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Prédios públicos: nove em cada 10 estão sem alvará

Prédios públicos: nove em cada 10 estão sem alvará

97% dos imóveis localizados em Vitória estão sem liberação dos Bombeiros

Publicado em 28 de setembro de 2018 às 23:42

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Prefeitura da Capital: até a sede do Executivo está sem o documento. (Vitor Jubini/Arquivo/GZ)

Em Vitória estão localizados 277 prédios públicos que pertencem à Prefeitura da Capital e ao Estado. Segundo levantamento do Corpo de Bombeiros, 97% destes imóveis funcionam sem o alvará da Corporação, que atesta segurança contra pânico e incêndio. Um desrespeito às legislações estadual e municipal, que exigem o documento de todos e cuja ausência pode, por exemplo, impedir a abertura de um empreendimento ou até fechá-lo.

A gravidade da situação levou o juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual a determinar um prazo de 180 dias para que Estado e Prefeitura de Vitória corrijam a situação. Fixou ainda multa de R$ 100 por imóvel não regularizado dentro do prazo. Em sua decisão, do último dia 29 de agosto, o juiz assinala que legislação estadual estabelece que o alvará dos bombeiros é documento obrigatório para toda edificação, incluindo as públicas. Nele é atestada as condições de segurança contra incêndio e pânico.

Destaca ainda a urgência do caso, “pois o que está em jogo é a vida das pessoas que utilizam os prédios públicos com alvarás vencidos ou que sequer nunca os possuíram”, diz. E acrescentando que a falta do documento “coloca em risco grande contingente de pessoas que permanecem ou eventualmente transitam nos órgãos públicos sediados nos imóveis, fazendo-se imperiosa a sua devida regularização”. De acordo com o juiz, “é obrigação dos proprietários ou responsáveis pelas edificações, sejam públicas ou privadas, adotar todas as providências necessárias à obtenção dos alvarás”.

O juiz aceitou os pedidos da Ação Civil Pública proposta pela 26ª Promotoria de Vitória. Nela é relatado que a maioria dos imóveis listados pelo Corpo de Bombeiros, pela ausência do alvará, não apresentam as exigências mínimas para o seu devido funcionamento. “Desprovidos dos padrões mínimos de segurança, inclusive de prevenção de incêndio e espaço para circulação de pessoas”, diz o texto assinado pelo promotor Marcelo Zenkner.

IMÓVEIS

Na lista feita pelos Bombeiros estão 277 imóveis localizados na cidade de Vitória. Deste total, 105 pertencem ao Estado. Só sete deles estão em situação regular. A Prefeitura possui 172 prédios públicos, dos quais só um está em situação regular, ou seja, com alvará liberado pelos Bombeiros. Os outros são irregulares. Do total de prédios públicos (277), a maior parte (226), não teve os documentos encontrados no sistema. “O que significa que não consta registro destas edificações e, portanto, também estão irregulares”, relata em ofício o comandante dos Bombeiros, Carlos Marcelo D’Isep.

Um exemplo de edificação em situação irregular é o CIAC Ítalo Batan Régis, da Prefeitura de Vitória, que abriga vários órgãos, dentre eles a Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec). Ela é a responsável pela emissão dos alvarás de funcionamento, que exigem o documento dos bombeiros, ou a notificação de quem não o possui. Há ainda hospitais, escolas, creches, abrigos, unidades de saúde, sedes de órgãos públicos como o Samu, o Detran e a Guarda Municipal, além de biblioteca e museu.

Casos nacionais mostram a importância deste tipo de alvará, como o Museu Nacional no Rio de Janeiro, que não o possuía e padeceu em chamas. Sem contar a creche em Janaúba, interior de Minas Gerais, que não tinha extintor, sistema anti-fogo e nem alvará do Corpo de Bombeiros. Um incêndio no local matou nove pessoas, sendo sete crianças.

ATÉ BOMBEIROS

O levantamento que aponta os imóveis em situação irregular pela falta do alvará do Corpo de Bombeiros foi realizado na cidade de Vitória, a pedido da 26ª Promotoria da Capital. Mas isto não quer dizer que não existam prédios públicos, em outras cidades que também não estejam quites com as exigências de segurança contra pânico e incêndio.

O site do Corpo de Bombeiros, por exemplo, aponta que algumas unidades da própria Corporação também estão em situação irregular, como a Unidade de Venda Nova do Imigrante, na Região Serrana, e a de Nova Venécia, no Norte.

Um caso semelhante foi citado no processo em relação à unidade da Serra, quando a Promotoria cobrou a existência do alvará de funcionamento do local. A resposta da área técnica dos bombeiros foi de que o quartel da Serra, assim como os demais, possuem equipamentos, viaturas e equipe treinada para fazer frente a qualquer incêndio.

Para o promotor Marcelo Zenkner isto não é suficiente, uma vez que a ter equipe e material não atesta a segurança das edificações. “Além do mais, deve-se considerar que as viaturas e a equipe estão a serviço da sociedade e sinistros podem advir enquanto estejam empenhados em outras ocorrências, deixando os quartéis vulneráveis”, pontuou.

DENÚNCIA ANTIGA

Há oito anos, matéria de A GAZETA já relatava que dois dos principais prédios da Prefeitura de Vitória funcionavam sem o alvará do Corpo de Bombeiros. Um deles é o Palácio Jerônimo Monteiro, que abriga a sede da administração municipal, em Bento Ferreira. Na época foi informado ainda que em decorrência dos problemas, o prédio também não tinha o chamado Habite-se, emitido pela própria prefeitura.

Outro que também foi citado com problemas era o CIAC Ítalo Batan Régis, que desde 2005 era utilizado pela Prefeitura de Vitória. Ele abriga, dentre outros órgãos, a Secretaria de Desenvolvimento da Cidade (Sedec), e funciona sem o alvará do Corpo de Bombeiros. Na ocasião foi relatado que o problema residia em pendências identificadas pelo Corpo de Bombeiros, o que impedia a emissão da certidão de vistoria. E sem ela não há emissão do alvará de funcionamento. O

Nem a Prefeitura de Vitória ou o governo do Estado questionaram a lista dos imóveis em situação irregular constante em processo na Justiça estadual.

tempo passou e a situação dos dois prédios permanece a mesma. Ambos continuam na lista dos bombeiros em situação irregular.

OUTRO LADO

Por nota a Prefeitura de Vitória informou que “tomou ciência” da liminar concedida pela Justiça estadual em relação aos prédios públicos que a ela pertencem e que estão em situação irregular, por meio da Procuradoria Geral do Município (PGM).

Acrescentou, ainda por nota, que “já fez a sua parte e requereu vistoria junto ao Corpo de Bombeiros Militar, e alguns imóveis públicos estão aguardando a visita de inspeção técnica”.

Já a Procuradoria Geral do Estado (PGE), que faz a defesa do Estado na Justiça, informou por nota “que já foi intimada sobre a decisão liminar, referente à regularização de alvarás dos imóveis do Governo Estadual junto ao Corpo de Bombeiros”. Acrescentou que “está analisando a extensão e o conteúdo da decisão judicial junto aos demais órgãos da Administração Pública Estadual para adoção das providências cabíveis, dentro dos prazos legais”.

MAU EXEMPLO

Na avaliação do engenheiro civil José Márcio Martins, consultor técnico do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Espírito Santo (Crea-ES), o poder público tem que ser o primeiro a dar o exemplo. “Ele tem que dar o exemplo no cumprimento da lei para ter autoridade para cobrar do privado”, pondera.

Ele acrescenta ainda que este tipo de atitude é inaceitável em um estado de direito. “O rigor tem que ser até maior com as coisas públicas. Nenhum órgão público tem privilégio em relação à legislação urbanística e a dos Bombeiros no sentido de não cumprí-las. É inaceitável uma escola, por exemplo, não ter alvará dos Bombeiros ”, diz.

De acordo com o engenheiro, se a situação for com a iniciativa privada, o empreendimento pode até ser fechado, uma vez que a liberação do funcionamento depende da vistoria e o aceite da corporação. Ele acrescenta que o alvará dos Bombeiros é uma exigência necessária que visa a prevenção de incêndio, pânico, delimitação das áreas de risco, das rotas de fuga e até da necessidade de para-raios. “É um trabalho preventivo. A missão não é salvar o patrimônio, mas vidas”, assinala.

O problema, observa José Márcio, é que uma boa parcela da cidade foi construída na informalidade, sem projetos e sem a assistência de profissionais habilitados. “Estimamos que pelo menos 50% das edificações das cidades possuem problemas por não atender a legislação urbanística da cidade e nem a dos bombeiros”, diz.

Em relação aos prédios públicos, soma-se a isso o fato de que durante muitos anos não se cobrou dos órgãos governamentais o cumprimento da legislação. “Existe um passivo grande que precisa ser acertado. Cobram da iniciativa privada mas há prédios públicos antigos e até novos, sendo licitados, que não contam, por exemplo, com acessibilidade”, pontua o engenheiro.

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Uma solução para o problema, pondera o conselheiro, seria a criação de uma programa de regularização na Grande Vitória, liderado pelos municípios. “Para dar dinamismo e facilitar a expedição e renovação dos alvarás”, diz.

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