A receptividade (presença do mosquito transmissor) e a vulnerabilidade, agravados pela possibilidade de erro no diagnóstico, são os principais fatores que levam um local onde não há malária grave, como é o caso do Espírito Santo, a vivenciar um surto. A avaliação é do médico imunologista Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro. O pesquisador é chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do Instituto Oswaldo Cruz. Segundo ele, o atraso e o erro no diagnóstico costumam provocar mais mortes pela doença fora da região amazônica do que dentro dela, onde é muito mais comum. Veja entrevista abaixo.
O que provocou o surto no Noroeste do Espírito Santo?
Essa malária que está acontecendo agora é uma malária por falciparum protozoário que causa a forma mais grave da doença e acredito que tenha sido introduzida. Ou seja, teve um paciente com malária que chamamos de "importada", de alguém que veio de fora da região, e que a gente chama de caso índice. Esse caso ainda não foi encontrado, pelo que venho acompanhando. Mas 90% dos registros de malária fora da região amazônica são importados.
Qual o maior problema desses casos de malária fora da região amazônica?
O problema se chama vigilância. É preciso ter vigilância permanente. O indivíduo chega de uma região que tem malária, está infectado e não sabe. Vai para casa e pode transmitir para várias pessoas. Se a vigilância não diagnosticar rapidamente, pode instalar um surto. O Espírito Santo, além de ser receptivo para a doença, pois tem a presença do mosquito transmissor (do gênero Anopheles), é vulnerável pelo trânsito de pessoas para regiões onde a malária é endêmica. E é bem mais perigoso pegar a doença fora da amazônia do que dentro dela.
Por quê?
Porque 99,7% dos casos de malária acontecem na região amazônica, ou seja, é uma doença local, fora dali é altamente improvável e isso atrasa o indivíduo. Muitas vezes a pessoa chega com sintomas de malária, mesmo em locais com a medicina avançada, e a chance de morrer é 200 vezes maior. O diagnóstico errado provoca mais mortes. Isso não sou eu que acho, é com base em informações do Ministério da Saúde.
Por aqui, os primeiros casos também foram diagnosticados de forma errada...
Porque na região amazônica a malária é tão comum que qualquer porteiro de posto de saúde sabe fazer o diagnóstico. Enquanto que, no Sudeste do país, o médico vai teimar que é dengue, zica ou qualquer outra coisa e o paciente morre porque o diagnóstico não é feito rapidamente. Houve um caso no Rio de Janeiro em que atendemos uma mulher que já havia passado por dois hospitais. Quando fomos colher o sangue já havia parasitas demais na corrente sanguínea. Nunca tinha visto tanto. Mesmo com o medicamento, que age rápido e funciona muito bem, não pudemos salvá-la.
O que fazer quando o surto está instalado?
É preciso agir rapidamente. Se intensificar o combate ao vetor (mosquito), houver o diagnóstico e tratamento oportunos, vai diminuir a transmissão porque haverá menos sangue parasitado circulando. É importante que o diagnóstico seja rápido, porque se morre pelo atraso no diagnóstico.
Quanto tempo um surto desses pode durar?
O tempo que vai demorar para o surto ser controlado dependerá da eficiência das ações aplicadas. A tendência, a partir de experiências em outros locais, é que o controle ocorra bastante rápido. A gente deve assistir em pouco tempo o controle desses casos.
Como é a distribuição dos casos de malária no Brasil?
Aqui, a malária está concentrada 99,7% na região amazônica. O que vemos fora, corresponde a 0,3% dos casos. Se considerar o protozoário P. falciparum, que causa a forma mais grave (responsável pelo surto no Espírito Santo), 80% dos casos estão em 12 a 14 municípios da região amazônica. No entanto, 80% do território do país é receptivo à malária. Ou seja, se chegar alguém infectado pode haver um surto.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta