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A importância de identificar o tipo de suicida durante o resgate

A importância de identificar o tipo de suicida durante o resgate

O especialista Diógenes Martins Munhoz é responsável pela técnica de resgate usada no Espírito Santo pelos Bombeiros e em outros nove estados brasileiros; ele explica que o processo inclui um tratamento humanizado do chamado "tentante"

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 17:24

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Há alguns anos, era tabu falar de suicídio. Por causa disso foram criados mitos como se falar de suicídio incentivasse o ato. Não é assim. A sociedade tem que falar do suicídio de uma forma coerente e responsável, já que é uma das maiores causas de morte do mundo e do Brasil

Diógenes Martins Munhoz
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No início da campanha Setembro Amarelo, o Espírito Santo sediou o Congresso Brasileiro de Prevenção ao Suicídio, com a participação do responsável pela técnica de resgate que hoje é utilizada pelos Bombeiros no Estado, o chefe do Departamento de Resgate da mesma corporação em São Paulo, Diógenes Martins Munhoz.

O método é aplicado em outros nove Estados do país. Em conversa com o Gazeta Online, Munhoz explicou que o processo inclui um tratamento humanizado do chamado “tentante” — a pessoa que tenta cometer o ato. São três categorias: agressivo, depressivo e psicótico — e cada um merece uma atenção diferente pela equipe de resgate.

O congresso acontece no Centro de Convenções de Vitória até o próximo sábado (1). A entrada é gratuita e limitada. No local, o capitão Diógenes também vai lançar oficialmente o livro “Abordagem técnica a tentativas de suicídio”, onde explica como trabalha. Já foram 500 livros vendidos.

Como funciona a técnica?

Ela proporciona a individualização do tipo de tentante. Existem três tipos para nós que fazemos esse trabalho: os tentantes agressivos, os tentantes depressivos e os tentantes psicóticos. Quando um profissional da área de urgência e emergência chega na ocorrência ele vai individualizar: ele está gritando comigo, então é do grupo dos agressivos. E aí ele faz uma abordagem dirigida.

E o que muda?

Tudo muda. A postura do abordador muda, as palavras que ele utiliza mudam também. Porque eu não posso falar com um agressivo da mesma forma que falo com um depressivo ou um psicótico. São características diferentes e tenho que falar da forma diferente com cada um. Temos que ter um olhar humanizado de um tentante e não mais chegar em uma ocorrência e querer resolver em 15 ou 20 minutos, de forma agressiva, distrair e pegar o cara. Dessa forma estaria criando mais um trauma na cabeça dessa pessoa.

É possível dar exemplos dessas situações?

Um exemplo de linguagem corporal: no agressivo não abordo ele de frente, eu abordo com o corpo na diagonal, porque posso passar a impressão de que estou em confronto com ele. Com o depressivo eu já abordo de frente. Eu não sou especialista nesse tipo de linguagem, mas estudei e há profissionais comigo que habilitaram nesse sentido. São muitas técnicas como essas.

No Espírito Santo as ocorrências de resgate às vezes demoram horas. Tem a ver com o princípio dessa técnica?

Sim, é necessário tempo. A principal característica de um abordador é a paciência. Ele não pode querer resolver a ocorrência rápido. Elas demoram horas mesmo, é normal. Por isso é difícil para nós. Essas técnicas surgiram de uma ocorrência que eu participei em 2006 na qual eu fiquei seis horas em cima de uma torre de celular. Uma ocorrência rápida em São Paulo hoje dura aproximadamente duas horas, não menos que isso.

Como foi o início da ideia em 2006?

Eu saí de uma ocorrência com um sentimento de frustração muito grande. Aí foi o start para eu buscar alguma coisa. Estudei a área da psicologia, da psiquiatria, da linguagem corporal, conheci profissionais do Centro de Valorização à Vida (CVV), que me abriu portas. Li livros também de pessoas renomadas, que temos como referência, e ajudaram mesmo que indiretamente a construir uma técnica.

A paciência vocês precisam ter. Mas muitas pessoas acabam não tendo no momento do resgate. Qual a importância dessa conscientização?

É fundamental o respeito para essas pessoas. A diferença entre aquele tentante que está em cima da ponte e que a gente não conhece e fica todo mundo gritando para pular e aquela pessoa que sofre de forma silenciosa muitas vezes é apenas falta de conhecimento. O respeito tem que ser dado para o desconhecido e não só aquela pessoa que passa pela mesma situação por perto.

Foi possível ver uma melhora nos Estados onde a técnica é aplicada?

Melhorou muito. Em São Paulo, a cada 15 ocorrências um bombeiro presenciava um suicídio. Hoje isso acontece a cada 20 ocorrências desse grupo que fez o curso. É um ganho muito considerável e a gente tem aprendido dia a dia. A técnica está em constante evolução. Nós falamos de três grupos e ainda estudamos criar o quarto, que é de jovens. É outro grupo, com outro linguajar.

Proteções em pontes, como é cogitado aqui no Espírito Santo, ajudam a prevenir?

São atitudes preventivas que em alguns países já existem. A Golden Gate, em São Francisco (EUA), por exemplo, teve uma rede colocada para proteção, por ser um ponto quente - quando acontecem vários casos. Mas não passa só pelo efeito estrutural de uma ponte ou de uma torre. Passa principalmente pela conscientização das pessoas procurarem tratamento, das pessoas se manterem no tratamento. Eu tenho 52 abordagens no meu currículo. Das 52 posso te precisar que 50 eu conheci as pessoas quando pararam os tratamentos, tiveram o efeito rebote. É um tratamento multidisciplinar e precisa de uma atenção de todos os profissionais e o tentante, que precisa ter conhecimento disso.

Existia um tabu para não falar sobre suicídio?

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Nós estamos em 2018 falando em um congresso sobre suicídio e prevenção. Nós estamos falando abertamente de suicídio. Eu participei recentemente de um programa em rede nacional falando sobre suicídio. Isso há dez anos atrás era impensável. Era um tabu e por causa disso foram criados mitos que não eram verdades, como se falar de suicídio incentivasse o ato. Não é assim. A sociedade tem que falar do suicídio de uma forma coerente e responsável, já que é uma das maiores causas de morte do mundo e do Brasil.

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