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Dependência química: médicos e enfermeiros viciados em remédios

Dependência química: médicos e enfermeiros viciados em remédios

Problema chega a ser 5 vezes maior do que na população em geral

Publicado em 8 de setembro de 2018 às 22:09

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Jornadas prolongadas, trabalho sob pressão, estresse. Some-se a isso a facilidade de acesso a medicações, e um sinal de alerta acende em hospitais e unidades de saúde com o seguinte quadro: médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem viciados em remédios. Em determinados grupos, a dependência química entre profissionais de saúde chega a ser cinco vezes maior do que na população em geral, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

“Há especialidades que favorecem o uso. Psiquiatras, intensivistas, alguns tipos de cirurgiões e, principalmente, anestesistas que têm uma profissão meio isolada no campo cirúrgico. Se dá certo, foi o cirurgião; se dá errado, foi o anestesista”, pontua Alexandrina Meleiro, coordenadora da comissão de atenção à saúde mental do médico da ABP.

“O uso de remédios entre eles é cinco vezes mais alto do que na população, principalmente quando falamos de anestésicos. As outras drogas, como álcool e cocaína, a incidência é cerca de duas vezes maior do que no restante das pessoas”, acrescenta Alexandrina.

Médicos e enfermeiros estão viciados em remédios. (Ilustração | Arabson)

Flagrante

O problema também não está restrito à rede pública de saúde. Uma técnica de enfermagem, que preferiu não se identificar, já flagrou o uso de remédios pelos profissionais em hospital particular da Grande Vitória.

“Já aconteceu de um profissional, para uso imediato, absorver medicação que estava sendo retirada do paciente, usando seringa direto da bomba de infusão. Médicos, enfermeiros e técnicos se automedicam, mas também indicam uso de ampola a mais para o paciente e subtraem o que sobra”, revela.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Espírito Santo (CRM-ES), Carlos Dalapícola, afirma que, durante a sua gestão, não houve registro de denúncias contra profissionais por uso de drogas. Contudo, ele reconhece o problema.

“A maior facilidade de acesso é algo real. Quem trabalha em hospital, com a rotina pesada, pode ser levado a uma dependência por morfina, analgésicos, opióides. Começa tomando algum estimulante para se manter ativo e, com o passar do tempo, não consegue mais ficar livre daquela substância. Mas raramente essa situação vem à tona. Às vezes, é administrada pelo próprio hospital e, por isso, não chega ao CRM”, explica.

Incapacidade

Dalapícola completa: “Se chegar queixa, o médico é encaminhado para avaliação de um perito, que poderá determinar a sua incapacidade técnica para exercer a profissão. Neste caso, ele recebe uma interdição ética do CRM e só poderá voltar a atuar se fizer um tratamento e, após nova avaliação, ser considerado apto.”

O presidente da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo (Apes), Fausto Amarante, revela que atende médicos dependentes químicos que, em geral, buscam ajuda somente quando a situação tornou-se bastante complicada. “No começo, há uma ideia que conseguem resolver sozinhos, além da vergonha de falar para os colegas. O que eles precisam é de apoio. As pessoas, em geral, aceitam a doença orgânica, mas quando se trata de dependência, falam em falta de força de vontade, falta de Deus. Ninguém escolhe adoecer.”

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Especialistas em dependência química, João Chequer e Francisco Veloso também têm, entre seus pacientes, profissionais de saúde. “Já tive médicos, dentistas, advogados, engenheiros. Todos têm carências, vácuos emocionais e meteram a cara nas drogas”, diz Veloso. “O pior paciente é aquele que conhece a doença. Por conhecer, muitas vezes o médico costuma negá-la. Por isso, as pessoas com quem ele convive devem estar atentas”, finaliza Chequer.

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