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52 cidades do Espírito Santo não têm defensor público

52 cidades do Espírito Santo não têm defensor público

Em 5 anos, número de profissionais atuando caiu de 226 para 157

Publicado em 24 de outubro de 2018 às 01:57

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Sede da defensoria em Vitória: entidade está presente em apenas um terço dos municípios capixabas. (Divulgação/Defensoria)

Com quadro de pessoal sendo reduzido ano a ano desde o final de 2013, a Defensoria Pública está presente hoje em apenas um terço dos 78 municípios capixabas. Isso significa que a população de 52 cidades do Estado não tem acesso ao serviço, voltado ao público de baixa renda.

52 cidades do ES não tem Defensor Público

 Levantamento da Associação dos Defensores Públicos do Espírito Santo (Adepes) aponta que, em setembro de 2013, eram 226 profissionais atuando nos municípios capixabas e, atualmente, esse número caiu para 157.

“Há lugares que as pessoas não têm qualquer tipo de acesso à Justiça porque não têm defensor. São 26 municípios com defensoria, 52 sem. É o dobro. Assim, demandas na área de saúde, vagas em creche, pensão alimentícia deixam de ser atendidas”, diz Pedro Coelho, diretor-presidente da entidade.

E acrescenta: “a situação é mais difícil no interior. A gente foi centralizando na Grande Vitória, onde tem a população maior, para atender ao máximo de pessoas com número reduzido. Mas no interior também existem muitas vulnerabilidades e as pessoas precisam de assistência.”

Para ele, uma das razões para a redução de pessoal é a carreira pouco atrativa no Estado, uma vez que o salário inicial do defensor hoje é de R$ 10,3 mil. Esse valor, segundo o presidente da Adepes, é o pior do país e apenas a metade da média nacional (R$ 20,3 mil).

Diante da remuneração, muitos defensores optaram por fazer concurso em outros Estados, ou mesmo mudar a área de atuação, passando para o Ministério Público, cujo vencimento inicial no Estado é de R$ 27,5 mil.

Enquanto o número de defensores vai diminuindo, a população mais carente espera. A autônoma Áurea Matheus de Souza, 43, teve o terreno de onde mora, em Vitória, invadido, e precisava de assistência com urgência, mas só conseguiu agendar horário com a defensoria para janeiro. “É uma situação difícil, pois aleguei urgência, mas não tive resposta rápida.”

"SOBRECARGA PREJUDICAVA SERVIÇO"

Para alguns defensores públicos, os problemas vão muito além da remuneração. O número reduzido de profissionais acaba sobrecarregando aqueles que permanecem na função, afetando inclusive sua saúde e qualidade de vida. Foi o que aconteceu com Lucas Marcel Pereira Matias que, percebendo que o quadro não iria se alterar, decidiu ele próprio mudar: agora, trabalha em Rondônia.

“No Espírito Santo, tenho minha família, minha casa, meus amigos. Tudo que para mim é fundamental, mas a sobrecarga de trabalho era tamanha que prejudicava a qualidade do serviço. A gente entende a dor do assistido, quer dar a assistência que ele merece, não consegue fazer e se frustra.”

Em Rolim de Moura, cidade onde atua agora, há cerca de 60 mil habitantes. Por lá, Lucas tem o apoio de três assistentes jurídicos, dois administrativos, mais estagiários. Aqui, enquanto atuava em uma Vara Criminal da Serra, para a qual estimava-se 125 mil habitantes, ele tinha apenas um estagiário e por meio período.

Lucas havia passado em um concurso em Rondônia na mesma época em que passou no Espírito Santo, em 2013. Chegou a recusar a primeira convocação, porém, percebendo que as condições de trabalho iriam permanecer complicadas no Espírito Santo, mudou-se para o Norte do país em março de 2017.

ENTIDADE ESTÁ INVESTINDO NA MODERNIZAÇÃO DOS NÚCLEOS

O subdefensor público-geral, Giuliano Monjardim Valls Piccin, reconhece que há menos profissionais do que o previsto no quadro da Defensoria, mas ressalta que a entidade está investindo na modernização dos núcleos para assegurar, ainda assim, atendimento mais eficaz à população.

Trata-se da implantação de sistema informatizado, o que está permitindo ampliar a assistência. Segundo ele, há cerca de três anos, a média de um núcleo da defensoria era de 600 atendimentos por mês. Hoje, chega a 6 mil.

“Estamos fazendo toda a estruturação para aumentar o número de atendimentos. Já fizemos a modernização em núcleos da Grande Vitória, Cachoeiro e Colatina. O próximo, no interior, vai ser Linhares”, pontua.

Questionado sobre a necessidade de também ampliar o quadro de pessoal, Giuliano Piccin explica que a Defensoria tem uma limitação orçamentária e as nomeações do último concurso, cuja vigência termina em dezembro mas poderá ser renovada, vão sendo realizadas à medida da capacidade do órgão. Na última sexta-feira, dois novos defensores foram nomeados.

Sobre o orçamento do órgão, a Secretaria de Estado de Planejamento disse, por nota, que “é definido a partir de critérios previstos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), de forma compatível com a capacidade econômica e financeira do Estado.”

“Em 2018, os mesmos critérios foram aplicados de forma isonômica para todos os Poderes do Estado – Defensoria Pública, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Tribunal de Contas e Poder Executivo.”

"SOFRE A PARTE DA SOCIEDADE MAIS VULNERÁVEL"

A Defensoria Pública é uma garantia de acesso à Justiça para as pessoas mais carentes. E se, por qualquer motivo, o órgão não funciona em sua plena capacidade, é justamente essa parcela da população que é penalizada por não ter assegurado os seus direitos. “Sofre a parte da sociedade mais vulnerável”, aponta André Filipe dos Santos, doutor em Sociologia e Antropologia e professor da FDV, ao comentar o déficit de profissionais na defensoria do Estado.

“O papel da defensoria, de maneira grosseira, é ser advogado do pobre. O rico, se precisa, contrata um advogado. O pobre não teria condições de fazer o mesmo sem colocar em risco a própria subsistência. Então, esse é um cenário típico de sociedade desigual como a nossa. Em muitos países, a figura do defensor público nem existe. No Brasil, a base da pirâmide social é tão larga que é necessária uma instituição para representar o pobre em juízo”, observa.

André Filipe ressalta que a primeira barreira para uma pessoa ter acesso à Justiça é a econômica. “Vai ter mais chance quem tem mais dinheiro”, avalia. Assim, segundo o professor, se a defensoria não é capaz de corresponder às necessidades da sociedade, o abismo da desigualdade fica maior.

“Sofre parte da sociedade que é a mais vulnerável, a que mais necessitaria do serviço, porém a que menos importa nos espaços de decisão política”, destaca.

PENSÃO

Alessandra Souza Silva aguarda há cerca de um ano por auxílio da defensoria. ( Carlos Alberto Silva)

A dona de casa Alessandra Souza Silva, 33 anos, representa bem essa parcela da população desassistida. Sem um emprego formal porque precisa se dedicar às três filhas, uma delas com necessidades especiais, está há cerca de um ano entre idas e vindas à defensoria para conseguir uma audiência a fim de regularizar o pagamento da pensão alimentícia das meninas.

Havia um acordo para o pagamento, que não foi cumprido, e, desde então, Alessandra tentava, sem sucesso, contato com defensores para resolver a situação.

Segundo a dona de casa, nas quatro vezes em que foi ao núcleo da defensoria na Enseada do Suá, em Vitória, foi atendida por estagiários que informavam a ela que defensores iriam procurá-la em até 30 dias, o que nunca tinha acontecido até a última sexta-feira.

“Depois de um ano, sexta foi o primeiro dia que entraram em contato comigo para marcar com o defensor. Quando eu ia à defensoria ver como estava o processo, descobria que ele havia sido arquivado, e eles alegavam que não tinham conseguido entrar em contato”, conta.

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“Agora que fizeram contato comigo, foi feito agendamento para o próximo dia 29. Espero que desta vez seja diferente”, conclui.

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