Acordar às 4 horas para trabalhar, todos os dias, já pode ser considerado algo cansativo. Agora, imagine levantar nesse horário e ainda ter que conviver com o medo de bandidos e até mesmo de não retornar para casa? Essa é a sensação pela qual passam os trabalhadores que precisam pegar ônibus em pontos localizados nas rodovias federais que cortam a Grande Vitória.
Com a ajuda dos passageiros, a reportagem mapeou os 30 pontos de ônibus mais perigosos que ficam às margens das rodovias. São diversos relatos e reclamações de falta de segurança em paradas de coletivos no trecho da BR-262, entre Jardim América e o viaduto próximo à Ceasa, em Vila Capixaba, além da BR 101, no caso, Rodovia do Contorno e o trecho entre Carapina e Serra-Sede, na Serra.
O horário mais visado para os criminosos, segundo os trabalhadores, é a parte da manhã, entre 5h30 e 7h. Quase todas as pessoas entrevistadas já sofreram um assalto, presenciaram um, ou ouviram relatos de amigos que ficam no mesmo ponto e já foram vítimas da ação dos criminosos.
Um dos locais de maior perigo citado é o ponto em frente à entrada de Nova Rosa da Penha II, na Rodovia do Contorno. O primeiro problema já começa em relação à estrutura do local. Além de não possuir abrigo, nem local para sentar, o ponto fica em uma pequena extensão da BR-101, a poucos metros da pista, desprotegido, e sequer há uma placa para indicar a parada dos coletivos.
Além disso, a barra de proteção lateral da pista fica atrás das pessoas que aguardam o transporte. Com isso, os bandidos que se aproximam, geralmente de moto, conseguem encurralar as vítimas.
Foi o caso de uma doméstica de 41 anos. Ela utiliza o local para embarcar no transporte público três vezes por semana. Mesmo assim foi vítima de assalto por quatro vezes.
Eu já presenciei e já fui assaltada umas quatro vezes nesse mesmo ponto, aqui na entrada de Nova Rosa da Penha. Eles aparecem como se não quisessem nada, esperam chegar mais gente no ponto, ficam perto das pessoas. Vêm de moto, de carro e exigem celular e dinheiro. Se você não tiver um celular bom, ainda corre o risco de apanhar. Eu já presenciei pessoas sendo agredidas em assaltos aqui.
Outro local visado por assaltantes no período de final da madrugada e início da manhã é um ponto localizado na entrada do bairro Central Carapina, na Serra, no sentido Serra-Sede da BR-101.
Uma moradora do bairro Diamantina, que já foi assaltada duas vezes no local, na pista lateral da rodovia, diz que só fica no abrigo se estiver acompanhada. Caso contrário, prefere pegar o ônibus em direção ao Terminal de Carapina.
Eu vou no sentido contrário ao que eu tenho que pegar, justamente por conta de insegurança. Eu já fui assaltada duas vezes nesse ponto de ônibus. A última foi em março deste ano. Da outra vez eu e minha colega corremos para o meio da pista", contou.
Estratégias
O medo de ser assaltado fez com que os passageiros criassem estratégias próprias para tentar prever a ação dos bandidos, ou se defender. Um eletricista, de 59 anos, contou que pega ônibus em um ponto em frente a uma fábrica de refrigerantes, na altura do bairro Planeta, na Rodovia do Contorno, em Cariacica. Ele conta que já presenciou assaltos, mas nunca foi uma vítima. Por isso, tenta chamar pouca atenção quando está no local.
"Eu, graças a Deus, nunca fui vítima, mas já presenciei gente sendo assaltada e tenho amigos que já foram aqui. Eu fico muito atento, mais longe do ponto, em pé, procuro não dar bobeira. Mexer no celular então, nem pensar. Não deixo nada de valor visível. Fico perto do matagal e vigiando se alguém suspeito se aproxima", relatou.
Uma auxiliar administrativo de 32 anos, que mora em Central Carapina e pega ônibus em um ponto no sentido Serra-Sede da BR-101, na altura do bairro São Diogo II, diz que como está no mesmo ponto todos os dias e já sabe o horário em que o coletivo vai passar, procura chegar o mais perto possível do momento de entrar no veículo.
"Esse ponto aqui é muito perigoso. Tenho o costume de chegar aqui e não ficar muito tempo, por conta do medo de assalto. Eu procuro já chegar bem perto do horário do ônibus passar. Quando eu tenho que ficar sozinha, fico ligada porque não tem para onde correr. Se eu vejo alguém estranho, fico esperta para poder atravessar para o outro lado", contou.
Uma doméstica de 40 anos, moradora de Santo André, em Cariacica, diz que ficou traumatizada após ser assaltada quando chegava a um abrigo de coletivo na BR-262, perto do viaduto da Ceasa. Ela disse que desde então prefere caminhar de casa até o Terminal de Campo Grande, ao invés de ficar no local.
"O foco deles é o trabalhador, a maioria mulheres, e agora levam tudo. São muito agressivos. Agora eu prefiro correr o risco de ir andando até o terminal. Está muito perigoso. Nosso bairro aqui, Santo André, já foi muito tranquilo, mas com na BR eles têm saída para qualquer lugar", afirmou.
E o policiamento?
Em todos os pontos de ônibus localizados nas rodovias, pelos quais a equipe de reportagem passou e ouviu os passageiros, as reclamações eram semelhantes. Ou os trabalhadores relatavam que não percebiam a presença de policiamento, ou diziam que a atuação da polícia estava focada somente dentro dos bairros nos arredores.
"A segurança não existe. As promessas chegam durante as campanhas políticas, de educação, saúde, segurança, mas tudo fica só na promessa. Nesses horários de pico deveria passar mais viatura", relatou um auxiliar de serviços gerais de 62 anos, acostumado a pegar o coletivo em um ponto de Nova Rosa da Penha, na Rodovia do Contorno.
"Está terrível essa situação de assalto aqui. Polícia a gente vê dentro de Central Carapina, mas aqui na rodovia é muito difícil", afirmou também uma auxiliar de limpeza de 34 anos, que utiliza o ponto em frente á entrada de Central Carapina, na BR-101, na Serra.
O outro lado
Procurada para falar sobre a segurança nos pontos de ônibus das rodovias federais, a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) passou a responsabilidade do patrulhamento, exclusivamente, para a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e afirmou que esses locais não são de responsabilidade do órgão. Sobre as investigações dos crimes, ressaltou que a Polícia Civil investiga somente os que são registrados pelas vítimas nas delegacias, mas não informou se aconteceram prisões de suspeitos recentemente nem quantas denúncias foram feitas.
Já a PRF fez questão de ressaltar que, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, a Segurança Pública, dever do Estado, deve ser exercida por Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.
A competência exclusiva da PRF, de acordo com o próprio órgão, é referente somente a ações administrativas, tais como multas de trânsito, recolhimento de veículos, entre outras. A corporação ainda informou que não tem registros de ocorrências em pontos de ônibus, uma vez que tais fatos são registrados na Polícia Civil, que faz a devida investigação.
Nem SESP e nem a PRF responderam sobre ações de prevenção dos crimes contra passageiros de ônibus que aguardam o coletivo nos pontos das rodovias federais.
ENTREVISTA: "O pior de tudo foram as agressões"
Uma doméstica de 40 anos contou como foi o dia em que dois bandidos a agrediram, a caminho do ponto de ônibus no bairro Santo André, próximo à BR-101, em Cariacica, e ressaltou que precisou mudar a rotina por conta do medo, assim como outros moradores do local.
Quando você foi assaltada e como tudo aconteceu?
Eu fui assaltada no dia 2 de maio. Eu saí de casa por volta das 6h para ir trabalhar. No caminho para o ponto, olhei para frente e vi um carro preto. Eu já sabia que era assalto e corri para o meio fio. Aí o carro veio atrás de mim, saiu um indivíduo correndo e veio na minha direção. Eu entrei em um beco e ele correu atrás de mim. O local não tinha saída e quando ele olhou, viu que ninguém saiu de casa, veio na minha direção com a arma na mão, apontada para a minha cabeça.
O que ele fez?
Ele mandou eu entregar a bolsa, se não ele iria atirar. Eu foquei na arma e percebi que era de mentira, quando ele chegou perto de mim. Ele colocou a mão na minha bolsa e eu puxei de volta.
Qual foi a reação dele?
O bandido ficou sem ação quando viu que eu percebi que a arma era falsa. Ele continuou tentando puxar a bolsa, aí o outro veio correndo, estava de touca ninja, já chegou me dando vários socos na cabeça, por todos os lados, e não tive como fazer nada. Quando ele chegou me espancando, eu soltei a bolsa e eles levaram, mandando eu não olhar para trás.
O que passou pela sua cabeça nesse momento?
O pior foram as agressões. Você sai para trabalhar e se sente indignado. Hoje em dia a gente não está podendo nem sair para trabalhar. Não tô falando nem de lazer. Revolta muito. Sempre estamos correndo risco. Eu saía mais cedo e agora só saio depois de 6h, porque o dia já clareou. Só quem não tem opção que sai 5h.
E há outros relatos desse tipo de problema na região?
Eu conheço gente que também já foi parar no hospital por conta de assalto em ponto. Alugou uma casa em cima do ponto de ônibus, para poder pegar somente quando o ônibus realmente estiver chegando. É um absurdo a gente ter que mudar de rotina por conta de insegurança.
O que você faz para tentar evitar que aconteça novamente?
O foco deles é o trabalhador, a maioria mulheres, e agora levam tudo. São muito agressivos. Agora eu prefiro correr o risco de ir andando até o terminal. Está muito perigoso. Nosso bairro aqui, Santo André, já foi muito tranquilo, mas com na BR eles têm saída para qualquer lugar. E não tem policiamento suficiente para pegar. Você não sabe para onde eles foram. Viramos prisioneiros.
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