunto Rio Doce, em Linhares, ficou pronto em 2012, mas ainda está sem moradores. (Secundo Rezende/TV Globo)

Quase oito anos depois, a situação dos empreendimentos habitacionais Rio Doce e Mata do Cacau, construídos em região de enchente, continua a mesma. Apesar de prontos, os imóveis do Minha Casa Minha Vida estão vazios, sofrendo o desgaste do tempo e sendo dominados pelo mato. Para que as 1.517 casas fiquem livres de alagamentos, foi necessária uma complexa obra paga com dinheiro público.

Diante do volume de recursos desperdiçados, o Ministério Público Federal (MPF) investiga de quem seria a responsabilidade pelas falhas na escolha do terreno. Perícia realizada pelo órgão constatou diversos erros nos laudos apresentados à Caixa, gestora do programa.

O procurador da República em Linhares Paulo Trazzi afirma que no alvo da apuração estão a construtora que conduziu o projeto e a empresa contratada pela Caixa para analisar o estudo de segurança feito pela empreiteira. As duas companhias podem ser obrigadas a ressarcir à União.

Desde que as obras dos conjuntos foram iniciadas, em 2010, pelo menos duas vezes as unidades foram atingidas pela água. O primeiro episódio foi em 2012, como uma cheia do Rio Doce. Mas a ocorrência mais grave foi em dezembro de 2013. Com as fortes chuvas, as casas chegaram a ficar quase submersas.

“Não estamos convencidos de que esses alagamentos eram imprevisíveis. Existiam erros nos laudos que liberaram a construção. Não podemos dizer que houve fraude, mas descobrimos que vários aspectos técnicos nos documentos eram irregulares”, explica Trazzi.

Previstos, inicialmente, para serem concluídos em 2012, os conjuntos tiveram várias datas de entregas estimadas. Mas a construção dos diques que vão impedir as enchentes no local atrasou o sonho de milhares de famílias de baixa renda que aguardam uma casa própria.

Em junho do ano passado, a Caixa, por meio de nota, havia informado que no final de 2017, as moradias seriam liberadas. No entanto, somente este ano, em outubro, as 600 unidades do Residencial Rio Doce poderão ser entregues. “Para esse empreendimento só falta o bombeamento”, explica o procurador, ao acrescentar que uma série de questões burocráticas alongaram ainda mais a agonia dos beneficiários.

“O terreno onde deveriam ser construídos os diques estava bloqueados pela Justiça num outro processo. Conseguimos que uma faixa dessa área fosse liberada para essa obra. É um caso muito angustiante. Algo muito ruim poderia ter acontecido se essas quase 1,5 mil famílias vivessem ali quando ocorreu a enchente.”

As 917 casas do Residencial Mata do Cacau só devem ser entregues no ano que vem, segundo a Caixa, que alega que em função das chuvas ocorridas em janeiro deste ano houve mais atraso na finalização dos empreendimentos.

ENTENDA

2010: No final desse ano, a construção de casas nos empreendimentos Mata do Cacau e Rio Doce foram aprovados pelo governo federal e foram contratados.

2012: As obras eram para ter sido entregues em maio desse ano. Porém, não ficaram prontas, já que em janeiro desse mesmo ano, uma cheia do Rio Doce deixou a região alagada destruindo parte da construção. O Ministério Público do Espírito Santo (MPES) apresenta uma ação civil pública à Justiça por causa do erro na contratação do empreendimento.

2013: Com as obras refeitas, as fortes chuvas de 0dezembro de 2013 provocaram uma nova cheia do Rio Doce, deixando os terrenos onda ficam as casas alagados.

2014: Começam a ser discutidas soluções para que as casas sejam concluídas e entregues em segurança para as famílias.

2016: Um acordo foi feito para que uma faixa do terreno de Nozinho, ex-prefeito de Linhares, seja usada para a construção de diques para impedir que os terrenos sejam alvo de novas enchentes.

2018: As obras dos diques ficam prontas, porém, ainda falta a instalação das bombas que impedirão os alagamentos.

FAMÍLIAS VIVEM EXPECTATIVA DE RECEBER CHAVES

A manicure Keila Nunes aguarda a conclusão da sua casa no Residencial Rio Doce. (Ari Melo/TV Gazeta)

 

A Prefeitura de Linhares já começou a convocar as famílias que serão contempladas com uma das casas do Residencial Rio Doce. O empreendimento, assim como o Mata do Cacau, foi construído no bairro Aviso no caminho de Pontal do Ipiranga, num terreno que pertencia ao ex-prefeito da cidade Nozinho Côrrea.

Apesar da promessa das chaves chegarem às mãos de quem precisa, as obras do conjunto Rio Doce ainda não foram totalmente concluídas. Além da instalação das bombas que evitarão enchentes, ainda falta estabelecer o acesso ao local assim como garantir que as unidades sejam entregues sem qualquer indício de desgaste. Algumas medidas foram tomadas, como portas e janelas de madeira que foram trocadas por estruturas de alumínio após as enchentes.

A manicure Keila Nunes Arruda, mãe de cinco filhos, estava grávida de gêmeas quando surgiu a possibilidade dela se mudar para o local. “A minha expectativa era que minhas filhas iam começar a andar dentro da minha casa”, lamentou.

O Residencial Mata do Cacau está em situação ainda mais complicada, com 15% das obras ainda para concluir. O processo de escolha dos beneficiários também será feito pela prefeitura do município.

Além da investigação do Ministério Público Federal, a novela que se tornou essas obras do Minha Casa Minha Vida, as mais emblemáticas do Estado, gerou uma Ação Civil Pública (ACP), apresentada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) contra o ex-prefeito Nozinho, que chegou a ter R$ 2 milhões bloqueados, e contra a AB Construtora.

Drama

Após um alagamento em 2012, O MPES alegou que no período de chuvas, como o município compõe a Bacia do Rio Doce, o local ficaria sempre sujeito às cheias. Mas a ação acabou também atrasando após discussões sobre de quem seria a competência. A princípio o caso foi apresentado à Justiça Estadual, mas, após a inclusão da Caixa nas discussões, o caso foi encaminhado ao Judiciário Federal.

Com um acordo feito em 2015, Nozinho e a Caixa deixaram de fazer parte da ação e o caso voltou à Justiça Estadual para ser respondido apenas pela construtora.

Em reportagem publicada em 17 de outubro de 2017, a defesa de Nozinho afirmou que os terrenos vendidos para os empreendimentos eram da família dele há 40 anos e que nunca alagaram.

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Segundo o diretor do Sinduscon João Roncetti, ex-diretor comercial da AB, a construtora também não é culpada pelo problema. “Uma outra empresa foi responsável por esse projeto. AB entrou depois. Não foi ela quem produziu os laudos sobre os terrenos”, explica. A defesa da AB foi procurada, mas não atendeu as ligações. O advogado de Nozinho também não foi encontrado.

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