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Anna Penido: 'Os alunos estão no século XXI, mas a escola não'

Anna Penido: "Os alunos estão no século XXI, mas a escola não"

Especialista fala sobre a necessidade do uso de tecnologia em sala de aula, não somente na questão da infraestrutura, mas na formação do professor

Publicado em 24 de agosto de 2018 às 17:32

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“Os alunos estão no século XXI, mas a escola ainda não está.” É com essa frase que a jornalista e palestrante na área de Educação Anna Penido define o ensino das escolas atualmente. A educadora está no Espírito Santo para o 8º Congresso Educacional das Escolas Particulares do Estado e falou sobre a importância de mudanças no ensino e inclusão da tecnologia nas salas de aula.

Em conversa com o Gazeta Online, Anna Penido explicou que falta até mesmo formação por parte dos professores e não apenas investimento na infraestrutura - algo que ela também define como fundamental. De acordo com a especialista, o uso da tecnologia é algo importante para estimular a vontade de aprender dos alunos, mas que deve ser um complemento às outras formas de ensino.

O que está faltando para levar mais tecnologia às escolas?

A gente precisa formar essas novas gerações para de fato saber lidar com a tecnologia, tanto para vida pessoal quanto profissional e social ou cidadã. Hoje, se você não tem acesso qualificado à tecnologia, você está à margem da sociedade. Você não consegue nem tirar um benefício, um Bolsa-Família em uma caixa eletrônico, por exemplo. É fundamental pensar os currículos e como eles incorporam essa formação para a tecnologia, que não pode ser aprender a operar, a apertar botão, porque muitas vezes eles já nascem sabendo. É entender como de fato a tecnologia pode transformar a vida e como utilizar para intervir na sociedade, de maneira ética, consciente e positiva. As novas gerações muitas vezes usam a tecnologia, mas não de forma consciente. As escolas precisam ajudar nesse papel.

Que exemplos você daria do bom uso da tecnologia?

Hoje quando as escolas se propõem a transformar pela tecnologia elas vão conseguir coisas que não conseguiam fazer antes. O nível de autoria cresce com a tecnologia porque os alunos vão poder produzir vídeos, games, softwares, aplicativos, vão poder usar a tecnologia para fazer pesquisas mais amplas, ter experiências, como visitar um museu virtualmente, poder ter acesso a material mais interativo que o livro didático… A tecnologia pode trazer uma série de elementos para ampliar o engajamento, para ampliar a aprendizagem e o protagonismo do aluno no seu processo educativo. Não adianta simplesmente levar o computador para o laboratório de informática - que inclusive é algo obsoleto. A tecnologia tem que ser como um caderno, algo do cotidiano e importante de se usar no dia a dia.

E como fazer isso?

É preciso pensar nas questões da prática pedagógica, como transformar com o uso da tecnologia. É preciso pensar na formação do professor porque ele não é ensinado a lecionar usando a tecnologia. Em muitas vezes não consegue usar a própria tecnologia. Precisamos investir fortemente no professor e na infraestrutura, nos recursos pedagógicos digitais. Não adianta falar de tecnologia em uma escola que não tem internet veloz e que não tem acesso a bons recursos digitais de aprendizagem. Tudo tem que ser pensado de forma articulada.

O uso da tecnologia na educação hoje seria limitado?

É bastante limitado e muitas vezes o que acontece: você pensa na infraestrutura, mas não pensa na formação do professor. Você pensa no recurso, mas não pensa na prática pedagógica. Então tudo fica meio “capenga”. A gente não consegue chegar nos resultados satisfatórios, na potência que a tecnologia poderia trazer para a mudança positiva para a educação, porque a gente não faz uma implementação consistente e integrada.

Que equipamentos poderiam ser usados em sala de aula?

A tendência hoje é dos dispositivos móveis. Sejam tablets ou notebooks, ou o próprio celular, mas com todo o uso pedagógico desses recursos. A gente sabe que a tecnologia tem vários riscos: a dispersão, o abuso do tempo de uso e a questão de isolamento por causa do uso intenso. Tudo isso precisa ser considerado, até para não ser o único recurso. Ela é um dos recursos. Você também vai ter que fazer a horta com os alunos, fazer uma visita real ao museu (não vai ficar só no virtual). Esse balanceamento também é muito importante.

Sobre a dispersão que a tecnologia causa, é possível reverter esse problema com educação?

A educação para o uso da tecnologia é fundamental. Não só pela escola, mas também pela família. É necessário trazer esses temas para discussão, principalmente entre adolescentes e jovens. Não no julgamento ou na punição, mas na conscientização e na oferta de outras possibilidades para eles. Muitas vezes eles acabam indo para a tecnologia porque não existem outras oportunidades tão atraentes quanto. Então cabe a nós como educadores e pais diversificar essas oportunidades, tanto de aprendizagem quanto de relacionamento e de entretenimento para nossos filhos e estudantes. Essas conversas precisam acontecer na família e na escola.

Essa situação hoje é apenas na rede pública ou é geral?

É totalmente indistinto. O que a gente busca é mais equidade. Mas o aluno de escola privada tem mais acesso à tecnologia, não só em casa, mas na escola também. As escolas são mais bem equipadas e têm uma internet mais potente. Quando a gente faz pesquisas para saber como o aluno gostaria de usar a tecnologia na escola, o aluno de escola pública geralmente fala “pesquisa na internet” porque é o que os equipamentos da escola permitem. Quando você pergunta ao aluno de escola privada ele fala de robótica, programação… Ele tem uma vivência e um repertório que o permitem desejar mais. A gente tem desigualdade até no desejo. Porque se não tem repertório, como vai desejar algo que não conhece? Mas fora isso, vale para todo mundo.

Existe um artifício para educar sobre o uso da tecnologia em sala de aula?

A opção não seria criar uma disciplina, algo que temos até em excesso. Tem que ser uma aprendizagem ao longo das disciplinas existentes. Todas têm um viés que podem ajudar nesse processo, no usar da tecnologia para fazer os projetos e criações: se está na ciência da natureza, pode discutir os impactos de tecnologia no meio ambiente, na vida humana, se está em aula de ciências humanas, na vida social, no emprego e na participação política e social… É necessário falar em todos os componentes curriculares. Na Base Nacional Comum Curricular já está previsto assim.

Você acha que a escola ainda está no passado?

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Eu não acho, eu tenho certeza disso. A escola não conseguiu evoluir. Todos os setores da sociedade, praticamente, mudaram profundamente. Quando comecei a faculdade de jornalismo usava-se máquinas de escrever. Quatro anos depois, quando me formei, já tinha uma placa na sala onde elas ficavam, as máquinas escrito “Jurassic Park”. A escola, no entanto, tem resistência de deixar entrar a tecnologia, isso porque a educação é cheia de regras e é conservadora. Cheia de ideias consolidadas e de ideologias que impedem de ser mais rápido no processo de mudança. Tem que fazer. Os alunos estão no século XXI, mas a escola não está lá ainda.

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