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Juízes querem audiência pública sobre impasse na liberação de menores

Juízes querem audiência pública sobre impasse na liberação de menores

Dilema surge com limitação de superlotação imposta em decisão do STF e a necessidade dos magistrados em internar menores que cometem atos infracionais graves

Publicado em 18 de setembro de 2018 às 23:23

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Complexo Uninorte, em Linhares: superlotação no local foi denunciado pelo Gazeta Online. (A Gazeta)

Juízes das varas da Infância e Juventude do Espírito Santo estão propondo a realização de uma audiência pública, com a participação de outros poderes, para discutir o impasse sobre a internação de adolescentes infratores. O dilema surgiu com a falta de vagas das unidades de internação, que agora possuem um limite de 119% de superlotação estabelecido em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Por outro lado, há a necessidade diária dos magistrados, que precisam cumprir o que determina a legislação, de internar os menores que cometem atos infracionais graves.

De acordo com a coordenadora das Varas da Infância e da Juventude, a juíza Patrícia Pereira Neves, os magistrados possuem autonomia profissional e buscam, em suas decisões, observar a melhor a situação. Mas ressalta que eles não podem fechar olhos para as infrações graves existentes em cada processo. "Numa sociedade ideal teríamos muitas escolas e poucos presídios ou unidades de internação. Mas vivemos uma crise seríssima", pondera.

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Não sabemos como vamos fechar esta equação daqui para frente. Vamos receber as infrações graves, sem ações efetivas de prevenção e sem local para internação

Patrícia Neves, juíza
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O fato ocorre diante da limitação imposta pelo STF, que em decisão inédita estabeleceu um limite de superlotação para as unidades de internação, que não pode ultrapassar os 119%. "E os juízes não vão descumprir uma decisão do STF", ponderou Patrícia.

A convocação para a audiência pública está em uma nota do Tribunal de Justiça do Estado (TJES) assinada pelo desembargador Jorge Henrique Valles dos Santos, supervisor das Varas da Infância e Juventude, e pela juíza Patrícia Pereira Neves. No documento, os magistrados destacam que dois processos tramitam pedindo a construção de uma nova unidade de internação de menores em Colatina, região Noroeste, e a reforma e ampliação das unidades de Cachoeiro, Sul do Estado, decorrentes de ações civis propostas pelo Ministério Público do Estado.

Nos dois processos houve decisões favoráveis em primeira e segunda instâncias, mas houve também recursos por parte do Estado. "Uma nova unidade em Colatina ajudaria a ampliar o número de vagas de internação nas regiões Norte e Noroeste do Espírito Santo. Hoje, 31 municípios dessas duas regiões são atendidos somente pelo complexo Uninorte, cujas unidades provisória e definitiva estavam superlotadas", explica a magistrada.

Diante de situações como essa, a juíza pondera que o problema não pode ser solucionado apenas pelo Poder Judiciário. "É preciso a participação de todos. Vamos convidar especialistas, juristas e quem quiser se manifestar, para ouvir as sugestões. Acreditamos que só vamos sair desta situação com diálogo com a sociedade", pondera.

SAÍDA

Em reportagem do Gazeta Online publicada nesta segunda-feira (17), várias autoridades ressaltam a preocupação com a superlotação das unidades de Linhares e com as novas internações que surgem diariamente. O próprio Estado, em resolução publicada no Diário Oficial, admitiu a gravidade da situação. “As demais unidades de internação do Estado não possuem taxa de ocupação inferior a 119%, impossibilitando a transferência dos adolescentes de Linhares para outras unidades”, diz o texto.

Por outro lado, não há intenção do governo em construir novas unidades de internação, como relatou o secretário de Estado de Direitos Humanos, Leonardo Oggioni. “A ideia não é aumentar o número de vagas, mas trabalhar as desinternações”, disse. Em entrevista concedida em agosto deste ano, quando foi divulgada a decisão do STF, Oggioni ponderou ainda que a internação deve ser a última medida a ser aplicada. “Queremos incentivar os outros meios, em especial o meio aberto”, assinalou.

Mas como destacou o promotor Fabrício Admiral, da Promotoria de Linhares, o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que pelos atos infracionais mais graves os menores sejam internados. “Como escolher tirar os menos graves? E são situações que vão continuar acontecendo. O correto é ampliar o número de vagas de internação”, assinalou.

O defensor público Renzo Gama Soares, que coordena o Núcleo da Infância da Defensoria Pública, avalia que a solução deve passar por uma mudança de comportamento dos magistrados das comarcas do Estado. Ele relata que os juízes que concedem a internação para os menores, em geral, estão distantes da cidade onde a medida é cumprida. “Muitos não acompanham a lotação das unidades. E acaba o juiz que faz a execução da medida de internação ficando em uma situação complicada. Todos vão precisar acompanhar de perto o limite de vagas para evitar a superlotação. Vão ter que considerar esta variável em suas decisões”, pondera.

ALTERNATIVAS

Por nota, o Poder Judiciário informou que vem agindo com presteza e "além de suas funções jurisdicionais na busca de uma sociedade mais digna e justa mesmo diante da crise financeira que assola o país e os poderes".

Destaca que em especial os magistrados da infância e da juventude, de varas especializadas ou com competência na matéria desdobram-se para agir em processos coletivos impetrados pelo Ministério Público "que visam o garantimento de vagas escolares, qualidade de ensino, tratamentos médicos e remédios, isto às centenas de processos, bem como para reforma de unidades de internação e sua ampliação".

A nota ressalta porém que, o "respeito à jurisdição (autonomia do juiz) é um dos mecanismos mais fortes de manutenção do Estado de Direito e, portanto, constitucionalmente atribuído a cada magistrado". A cada um deles cabe tomar as decisões mediante as provas colhidas, as circunstâncias de cometimento de infrações e consequências do ato infracional, em cada cidade.

AÇÕES REALIZADAS PELO JUDICIÁRIO

Ainda na nota emitida pelos magistrados, foram relacionadas as ações que o Judiciário tem realizado para enfrentar o problema, no limite da lei:

 Acordos em processos judiciais objetivando criação de vagas e qualidade de ensino

  Acordos em processos judiciais para garantia de fornecimento de remédios e tratamentos médicos

 Implantação do projeto “Escrevendo Novas Histórias” que qualificou o atendimento de adolescentes em execução de medidas socioeducativas de meio aberto no município de Vitória, já sendo estendido para os demais municípios da Grande Vitória para expansão para todo o Estado

 Implantação do Projeto “Visita Monitorada na Socioeducação” já desenvolvido nas unidades da Grande Vitória e em início de desenvolvimento nas unidades do Norte do Estado e que garante a correta reintegração de interno a seus familiares 

  Projeto “Meu Pai é Legal” que propicia o reconhecimento de paternidade a crianças e adolescentes em escolas e filhos de custodiados (presos)

 Projetos diversos em diversas comarcas de combate à evasão escolar

  Propositura de minuta com consequente assinatura de Protocolo de Cooperação Interinstitucional que implantou no sistema socioeducativo as Justiças Restaurativas e Mediação

 Capacitação da rede de atendimento e Conselhos Tutelares em cursos e seminários diversos de diversas áreas de conhecimento

  Formulação de protocolos (em curso) para atendimento de adolescentes dependentes químicos apresentados em audiências junto ao CIASE

  Criação de protocolos de ação para acolhimento de adolescentes ameaçados de morte

  Realização de diversas reuniões de trabalho com as redes de atendimento, em âmbito municipal, visando a correta execução das medidas de meio aberto e ações preventivas junto aos núcleos familiares

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  Capacitação de centenas de profissionais das redes de atendimento, notadamente escolas, unidades de saúde, CREAS, CRAS, Polícia Militar, profissionais do IASES e adolescentes internos, de forma gratuita, em instrumentos de pacificação social tais como Mediação Comunitária, Mediação Escolar, Justiça Restaurativa, Facilitadores de Círculos de Construção de Paz e Comunicação Não Violenta, em já oito municípios do estado, através do Programa Reconstruir o Viver.

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