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Caso Dondoni: 10 anos depois, mãe mantém quarto do filho intacto

Caso Dondoni: 10 anos depois, mãe mantém quarto do filho intacto

Vera Scalfoni, de 45, é ex-esposa do cabeleireiro Ronaldo, com quem teve o filho Rafael; Ronaldo perdeu a esposa e os dois filhos no acidente na BR 101

Publicado em 5 de novembro de 2018 às 19:17

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Ronaldo com a ex-esposa Vera, mãe do filho mais velho dele que morreu no acidente. (Marcelo Prest | GZ)

"A última lembrança que tenho é dele tocando violão. O quarto dele continua lá, os portarretratos no mesmo lugar. Sonho com ele todos os dias, isso é o que mais me consola". É assim que Vera Scalfoni, de 45, lembra do filho Rafael, morto em 2008, quando viajava com o pai, Ronaldo Andrade, para Guaçuí, e o carro da família foi atingido pela caminhonete de Wagner José Dondoni.

Vera foi a primeira esposa de Ronaldo, com quem manteve um relacionamento por 11 anos. Além do filho Rafael, o cabeleireiro perde o filho Ronald Costa Andrade, de 4 anos, e a esposa Maria Sueli Costa Miranda. Dez anos depois, Dondoni, acusado de estar embriagado quando provocou o acidente, é julgado nesta segunda-feira (05) no Fórum de Viana.  

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Além de eu ter pressão alta arterial, eu tenho pressão alta emocional, que adquiri com o acidente, faço tratamento até hoje. Era meu único filho. Tenho problema para acordar até hoje. Não posso ser acordada por ninguém, porque eu estava dormindo quando recebi a notícia (choro). Até hoje durmo tarde, não tenho horário para dormir, porque querendo ou não a gente está sempre esperando a pessoa voltar

Vera Scalfoni, mãe de Rafael
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A mãe, lembra com carinho das últimas imagens do filho: Rafael havia começado a aprender a tocar violão e chegou a cogitar não viajar com o pai. 

"Ele estava aprendendo a tocar violão havia uns 20 dias, tinha ganhado um violão do meu pai. Ele não gostava de sair, tinha vergonha. Eu tinha ido para um casamento, quando cheguei ele estava dormindo e dei um beijo nele. Foi a última vez que o vi com vida. Quando ele acordou, umas 4 horas, continuou tocando violão e até então ele não queria ir (na viagem para Guaçuí com o pai). Na última hora, o pai dele buzinou, umas 5 horas da manhã, ele resolveu ir. Minha mãe arrumou a mochila dele, falou para levar o violão, ele não quis, e foi com o pai dele. Não cheguei a vê-lo sair porque eu já estava dormindo. Me contaram primeiro do acidente e, no hospital, a cunhada do meu ex-marido me deu a notícia que eu não queria ouvir. O chão desabou, fiquei sem chão", recorda.

Vera não quis ter outros filhos depois que Rafael morreu. Presente no julgamento desta segunda-feira (05), ela lamentou que o acusado Wagner Dondoni não tenha comparecido: "Queria muito que ele tivesse vindo, ouvido tudo, dado o depoimento dele, ouvir o que ele ia dizer. Em momento nenhum, nem ele e nem ninguém da família dele procurou a gente, nem por compaixão. Espero que ele seja condenado".

"MEU DEUS, SEGURA, PORQUE VAI BATER"

Ronaldo Andrade perdeu a esposa e os dois filhos . (Gabriel Lordêllo/Arquivo A Gazeta)

Ronaldo foi o primeiro a depor na manhã desta segunda-feira (05), e afirmou que Dondoni apareceu do nada na frente dele e que, poucos minutos antes da batida, se recorda de dizer para o filho: "Meu Deus, segura, porque vai bater". Depois disso, não se lembra de mais nada.

Quando questionado sobre qual era a revolta que ele sentia em relação à tragédia, disse: "Quer revolta maior do que perder meus filhos?"

O cabeleireiro prestou depoimento por mais de 50 minutos, bastante emocionado. Em alguns momentos, ele não conseguiu falar. Além de toda tragédia, Ronaldo contou que os pais dele morreram logo após o acidente de tristeza pela morte dos netos.

DEMORA

A longa espera pelo desfecho da história decorre dos vários recursos apresentados pelo réu até em cortes de Brasília. O processo só voltou a caminhar no 7 de junho deste ano, quando o Tribunal de Justiça do estado informou à 1ª Vara Criminal de Viana, uma vez que os últimos apelos apresentados ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) haviam transitado em julgado - quando não há mais recursos a serem feito.

Começou então uma nova saga, uma vez que todos os juízes do Fórum de Viana se deram por impedidos ou suspeitos para julgarem o caso. Foi preciso que o Tribunal indicasse um magistrado, Romilton Alves Vieira Júnior. Logo depois houve dificuldades para encontrar o advogado do réu, que contratou novas pessoas para realizarem a sua defesa. Por último até uma testemunha de defesa se recusou a depor e, pode determinação do juiz, vai ser conduzida ao julgamento de forma coercitiva, ou seja, por um oficial de Justiça. E se for necessário, ele poderá pedir apoio da Polícia Militar.

ACIDENTE

O comerciante Wagner José Dondoni de Oliveira, segundo policiais rodoviários, visivelmente embriagado, dirigia a caminhonete S10, quando bateu de frente no Fiat Uno. (Gustavo Louzada/Arquivo A Gazeta )

No dia 20 de abril, a família de Ronaldo Andrade seguia para Guaçuí, no Sul do Estado, para uma visita aos familiares. No carro estavam a esposa, Maria Sueli Costa Miranda, de 29 anos, e os filhos Rafael Scalfoni Andrade, 14, e Ronald Costa Andrade, 4 anos. Na altura do km 304, próximo ao posto Flecha, em Viana, o carro em que viajavam, um Fiat Uno, guiado por Ronaldo, foi atingido pela S10 de Dondoni. Rafael morreu no local. Ronald, horas após ser socorrido. E a mãe, três dias depois. Ronaldo ficou muito machucado.

Dez horas após o acidente Dondoni foi submetido ao teste etílico, que apontou 6,7 decigramas de álcool por litro de sangue. O limite, na época, era de 2 decigramas de álcool por litro de sangue. O comerciante, que chegou a ser preso após o acidente, foi solto mediante o pagamento de fiança de R$ 2, mil obtido por intermédio de uma vaquinha realizada pelos amigos.

Dez quilômetros antes Dondoni já havia provocado outro acidente, ao jogar a S10 contra o carro de uma família de turista na altura de Seringal, que teve que desviar e acabou capotando. Ele fugiu do local sem prestar socorro. Um pouco antes ele entrou descontrolado em um posto de gasolina, em Guarapari, e quase colidiu com uma ambulância. Chegou a ser alertado pelos socorristas a não seguir viagem. No dia do acidente a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já tinha sido acionada sobre um motorista que estava ziquezagueando pela pista, mas não chegou a tempo de impedir a tragédia.

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A pronúncia do comerciante - a decisão judicial que o levou à Júri Popular - ocorreu um ano após o acidente, em 2009, mas os recursos acabaram postergando o julgamento. Só este ano, após o Superior Tribunal de Justiça (STJ) informar que os recursos apresentados pelo réu não foram aceitos é que o processo foi retomado. Enfrentou ainda dificuldades para que um juiz assumisse o caso, já que todos os que atuam em Viana se deram como impedidos ou suspeitos. Foi necessário que o Tribunal de Justiça do Estado indicasse um magistrado, Romilton Alves Vieira Júnior, que marcou para o próximo dia 5 a audiência.

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