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Falta de estrutura e desabastecimento de municípios atrapalham metas de vacinação

Falta de estrutura e desabastecimento de municípios atrapalham metas de vacinação

A falta de salas exclusivas para o procedimento, conforme determinam as normas sanitárias, atinge 34,9% dessas cidades

Publicado em 20 de setembro de 2018 às 09:40

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Vacinação. (Agência Brasil)

Cerca de um terço dos municípios mapeados pelo Ministério da Saúde, em meados deste ano, com as piores coberturas de vacinação contra poliomielite relatam problemas de desabastecimento de imunizantes em geral. A falta de salas exclusivas para o procedimento, conforme determinam as normas sanitárias, atinge 34,9% dessas cidades. E 54,3% admitem dificuldades para preencher os sistemas informatizados do SUS sobre doses aplicadas, o que levaria a dados oficiais subnotificados.

As informações são de pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), obtida com exclusividade pelo GLOBO, que consultou as 312 cidades advertidas pelo governo federal em julho por não conseguirem vacinar no ano passado nem 50% do público-alvo contra poliomielite. O parâmetro é imunizar no mínimo 95%. Do total, 239 municípios responderam aos questionamentos da entidade, cuja intenção era entender os motivos de coberturas tão baixas.

Entre problemas de infraestrutura, a falta de salas exclusivas de vacinação em 34,9% dos municípios preocupa a CNM. A entidade destaca que o espaço é considerado uma área semicrítica, segundo o Manual de Normas e Procedimentos para a Vacinação do Ministério da Saúde. Isso porque deve ser destinada apenas para a administração e armazenamento dos imunizantes, atendendo a uma série de especificações de segurança, incluindo refrigeração adequada.

Relatos de falta de imunizantes, entre 15 previstos no calendário de crianças e adultos, foram feitos por 30,1% dos municípios - 19,2% reclamaram de estoques reduzidos ao longo deste ano, 5,9% disseram sofrer com falta efetiva de determinadas vacinas, e 5% afirmaram desabastecimento total. Cidade alguma declarou administrar 100% dos imunizantes previstos para a população e avaliados na pesquisa.

Cerca de 32% dos municípios declararam que não administram a pneumocócica (contra pneumonias), 17% não têm tetra viral (para proteger de sarampo, caxumba, rubéola e varicela) e 9,6% não aplicam a BCG (que previne a tuberculose). As três vacinas são as que mais faltam nessas cidades, segundo o levantamento. No caso da poliomielite, 6,3% dos municípios relataram não ter o imunizante nem na foram oral nem na forma injetável.

Para o presidente da CNM, Glademir Aroldi, não existe uma causa principal da baixa cobertura verificada no país, que motivou inclusive a campanha atual de vacinação contra poliomielite e sarampo. Ele aponta, no entanto, que percalços afetam a distribuição periódica do insumo.

"Não há falta de vacinas propriamente. Mas um conjunto de dificuldades para que elas cheguem, num país continental como o Brasil, a todas as salas de vacinação, que também precisam ter uma estrutura adequada",  diz Aroldi.

Mais da metade dos municípios (54,3%) relataram dificuldades para alimentar o Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SI-PNI), que é a base central monitorada pelo Ministério da Saúde. É a queixa mais destacada pelos gestores locais na pesquisa da CNM. Não por acaso, 45,6% responderam que consideram os dados oficiais pouco confiáveis.

"Há problemas de instalabilidade do sistema informatizado do SUS, mas também falta treinamento dos profissionais na ponta para fazerem a devida inclusão dos dados de vacinação. Temos que avançar em todas as frentes", diz Aroldi.

Antes mesmo de a pesquisa ser feita, os dados do sistema foram colocados em xeque pelo Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). O presidente da entidade, Mauro Junqueira, conta que um levantamento próprio com as 312 cidades listadas pelo Ministério no meio deste ano com baixa cobertura para pólio apontou outro diagnóstico.

"Provamos, com os relatórios próprios, que 60% dessas cidades tinham cobertura acima de 80%. Ainda estavam abaixo da meta e isso é muito sério. Foi importante fazer todo esse barulho para melhorarmos a cobertura, mas de fato há subnotificação dos dados."

Junqueira aponta ainda outros problemas que impactam na cobertura vacinal, como o extenso calendário vacinal da criança, o horário restrito de funcionamento dos postos de vacinação e o formato não individualizado do imunizante - que é fornecido em frascos com várias doses por uma questão de custo e logística. Interligados, todos esses fatores afetam os indicadores, explica.

"Hoje temos muitas vacinas, o que é bom, mas imagine o que é uma mãe, que está no mercado de trabalho, ter que ir a uma unidade de saúde nove vezes até os 15 meses da criança", afirma ele, acrescentando: "Aí ela chega numa unidade depois de pegar metrô, ônibus, barco, dependendo da região, no fim do expediente, e o servidor abre um frasco com 20 doses que vão perder a validade em seis ou 12 horas. 

Em nota, o Ministério da Saúde informou que as salas exclusivas de vacinação são de responsabilidade dos gestores locais e cobrou uma correção das cidades que não estejam cumprindo as normas preconizadas pela pasta. "É importante informar que, se os municípios não estão seguindo esta orientação, cabe corrigir esta conduta", diz.

Questionado sobre o desabastecimento identificado na pesquisa, a pasta negou que haja falta de fornecimento e que oferta todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde. A pasta diz que, no caso da tetra viral, há uma produção atual abaixo da demanda. Portanto, estados do Nordeste e Sudeste recebem um esquema alternativo (tríplice viral mais vacina isolada para varicela, em vez do composto único com os quatro imunizantes).

Sobre o sistema informatizado, o ministério admite dificuldades, diz que está organizando um comitê para "reformulação", mas destaca como responsabilidade dos gestores. "Cabe aos gestores manter o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI) devidamente atualizado para que o Ministério da Saúde tenha a real situação das coberturas das vacinas ofertadas no Calendário Nacional de Vacinação".

Eventuais divergências entre dados locais e os do sistema central "em nada interferem na avaliação do risco do retorno de doenças já eliminadas no país", diz a pasta. Nenhum dos 312 municípios com baixa cobertura para poliomielite, embora alguns tenham questionado a informação, apresentaram índice igual ou maior que 95%, aponta o ministério. "Portanto, todos tinham importante contingente de crianças não vacinadas".

Além disso, o ministério informou que "envia quadrimestralmente aos gestores boletins sobre as cobertura vacinais e não houve até a divulgação da imprensa sobre as baixas cobertura o questionamento sobre o sistema".

Segundo a pasta, só será possível verificar a cobertura dos 312 municípios para poliomielite, para saber o quanto avançaram em relação aos números de 2017, quando houver os dados fechados de 2018, incluindo a rotina do ano inteiro de vacinação. As informações divulgadas nos últimos dois meses se referem apenas ao desempenho na campanha, que começou em 5 de agosto e terminou na última sexta-feira, informou o ministério.

Apesar de, na média nacional, o Brasil ter ultrapassado a meta de 95% de vacinados na campanha contra sarampo e poliomielite do governo federal, cinco municípios com baixíssima cobertura estão sendo monitorados pelo Conselho Nacional dos Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Está na lista a cidade de Cambuci, no Rio de Janeiro. Os outros quatro municípios são da região Norte e Nordeste: Anori (AM), Japurá (AM), Santana do Araguaia (PA) e Altamira do Maranhão (MA).

Cambuci, com população de aproximadamente 15 mil pessoas, está com 45,6% e 44,2% de cobertura para poliomielite e sarampo, respectivamente, no Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunização. A cidade fluminense tinha 626 crianças com idade entre um ano e menos de cinco anos para imunizar. Mas não chegou nem à metade do público-alvo, segundo os dados oficiais do Ministério da Saúde. A prefeitura do município foi procurada, mas não retornou o contato.

A campanha, que terminou oficialmente no último dia 14, deu até 28 de setembro para os gestores enviarem os dados. Dessa forma, é possível que os cinco municípios, incluindo Cambuci, estejam digitalizando as informações, aponta Mauro Junqueira, presidente do Conansems. No entanto, ele aponta como preocupante uma cobertura tão baixa depois de toda a mobilização feita.

"Sabemos que no caso dos municípios do Norte, são populações ribeirinhas. Há, de fato, uma certa dificuldade para o envio desses dados", aponta ele, ressaltando não conhecer peculiaridades de Cambuci.

Os indicadores de cobertura, segundo o sistema informatizado do Ministério da Saúde, apontam que Altamira do Maranhão vacinou 42,6% para poliomielite e sarampo. No caso de Santana do Araguaia, foram 47,1% e 46,7%, respectivamente. Anori imunizou 65% do público-alvo. E Japurá, de acordo com os dados mais recentes, elevou bastante seus indicadores, com 92% e 96% para sarampo e poliomielite.

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Junqueira afirma que a imunização precisa ser garantida em todas as partes do país, porque se trata de uma obrigação para preservar o coletivo. Ele destaca como positiva a mobilização em torno do tema, nos últimos meses, especialmente para desmistificar informações equivocadas propagadas por grupos contrários à vacinação.

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