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'Por que não um milagre?', diz médico de mãe com câncer que deu à luz

'Por que não um milagre?', diz médico de mãe com câncer que deu à luz

O obstetra Rafael Angelo conta como foi a gravidez da Lylian, que, com um tumor no cérebro, chegou a ficar em coma durante a gestação e conseguiu realizar o sonho de ser mãe

Publicado em 31 de agosto de 2018 às 16:16

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O obstetra Rafael Angelo Baggieri acordou com mais de 200 mensagens no celular nesta sexta-feira (31). O motivo de tanta procura foi a história de uma de suas pacientes, a Lylian da Cruz Paixão, de 20 anos, contada pelo Gazeta Online nesta quinta-feira (30). "Acordo cedo para caminhar e fiquei das 5h às 7h respondendo", conta.

A repercussão positiva tem explicação. Lylian teve uma gravidez difícil até dar à luz sua filha, a Victória, com saúde perfeita no dia 23 de julho. Ela descobriu um câncer no cérebro, fez uma cirurgia longa, tomou muitos medicamentos, poderia ter perdido o bebê, mas não desistiu de ser mãe. Enfrentou todas as dificuldades e conseguiu realizar o sonho.

Nesse caminho, além da família, o obstetra Rafael teve um papel fundamental. Como ela mesma diz, ele foi "um anjo que Deus enviou, que nunca desacreditou de nós".

Com mais de 20 mil seguidores nas redes sociais e querido pelas pacientes, em entrevista ao Gazeta Online, o médico, que não esconde a fé para explicar um dos motivos de Victória ter sobrevivido, conta que a mãe chegou a ficar em coma durante a gestação após a cirurgia para diagnóstico do tumor e que, somente neste ano, teve três pacientes grávidas com câncer.

Doutor, como se explica uma mãe com um tumor conseguir manter uma gravidez?

Por coincidência, este é o meu terceiro caso de câncer na gravidez. O primeiro foi um câncer de mama. A paciente até começou a quimioterapia durante a gravidez. Um caso bem agressivo, mas a paciente está bem, graças a Deus. Hoje continua as sessões de quimioterapia e vai fazer uma cirurgia em breve. Depois teve um caso de câncer de colo de útero, que a gente descobriu no dia de fazer a cesariana. A gente fez uma biopsia e constatou isso e a paciente acabou evoluindo bem, está com o bebê nos braços. Depois apareceu a Lylian. É uma coisa um pouco rara.

Como foi o caso da Lylian?

Ela já começou tendo algumas intercorrências. Ela tinha um quadro de sangramento, teve um descolamento de placenta e precisou fazer repouso. Ela ficou de cama por dias. Foi a primeira pancada. Depois ela teve essa dor de cabeça. É muito raro ter um câncer na cabeça, e ainda mais na gravidez. Ela sentiu dor cabeça, mas o que nos chamou mais atenção foi também que ela ficou desacordada e desorientada, fato esse que nos fez querer investigar. Com uma ressonância da cabeça, ela, no início da gestação, descobriu uma massa sugestiva de câncer. A gente sempre acredita que pode haver cura, mas é um câncer cerebral, que a gente sempre acredita ser mais grave. Ela está surpreendendo a gente, evoluindo super bem, desde que se recuperou da cirurgia feita no terceiro mês de gestação.

A gravidez seguiu de que maneira?

Os médicos queriam indicar o aborto terapêutico, que é quando se faz para salvar a vida da gestante, o que sim, estava indicado no caso dela, porque eles associaram que esse tumor cresceria com o avançar da gravidez, que era um tumor relacionado à gravidez. Mas isso a gente só poderia saber através da biopsia.

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Antes de indicarem o aborto, houve uma conversa entre os médicos envolvidos, e foi optado, junto com a vontade da mãe, em manter a gravidez até o final e que fosse feita a vontade de Deus. Se tivesse que abortar, que fosse naturalmente no pós-cirúrgico

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Fizeram a biopsia e ainda ficaram na dúvida se esse tumor era relacionado ou não à gravidez. Mas a Lylian, juntamente com a família dela, decidiu não abortar. Eu apoiei bastante, porque eu tenho uma percepção de Medicina, um pouquinho diferente e até um pouco em conflito com alguns colegas. Eu ainda acho que, apesar dela ter evoluído bastante, quem decide as coisas é sempre Deus. Por mais que a Medicina avance, eu acho que tudo é permissão Dele. Eu falei: vamos seguir. Se tiver que ser, vai ser e vamos ter paciência.

E o que aconteceu?

Ela foi seguindo e surpreendendo a gente. Ela fez uma cirurgia bem longa que tinha tudo para evoluir para o abortamento. Ela usou muita medicação, muitos antibióticos, mas não evoluiu para o aborto. Ela procurou a opinião de outros oncologistas e eles optaram por esperar a gravidez no curso normal e depois desse seguimento ao tratamento. Realmente é um tumor agressivo, mas não evoluiu como a gente achou que fosse evoluir. Sobre a continuidade do tratamento, será o próximo passo que ela terá que decidir com os médicos oncologistas e neurocirurgiões

O que mais chamou a sua atenção nesse caso?

O ponto chave desse caso foi a decisão da família de manter a gravidez. Realmente foi uma decisão sem muito respaldo médico. Foi uma decisão de vamos tentar. Para o tumor, fisicamente, gerar o abortamento e dar sequência ao tratamento, seria melhor para ela no momento. Só que ela decidiu que queria ser mãe.

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Aí que está o ponto interessante da história, há tantas pessoas querendo aprovar o aborto, mas ainda relutamos quando uma decide pelo contrário, arriscar a própria vida para salvar o seu bebê, e eu acho que isso é valido, que sim, a mãe tem o direito de poder escolher manter uma gravidez de risco, se esse é o desejo dela, mesmo que esse risco seja tão alto assim pra própria mãe

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A Victória está bem?

Ela é perfeita. Não sofreu nenhum efeito em relação às medicações que foram feitas durante a internação. Acho que ela (a mãe) ficou umas duas semanas internada, tomando antibióticos, anti-inflamatórios. A mãe chegou a ficar em coma por alguns dias. Eu ia visitá-la e, por um tempo, ela não me reconheceu. Depois da terceira visita, ela começou a me olhar, mas com dificuldade. Ela chegou a ficar sem andar, sem falar. O médico não sabia nem se ela voltaria a ter uma vida normal. Mas depois de duas semanas ela começou a voltar. Realmente foi surpresa pra gente, por que não um milagre? Temos tanta dificuldade em acreditar nisso quando ele acontece com a gente.

Doutor, o senhor é muito querido pelas suas pacientes, tem um jeito diferenciado de tratá-las. Como é ver uma mãe passar por isso tudo na gravidez e ter um bebê perfeito.

Aí eu vou bater naquela mesma frase. Eu acho que, apesar de ser uma declaração muito polêmica, eu acho que nada, nada está nas nossas mãos. Realmente não só esse caso, mas os outros dois tinha tudo para dar errado e deram certo, somos apenas instrumentos usados por Deus.

Já tinha acontecido com o senhor outros casos de gravidez e câncer?

Não. É muito incomum. Tirando este ano, não me lembro de um quadro de câncer na gravidez.

As três são jovens?

Sim. Entre 20 e 30 anos.

As duas primeiras estão bem?

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Estão. A que teve câncer de mama chegou a fazer quimioterapia na gravidez, mas não aconteceu nada com o bebê, o que também foi uma surpresa e uma alegria para nós. O bebê entrou em trabalho de parto com 7 meses, ficou na Utin, mas está ótimo. A outra chegou a ter que retirar o útero tempos depois do parto e também já esta fazendo quimioterapia e está super bem

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Ela tinha uma lesão no colo do útero e cresceu na gravidez. No nono mês eu vi essa lesão aumentar mais ainda e achei que fosse um mioma que tinha “parido”. Falei com ela que faria o parto e, em seguida uma biopsia, mas falei para ela não se preocupar. Ela não tinha nada, o preventivo dela era normal. Por isso que a gente fala que, se possível, na suspeita, a mulher tem que fazer o preventivo e uma colposcopia (é um exame realizado pelo ginecologista para avaliar a vulva, a vagina e o colo do útero de forma bem detalhada) todo ano. O preventivo detecta 85% a 90% dos cânceres, mas a colposcopia aumenta as chances de detecção para 99%.

É um exame caro?

Não. O plano, geralmente, cobre. Caso o médico veja necessidade e indicação, ele pode pedir e realizar.

Voltando a falar da mãe com câncer de colo de útero.

Descobrimos o câncer, tivemos que tirar o útero dela e está fazendo a quimioterapia. E está ótima.

Ela já tinha filho?

Foi o primeiro filho, e ela não poderá ter mais filhos gerados no útero dela, pois foi retirado. Caso ela queira ter mais filhos teria que ser através de uma “barriga de aluguel “, o que nos dias de hoje é perfeitamente possível.

Como é para o senhor ver a vida e a morte tão perto do seu trabalho? Uma paciente jovem com um câncer grave e esperando um bebê.

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Na verdade, eu acho que é isso que me move. Todo mundo na sua vida tem que ter um objetivo. Um dos meus objetivos de vida, além viver bem com minha família, meu maior amor abaixo de Deus, é sim a minha profissão. Antes da minha profissão, eu tinha aqueles problemas que acho que todo mundo tem, alguns momentos de tristeza, que ficava pra baixo. Mas, sinceramente, depois que virei obstetra, esses momentos diminuíram bastante... Minha profissão, essas lacunas e através da alegria que o paciente transmite, em toda gestação e parto, acabo me contagiando com ela e, por fim, toda dificuldade pessoal, acaba ficando em segundo plano. 

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