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Motorista relata racismo contra resgatado em ponte: 'Pula daí, macaco'

Motorista relata racismo contra resgatado em ponte: "Pula daí, macaco"

"Por ser negro e estar mal arrumado falavam como se tivesse menos valor a vida dele", conta Henrique Romero, de 39 anos, que esteve a cerca de 200 metros de onde acontecia o resgate

Publicado em 12 de setembro de 2018 às 15:36

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Motoristas aguardam a liberação da Terceira Ponte, interditada nesta segunda-feira (10). (Vitor Jubini)

Era para ser mais uma corrida para o motorista de aplicativo Henrique Romero, de 39 anos, na tarde da última segunda-feira (10). Tudo se transformou por volta de 15h30, quando ele passava pela Terceira Ponte e chegou próximo ao trecho interditado para o resgate de uma pessoa. A espera, no entanto, não foi o que causou revolta, mas sim a falta de empatia de quem aguardava para passar.

O triste relato de Henrique foi publicado em uma rede social e já passava de 500 compartilhamentos até o meio-dia desta quarta (12). O motorista - que também é pastor - começou a corrida na Enseada do Suá, em Vitória, e seguia pela Terceira Ponte, no sentido Vila Velha. Segundo ele, em três minutos o trânsito parou, a cerca de 200 metros do resgate que começava.

“Após uns 40 minutos de espera, as pessoas já começam a fazer amizades, as lives, as postagens e as piadas começam a já tomar conta do ambiente”, descreveu no relato.

De acordo com Henrique, a partir desse momento ouviu-se uma buzina alta, que foi o estopim para várias outras reclamações por parte de quem estava esperando o trânsito ser liberado. “Até determinado momento ninguém se manifestou. Para ver como somos. Bastou uma buzina para as reações começarem. Foi a senha e a faísca que faltavam para o caos começar”, contou ao Gazeta OnlineVeja o relato completo abaixo:

O motorista de aplicativo lembra de várias outras expressões que ouviu durante as cinco horas em que esteve presente no local do resgate, entre elas "se quiser eu te empurro", "pula daí, macaco", "ah, se eu tivesse uma arma, eu mandava um tiro daqui mesmo", "dor de corno", “isso é falta de sexo" e "se mata , mas não ferra minha vida.”

“Confesso que sai ainda mais desesperançoso com a humanidade e me incluo nisso. No secreto somos uma coisa e quando encontramos o outro falando conseguimos verbalizar”, lamentou.

Henrique explicou que todas as expressões eram gritadas em direção à área do resgate. Houve momentos em que várias pessoas batiam a mão na lataria de um ônibus gritando “pula, pula, pula”. O ápice da falta de empatia, segundo ele, foi quando moradores de edifícios próximos começaram a soltar fogos de artifício em direção à Terceira Ponte.

“O resgate acontecia do lado esquerdo e foi dessa direção que partiram os fogos. Além disso começaram a jogar uma luz, como se fosse um laser, mas mais forte, em direção à ponte. Me dava impressão de ironia, como se aquilo tudo fosse um show”, lamentou Henrique.

Henrique é pastor e trabalha como motorista de Uber . (Arquivo pessoal )

Os xingamentos e as ações contra o resgate só terminaram após a liberação dos motoristas que estavam em cima da Terceira Ponte, após às 20 horas. O resgate, no entanto, só foi terminar mais de 3 horas depois, após às 23 horas.

“Acredito que o motivo dessas reações seja um somatório de fatores. Eu fiquei cinco horas ali. Até entendo a vontade de ir ao banheiro, a falta de infraestrutura ali, mas é uma carga de problemas e de estresse que quando as pessoas encontram algo para direcionar acabam extravasando”, opinou.

PRECONCEITO CONTRA RESGATADO

O motorista também lembra que houve muito preconceito contra o homem que estava sendo resgatado por causa da aparência física. “Por ser negro e estar mal arrumado falavam como se tivesse menos valor a vida dele. A vida tem menos valor que a faculdade ou que o compromisso. Não tem valor”, declarou.

Henrique ainda finalizou dizendo que vê pouca possibilidade de mudança do pensamento das pessoas.

“Não vejo nenhuma perspectiva de melhora. Acho que a sociedade sempre foi assim, mas hoje, com a mídia, as pessoas têm mais coragem de verbalizar. Sendo religioso, acredito que Deus ajuda, mas mesmo assim metade das pessoas que estavam ali fazendo aquilo eram religiosas”, acrescentou.

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