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'Aqui a gente tem a mania de terceirizar a educação', diz Marcelo Tas

"Aqui a gente tem a mania de terceirizar a educação", diz Marcelo Tas

Jornalista e apresentador de TV esteve na Rede Gazeta para palestra sobre educação na era digital

Publicado em 3 de outubro de 2018 às 15:43

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Filho de professores, pai de três filhos, engenheiro, jornalista, coordenador de criação do programa Telecurso e famoso por trabalhos na TV como os infantis Rá-Tim-Bum e Castelo Rá-Tim-Bum, e o humorístico CQC, Marcelo Tas esteve em Vitória nesta quarta-feira (03). Ele participou do Encontro de Pais e Mestres, promovido pela Rede Gazeta, no auditório da empresa, acompanhado da coordenadora da Área de Tecnologias do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), Adriana Vieira.

Antes da palestra com o tema "Que língua fala a molecada digital", Tas, sempre ativo nas redes sociais, conversou com a reportagem do Gazeta Online. Confira a entrevista:

A criança é sempre muito curiosa. Desde os tempos de Rá-Tim-Bum, da famosa frase "porque sim não é resposta", até que ponto a internet ajuda ou atrapalha a saciar a curiosidade das crianças?

É bom a gente olhar para a internet como uma ferramenta, ela pode atrapalhar dependendo de como a gente usa. É igual a gente dar uma tesoura para uma criança, ela pode ajudar ela aprender as coisas, mas pode também ser uma arma, pode ser uma coisa que atrapalha, que machuca. Aí está o ponto que nós todos estamos buscando, como usar tudo isso para fazer o que importa. A novidade é que é muito encantador, muita novidade toda hora e a criança que já nasceu nesse ambiente, para ela não tem o antes. Isso que é difícil da gente entender: ela já está nesse universo, para ela é um universo muito familiar. Você vê bebês que já tem o dedinho no touch da tela. Os pais e professores tem que se preocupar em ser uma referência, porque eles pedem muito isso, buscam uma referência.

A internet traz muito a questão do imediatismo. Como ajudar as crianças nisso?

Tem um conceito muito legal que é construir coisas, fazer projetos com a mão, buscar resultados, isso é uma tendência muito forte na educação. Não adianta você ficar ali perdido no meio de um monte de imagem, mas ter o sentido de que você está construindo alguma coisa. Tem muita gente trabalhando isso, inclusive dentro das empresas, equipes que trabalham em cima de projeto e fazendo coisas em que você tem que usar a mão na massa. Pode até ser a mão na massa com telas, mas para você dar um sentido para aquilo que você está fazendo.

Como a gente usa internet para atrair essa curiosidade para o bem, para estimular ainda mais a criatividade sem prejudicar?

Uma coisa importante, mas que adulto pratica pouco, é ouvir. Existe uma tendência natural dos pais de querer dizer como tem que ser, antes de ouvir, antes de ver, de participar do que o filho está fazendo. Eu sugiro e pratico muito, tanto com a minha rede - meus seguidores e ouvinte - quanto na vida pessoal. Participar do que eles estão fazendo, entrar no jogo. Não você querer chegar e dizer que você que conhece o jogo, que sabe como funciona, inclusive porque você não sabe. É uma oportunidade de aprender.

Todo mundo hoje tem um celular do lado. De que maneira o ensino pode potencializar essa ferramenta? Ter ou não celular na sala de aula?

É boa discussão essa. Primeira coisa é não ignorar essa revolução que está aí dentro (do celular). O menino que chega na sala e você acha que ele vai ficar 40 minutos olhando para nuca do companheirinho, e o mundo está aqui dentro, a gente está pensando errado. Não acho que é liberou geral, mas não temos que pensar como trazer essa ferramenta, esses atrativos, aqui dentro tem muita coisa. Temos que inventar coisas que são legais e que incluam esse mundo incrível que ele está acostumado a ter aqui dentro.

Nessa questão da mudança, você acredita que a internet modifica a nossa relação de adultos com as crianças? A gente precisa aprender um pouco com isso, se reinventar e reinventar essa relação também?

Muda bastante, porque a criança não está sozinha. Ela está sempre com muita gente dentro daquele quarto. Por isso falo sempre que é uma oportunidade para os pais se reaproximarem das suas crianças. Não se metendo na privacidade deles, mas participando da vida, das conversas, dos jogos. Os jogos são uma fonte enorme de atenção, e tem muito pai que critica os jogos e nunca jogou. Não sabe o que o filho está jogando. Tem que jogar junto, tem até que fazer uma curadoria desses jogos porque podem ter jogos mais legais. O que não pode é não participar dessa transformação, que é muito grande.

Hoje se fala muito em educação em tempo integral. É essa a solução?

Depende. A Finlândia, que é o país que está em 1º lugar em educação no mundo, pensa o contrário. As crianças têm que fiar um tempo restrito na escola, porque ela tem que conviver em sociedade. Só que lá eles cuidam bastante da sociedade, da convivência em sociedade. A Finlândia, acabei de participar de um congresso de educação lá, é um lugar onde as crianças ficam pouco tempo na sala de aula, não tem lição de casa, justamente para proporcionar que elas se encontrem, resolvam problemas juntas e que os pais também participem da educação. E aqui a gente tem a mania de terceirizar a educação. Os pais mandam para escola, e a escola que eduque meu filho. O pai, muitas vezes, cobra a escola como se ela fosse responsável pela educação básica, no relacionamento social. A escola é um lugar de nós termos acesso a conteúdos e a conviver. Mas sem os pais e sem a valorização do professor, é difícil pensar em uma boa educação.

Quando se fala em valorização do professor, é dinheiro? Ou não é só isso?

Não é só dinheiro. É valorização como prestígio. O professor precisa ser tratado na sociedade como a profissão mais importante do país, porque é dele que surgem os médicos, os artistas, os engenheiros. Se a gente não tiver essa consciência, fica muito complicado.

A gente vive em um mundo bombardeado por informações de todos os lados, e nem sempre informação verdadeira. Como ensinar a criança a separar o errado do certo, a informação verificada, da informação que ele recebeu, mas que não foi checada?

É com exemplo, é fazendo. Adulto adora falar o que as crianças tem que fazer, mas faz pouco. Tem uma pesquisa recente da Microsoft que os maiores espalhadores de fake news são as pessoas mais velhas de grupos de whatsapp da família. Os adultos precisam primeiro praticar o que eles acham que é certo, porque criança não segue o que o pai fala, segue o que pai faz. Não adianta o pai falar que as crianças tem que ler, se o pai não lê nada. A criança é muito atenta a isso, ela observa o que o adulto faz.

Nesse tempo todo, desde os programas de TV para criança, até ao mundo altamente tecnológico de hoje, o que você mais aprendeu com as crianças?

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A sinceridade. As crianças são uma prova de sinceridade duríssima para mim, desde sempre (risos). É um público que não esconde o que está pensando. Quando ele não gosta ele diz na cara, e para gente isso é um aprendizado muito precioso. A gente vive num mundo de muitas ilusões e a criança obriga a gente ser quem a gente é. Isso eu agradeço muito a elas.

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