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Médico resiste e não deixa casa que seria estacionamento do Cais das Artes

Médico resiste e não deixa casa que seria estacionamento do Cais das Artes

Ele conseguiu que um novo decreto cancelasse desapropriação

Publicado em 14 de novembro de 2018 às 02:37

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Casa do médico fica numa esquina entre área desapropriada e o Cais das Artes. (Vitor Jubini)

Um médico aposentado que vive há 40 anos na Enseada do Suá, em Vitória, foi o único que conseguiu impedir a desapropriação do seu imóvel pelo governo do Estado. A propriedade dele por pouco não foi unida a outras para a construção do estacionamento do Cais das Artes.

Lá, ele ainda vive com a esposa, o filho e a nora. Sua residência fica em uma esquina e, no futuro, se for construído o estacionamento como prevê o projeto do complexo cultural, este imóvel ficará entre o pátio para os carros e o Cais das Artes.

O decreto que desapropriou a área é datado de dezembro de 2010. Mas ele relata que no ano seguinte conseguiu reverter a situação e um novo decreto foi publicado, cancelando o ato anterior.

O médico, hoje aposentado, conta que um parlamentar amigo dele garantiu que só deixariam o local os moradores que assim o desejassem. “Nós acreditamos”, frisa. Mas, assim como os vizinhos, ele foi surpreendido com o decreto de desapropriação. “Foi um susto. Soube que alguns dos que receberam a indenização já haviam comprado os terrenos como forma de investir, mas não era o nosso caso. Então, não queríamos sair de casa”, relata.

Sem aceitar, ele acionou contatos que possuía e lutou para que não tivesse que deixar o lar em que vive há 40 anos. “Nós nem imaginávamos que seria para o estacionamento do Cais das Artes, porque ninguém tinha dito nada. Só mais tarde ficamos sabendo e isso acabou gerando mais protestos”, detalha.

A reportagem conseguiu ainda contato com uma das ex-proprietárias de um outro imóvel, que está, agora, com a estrutura comprometida. Segundo ela, a família, na ocasião, não relutou quanto ao decreto de desapropriação e o valor foi dividido entre alguns familiares.

Ela lembra que quando foi construída, a casa onde moravam os pais com os filhos e, posteriormente, apenas os pais, recebeu uma estrutura especial na base, além de uma preparação no solo. “Naquela região, a própria batida das ondas do mar no solo acaba gerando rachaduras em alguns locais. Se a casa fica fechada ou ninguém dá manutenção, realmente ela pode ficar com a estrutura comprometida”, destaca, reiterando: “Naquele terreno a manutenção precisa ser feita com frequência”.

O imóvel que a ela pertenceu hoje abriga a Delegacia Especializada de Antissequestro, que foi interditada no dia 1º deste mês pela Defesa Civil Estadual por estar com problemas estruturais. O imóvel apresenta diversas rachaduras por todo o subsolo e há ainda afundamento do piso e de algumas lajes. O assunto foi tema de uma matéria divulgada em A GAZETA na terça-feira (13).

A ex-proprietária do imóvel relata ainda que os demais moradores da região se recusaram, a princípio, a sair porque tinham um apego emocional muito grande à região. Ela pondera que se lembra de que os vizinhos reclamavam que não queriam ter que se mudar para um apartamento e que já tinham programado uma vida naquele bairro.

O advogado de um terceiro imóvel, cujo morador já está falecido, não quis dar detalhes do processo e não quis ceder telefone de nenhum familiar. Ele informou que a família deixou o imóvel porque o governo do Estado tomou posse do empreendimento após decisão da Justiça estadual.

Ele confirma que o valor proposto foi depositado em juízo, situação que continua a mesma porque o processo, segundo ele, está parado.

A NOVELA DO CAIS DAS ARTES

Obra

Projeto

O complexo cultural engloba uma praça ampla com livraria e cafeteria, um teatro (com 1.300 lugares) e um museu (2,3 mil m2 de área expositiva), equipados para receber eventos artísticos de grande porte.

Novela

2010

Oficialmente, as obras começaram em 2010. O investimento total seria de R$ 115 milhões.

2012

Era o ano de entrega da obra, mas a construtora que executava os serviços, Santa Bárbara, faliu e, o contrato, foi rescindido.

2013

Neste ano, as obras foram retomadas após uma nova licitação que contratou o Consórcio Andrade Valladares - Topus.

2015

As obras foram realizadas até maio de 2015, quando sofreram nova paralisação. Ainda em 2015, o governo anunciou que teria que contratar uma nova empresa, a terceira, para finalizar a construção. A entrega seria em 2018.

2016

Em agosto, foi feita uma nova licitação, para contratar uma consultoria que faria uma avaliação da obra e um balanço do que ainda precisaria ser feito. Neste ponto, o Estado já previa gastar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões a mais no orçamento. Desde 2010, o que foi construído nem chegou a ser utilizado e já precisou de reparos devido à ação do tempo e abandono.

Nova Fase

2018

Em abril, o Instituto de Obras Públicas do Estado do Espírito Santo (Iopes) licitou nova empresa para gerenciar a obra. A Planesp Engenharia ganhou a chamada no valor de R$ 3,8 milhões para executar o serviço.

Julho de 2018

O governador Paulo Hartung anunciou que as obras seriam retomadas em dezembro de 2018 e deveriam ser entregues até 2020. E que os gastos aumentariam em mais R$ 100 milhões com a recuperação de equipamentos, pontos da estrutura e conclusão das obras. O valor total seria de R$ 229 milhões.

Outubro de 2018

O próprio governo suspendeu a licitação para contratar a empresa que retomaria a construção. A justificativa foi de que precisavam ser feitas “adequações no edital”.

Esqueleto de concreto do Cais das Artes está inacabado na Enseada do Suá. ( Vitor Jubini - 15/10/2018)

MORADORES: "TEM QUE DEMOLIR"

Para Marvel Graças Bezerra Furtado, uma das novas diretoras eleitas para a Associação dos Moradores, Empresários e Investidores da Enseada do suá (Amei-ES) só há uma solução para o Cais das Artes: demolir. “Fica mais barato para todos demolir aquele prédio do que reconstruir. São quase R$ 250 milhões para a obra, uma fortuna que poderia ser destinada a construção de um hospital. Sem contar as despesas futuras com a manutenção”, pondera a diretora.

O assunto, segundo Marvel, já foi discutido na última reunião da associação e ela relata que contou com o apoio de muitos dos que estavam presentes. “Lá relatei que já conversei com

um engenheiro e tive a oportunidade, durante o encontro, de provar que o gasto para terminar a obra não compensa. Depois de tudo pronto, o Estado ainda terá que gastar muito dinheiro com a manutenção do prédio”, reafirmou Marvel.

A diretora relata que a obra do complexo cultural foi feita no local sem que a comunidade fosse ouvida. “A comunidade não foi ouvida, não foi feita uma audiência pública. Foi contratado o projeto e apresentado à população pelos jornais, não houve discussão com a comunidade”, conta.

VISTA

Há ainda os problemas trazidos pela construção, aponta ela. “Um ponto maravilhoso de avistamento da Baía de Vitória, de onde se pode observar, por exemplo, a passagem dos navios. Há ainda a vista do Convento da Penha e a Cruz do Papa, monumentos da cidade. Tudo isto desapareceu atrás daquele prédio”, assinala.

Marvel relata que após o assunto ser discutido na Associação, ficou decidido que a diretoria irá agendar uma reunião com a equipe do novo governo para discutir o assunto. “Vamos conversar com eles, mostrar que é mais viável implodir e valorizar o que temos de belo do que ter mais custo para terminar a obra e depois com a manutenção”, relata, assinalando que gostaria de ouvir da nova equipe que vai comandar o Estado quais são os planos para o bairro e para o prédio do Cais das Artes.

Após a conversa, relata ela, a Associação irá decidir se irá encampar uma bandeira junto ao bairro e também junto a outros bairros no sentido de defender a demolição do prédio.

ESTACIONAMENTO

Quanto aos imóveis desapropriados para construir o estacionamento do centro cultural, Marvel relata que houve muita polêmica na época, e que muitos deixaram o local insatisfeitos com a situação. “Os moradores que tinham casas foram obrigadas a sair e aceitar a indenização. Só um deles conseguiu lutar e se manter na região”, conta.

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