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Com medo do novo governo, casais gays antecipam casamentos no ES

Com medo do novo governo, casais gays antecipam casamentos no ES

Presidente eleito foi contrário a direito conquistado em 2013

Publicado em 8 de novembro de 2018 às 00:58

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André e Taffarel mudaram a data do casamento de abril de 2019 para o mês que vem. (Fernando Madeira)

Estava quase tudo pronto para o casamento de André Luiz de Melo Camargo, 35 anos, e Taffarel Andrade, 28 anos, em abril de 2019. Entretanto, apreensivos com uma possível perda do direito à união homoafetiva durante o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, os planos mudaram. O casal resolveu antecipar o cerimônia do registro civil para dezembro deste ano.

André Luiz é bancário e Taffarel vendedor. Eles começaram a contratar os fornecedores após uma viagem para a realização das fotos de pré-casamento, em março deste ano. Porém, com o resultado das eleições, as coisas mudaram.

“Ficamos atentos a algumas falas do presidente eleito e nos preocupamos. O Magno Malta lançou uma consulta pública (atual senador, cotado para ser um dos ministros de Bolsonaro) sobre se a sociedade aprovava a suspensão do casamento civil de pessoas do mesmo sexo. Com essas informações resolvemos antecipar”, relatou André Luiz. Na consulta de Malta, por enquanto, 406.040 votaram contra a revogação do direito, enquanto 26.508 são favor.

Os dois irão casar no cartório no dia 22 de dezembro e reunirão os padrinhos no salão de festas do condomínio em que moram, em Vila Velha. André explica que a festa para os convidados, entretanto, continua para abril. “Essa mudança é para garantir que a gente tenha realmente o que comemorar na festa de casamento, porque temos que ter a certeza absoluta que vamos concretizar o registro civil”, disse André.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) interpretou os dispositivos do Código Civil em conformidade com a Constituição Federal pela permissão da união homoafetiva. Em 2013, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) proibiu que cartórios se recusassem a realizar o casamento civil entre casais do mesmo sexo que se tornou legal em todo o país.

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Mesmo a e conseguindo nosso registro civil vamos continuar lutando até o fim para a garantia desse direito para todos

André Luiz de Melo Camargo, Bancário
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O presidente eleito não apresentou propostas concretas durante sua campanha para a perda desse direito, porém, já deu declarações consideradas ofensivas ao público LGBT em 2013. no da aprovação da resolução pelo CNJ. “Está bem claro na Constituição: a união familiar é (entre) um homem e uma mulher. Essas decisões só vem solapar os valores familiares. Vai jogar tudo por terra”, disse Bolsonaro na época.

A apreensão pela perda desses direitos se tornou ainda mais presente após a presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da Ordem do Advogados do Brasil (OAB), Maria Berenice Dias, recomendar, em entrevista à “Folha de São Paulo”, que casais LGBTs se casassem logo. Entretanto, há divergência sobre esse posicionamento.

Segundo o advogado especializado em questões de família José Eduardo Coelho Dias, o entendimento do STF é válido para união estável e casamento civil, e a união homoafetiva é um direito com garantia constitucional.

“A partir do princípio constitucional de vedação do retrocesso social e da proteção ao ato jurídico, não acredito em perdas de direitos daquele casais que já vivem em união estável nem a proibição da realização de novos casamentos civis. Até porque essa posição é interpretada pelo Supremo Tribunal Federal”, explicou.

José Eduardo salienta ainda que se alguma lei proibir a união de casais do mesmo sexo for aprovada ela deverá ser declarada inconstitucional. “A menos que o entendimento do STF se modifique, qualquer lei que proíba as uniões entre pessoas do mesmo sexo deverá ser declarada inconstitucional, pois estará abaixo da Constituição, interpretada em última instância pelo STF.”

TIRA-DÚVIDAS

A OAB recomendou que os casais LGBT se casassem logo por receio de que o direito ao casamento gay possa ser revertido no governo de Jair Bolsonaro?

Não. Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB, fez essa recomendação em uma entrevista. Contudo, essa é a opinião dela, não da instituição. Também não é consenso entre especialistas da área, já que não é simples reverter um direito garantido pela jurisprudência do STF.

O direito ao casamento homoafetivo pode ser revertido?

A jurisprudência que garante o direito de casais homossexuais se casarem só poderia ser revertida caso o Congresso aprovasse uma lei proibindo. Segundo especialistas consultados, isso não poderia ser feito por decreto presidencial, mas o presidente pode encaminhar o projeto de lei ao Legislativo. Ainda assim, tal lei seria facilmente questionada na Justiça porque há jurisprudência do STF e há garantia constitucional de vedação do retrocesso social.

Uma vez que o Congresso aprovasse uma lei nesse sentido, ela poderia ser derrubada no STF?

Sim, uma vez que contraria o próprio entendimento do STF. Segundo Adriana Galvão, presidente da Comissão da Diversidade Sexual da OAB-SP, considerando a composição atual do STF, com a jurisprudência e acordos e tratados internacionais de direitos humanos, uma lei que proibisse o casamento gay no Brasil seria facilmente derrubada.

Jair Bolsonaro ameaçou acabar com o casamento homoafetivo?

Diretamente, não, nem fez disso uma proposta concreta durante sua campanha. Contudo, o presidente eleito já deu declarações consideradas ofensivas ao público LGBT e disse, em 2013, que “está bem claro na Constituição: a união familiar é (entre) um homem e uma mulher. Essas decisões só vêm solapar a unidade familiar, os valores familiares. Vai jogar tudo isso por terra”. Naquele ano, o CNJ aprovou a resolução que permite aos cartórios registrarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Bolsonaro também afirmou, em entrevista à TV, que é contra o recebimento de pensão por cônjuge homossexual em caso de morte.

O fotógrafo Matheus Kinidel e a celebrante Liandra Zanette ofereceram seus trabalhos gratuitos para casais LGBT que pretentem subir ao altar até o final deste ano. (Marcelo Prest)

SOLIDARIEDADE PARA REALIZAR NOVAS UNIÕES

Diante da manifestação de diversos casais LGBT de antecipar seus casamentos por medo do direito ser revogado com a aprovação de uma nova lei no Congresso Nacional, durante o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro, uma campanha foi criada nas redes sociais para a organização de cerimônias e festas. Maquiadores, fotógrafos e cerimonialistas se disponibilizam para realizar os serviços sem custos.

A celebrante Liandra Zanette foi uma das pessoas que fez a publicação em sua rede social. Ela explica que o movimento mostra a força dentro da comunidade LGBT. Liandra reforça que o direito de casar é garantido a qualquer pessoa e que por isso quem não aceita retrocessos e preconceitos deve se manifestar.

Ainda segundo a celebrante, o futuro está se moldando de forma triste, pois é injusto que casais do mesmos sexo revejam seus planejamentos. “Quando você faz o planejamento de casamento é de um, dois anos, e eles (os casais gays) estão vendo a não concretização de um sonho. Por isso temos que ajudar”, disse Liandra, que ressalta que a rede de solidariedade é feita por pessoas dispostas a continuar lutando por esses direitos.

O maquiador e cabeleireiro Vickie Junior afirma que é importante apoiar os casais que decidiram adiantar o casamento. “Poder dar qualquer tipo de colaboração que faça as pessoas se sentirem melhores e evoluir a sociedade como um todo é gratificante. É uma forma de mostrar que apoiamos a casamento igualitário e estamos contra o retrocesso”, afirmou.

O fotógrafo Matheus Knidel também ofereceu seu trabalho como voluntário, mas, por enquanto, ninguém o procurou. Ele afirma que está disposto a se mobilizar pelo amor das pessoas.

“Se as pessoas do mesmo sexo estão se sentindo amedrontadas por que não ajudá-las a conseguirem realizar esse sonho?”, propõe.

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