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Mulheres figuram no alto escalão do tráfico de drogas no Espírito Santo

Mulheres figuram no alto escalão do tráfico de drogas no Espírito Santo

Esposas de bandidos são olheiras e escondem armas e drogas

Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 01:42

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Complexo da Penha, em Vitória: organizações criminosas do tráfico levam terror aos moradores. (Nestor Muller)

 O funcionamento das organizações criminosas que levam terror aos moradores do Complexo da Penha conta com a atuação efetiva das esposas e namoradas dos traficantes. Algumas delas são ligadas diretamente a ocupantes do alto escalão do Primeiro Comando de Vitória (PCV) e chegam a mediar o contato deles com outros traficantes, além de exercer funções importantes dentro do crime. Todas as citadas são rés em processo tramitando na Justiça estadual e tiveram suas prisões decretadas em novembro.

É o caso de Grazieli Santos Loyola, conhecida como Grazi, de 21 anos. Ela é casada com Fernando Moraes Pereira Pimenta, Marujo, que é o responsável pela gestão dos “negócios” do PCV, e que recebe ordens diretas de Carlos Alberto Furtado da Silva, o Beto, principal liderança da organização criminosa, detido no Presídio de Segurança Máxima II.

Marujo foi um dos alvos da megaoperação realizada na última terça-feira contra integrantes de seis facções criminosas relacionadas ao tráfico de drogas e assassinatos em várias regiões do país. Ele continua foragido.

Segundo investigações, Grazi faz a mediação entre o marido e outros membros do tráfico de drogas tanto do Complexo da Penha quanto de outras regiões. A jovem também é apontada com responsável por guardar drogas e armas dentro das residências de moradores que foram expulsos pela facção das partes mais altas do morro. Ela também aluga imóveis em outras regiões da cidade com a mesma finalidade e chega a armazenar o material dentro da residência do casal.

Outro papel importante exercido por Grazieli, e que também é cumprido por outras mulheres, é a de monitoramento da atividade policial da região. Essa é a principal função de Íris da Silva Oliveira, 22 anos.

Segundo as investigações, ela vigia a ação da polícia, como uma “olheira”, repassando essas informações aos traficantes. Íris é esposa de Geovani Andrade Bento, vulgo Vaninho, um dos chefes da gangue do Trem Bala, o braço armado do PCV. Vaninho faz parte da família Bento, que tem fama de pertencer ao crime há várias gerações.

Jennifer Correia Serafim, 23 anos, também é ré no processo junto com o marido, Laion da Silva de Oliveira. Laion é apontado no processo como braço direito de Vaninho. A esposa é apontada como colaboradora do marido nas tarefas determinadas pelo comando do tráfico de drogas da comunidade.

A jovem Ana Carolina Costa do nascimento, 25 anos, também agia como informante: sua função era alertar o namorado Thiago de Jesus Fernandes, o Thiago Folha, assim como outros traficantes quando as forças de seguranças estariam na região. A partir da informação, os criminosos conseguiam fugir. Thiago foi preso e cumpre regime semiaberto.

"PODER DO FUZIL" EXERCE COMANDO

A influência das organizações criminosas como o Primeiro Comando de Vitória (PCV) e do Trem Bala é exercida pelo “poder do fuzil”, segundo processo que tramita da Justiça estadual. Dentro dos morros, os moradores se deparam frequentemente com pessoas portando armamentos pesados trafegando livremente pelos becos e lajes. Essas mesmas armas são utilizadas em confrontos com a polícia e também entre os próprios traficantes, levando pânico à população.

As investigações apontam que o fornecimento de material bélico para essas facções, que contam até com explosivos, é intermediado pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).

O material é utilizado para impor controle das comunidades e exterminar potenciais rivais com o objetivo de expandir seus domínios e permanecerem no controle das ações criminosas. Para isso, as armas são mantidas em imóveis espalhados por toda a região do Complexo da Penha e movimentadas com frequência para evitar as batidas policias e até o ataques de grupos rivais.

ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS TÊM CARGOS ESPECÍFICOS

Para manter a estabilidade e o domínio do tráfico de drogas nas comunidades, os integrantes do Primeiro Comando de Vitória (PCV) e o Trem Bala atuam como membros de uma empresa, onde cada um tem uma função ou cargo específico com o objetivo de manter as atividades ilícitas do grupo em pleno funcionamento.

Segundo o processo que apura a atuação desses grupos, Carlos Alberto Furtado, conhecido como Beto, é o cabeça da organização.

Do lado de fora, sob as ordens de Beto, atuam no comando do tráfico os gestores Fernando Moraes Pimenta, o Marujo, e Geovani de Andrade Bento, o Vaninho.

A partir deles, na cadeia organizacional criminosas, vêm os gerentes e, em um nível hierárquico mais baixo, os responsáveis pela segurança dos pontos de preparação e venda de drogas, conhecidas como bocas de fumo.

Por fim, atuam ainda os encarregados pela comercialização das drogas, conhecidos como “vapores”.

OLHEIROS

Ainda mais abaixo na hierarquia do crime estão os olheiros, que se posicionam nas principais vias de acesso ao Complexo da Penha, e avisam sobre a presença da polícia ou de qualquer pessoa que possa oferecer risco na atividade do tráfico de drogas. As investigações mostram que, entre os olheiros, há aqueles que são responsáveis exclusivamente por fornecer baterias carregadas para os radiocomunicadores utilizados pelos traficantes.

Dentro da teia de influência das organizações criminosas estão ainda os fornecedores de armas e drogas, que vêm de outros Estados do país.

Secretaria de Segurança do Estado: pasta age com o Ministério Público Estadual e a Secretaria de Justiça. (divulgação/sindipol)

ESTADO: FACÇÕES SÃO ALVO DE AÇÕES CONJUNTAS

O diretor de Inteligência da Polícia Militar, Douglas Caus, confirma que as organizações criminosas denominadas de Primeiro Comando de Vitória (PCV) e Primeiro Comando da Capital (PCC) têm atuado no território capixaba, mas destaca que elas estão sendo acompanhadas e monitoradas pelos órgãos de investigação.

Segundo Caus, a PM, a Polícia Civil, junto com a inteligência da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) e o Ministério Público Estadual realizam com frequência levantamentos e investigações sobre estas organizações. “São a partir destas informações que vão sendo traçadas as estratégias de combate a atuação destas facções e desencadeadas operações. Muitas delas resultaram na prisões de lideranças”, informou.

O trabalho conta ainda com a troca de informações com o setor de inteligência prisional, da Secretaria de Justiça do Estado (Sejus), sobre os presos detidos e as informações que eles repassam para as comunidades.

De acordo com o diretor, o Estado tem feito investimentos expressivos na área de tecnologia e de qualificação profissional para melhorar o monitoramento e atuação das polícias no combate às facções e organizações criminosas.

Na avaliação de Caus, este é o caminho para combater a atuação de facções e de seus reflexos nas comunidades. “O que a boa técnica nos diz é que investir em qualificação dos agentes de inteligência, promover a integração das forças de investigação tanto estadual quanto a nacional, investir em novas tecnologias e convergir fortemente na parceria com a Polícia Civil e o Ministério Público é o caminho para se enfrentar de maneira eficiente as organizações criminosas”, pondera o coronel.

Ele informou que no último ano a Sesp tem destinado recursos para investimento em tecnologia e que a Diretoria de Inteligência da PM (Dint), em conjunto com vários batalhões e a Polícia Civil tem realizado várias operações com o Ministério Público. “Na última terça-feira participamos da megaoperação voltada a localizar e prender as lideranças de facções criminosas em todo o país”, relatou.

Por nota, a Secretaria de Justiça (Sejus) informou que “investe em equipamentos e capacitação de servidores para evitar a entrada de materiais ilícitos das unidades prisionais do Estado”. Acrescenta que é monitorada “a movimentação dos detentos no interior das unidades prisionais com o objetivo de evitar qualquer tipo de articulação entre os detentos.”

A Sejus, por fim, ressalta que “mantém o controle do sistema prisional e que a Diretoria de Inteligência da Sejus atua em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública (Sesp)” no monitoramento das informações.

NOVO GOVERNO SE PREOCUPA COM CONTROLE DO SISTEMA PRISIONAL

A preocupação do novo governo do Estado, que assume a partir de janeiro de 2019, é o controle do sistema prisional. De acordo com Álvaro Duboc, coordenador da equipe de transição, houve um aumento significativo da população carcerária, que já excede em 60% o número de vagas.

É dentro de cenários como este, pondera Duboc, que nascem e se fortalecem as organizações criminosas. “É o que aponta a literatura nacional e estrangeira que estuda as organizações criminosas. Estas facções lá se organizam e começam a impor domínio territorial, atividades criminosas para promover o tráfico. Ter o controle e organização do sistema prisional é fundamental”, destaca.

Segundo ele, é meta do novo governo, a partir de janeiro, promover uma reorganização do sistema prisional. “Reorganizar, classificar presos por periculosidade, dar uma destinação diferenciada, dentro do que permite a legislação penal, para os presos provisórios. É preciso acabar com os cenários favoráveis as facções”, acrescentou.

De acordo com Duboc, as informações recebidas até o momento, pela equipe de transição, são de que o Estado não perdeu o controle do sistema prisional. “De uma maneira geral tem-se a constatação de que temos facções originárias daqui e vinculadas a outras, de outros Estados, como o PCC. O que temos ouvido é que estas facções não possuem estrutura organizacional e força armada suficiente para fazer domínio territorial e dos presídios. São informações que recebemos e que os secretários das áreas ainda vão checar”, destacou.

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Outro ponto, segundo o coordenador de transição entre as duas administrações estaduais, diz respeito às armas. Ele pontua que várias armas que estão na posse dos integrantes das facções criminosas são de uso restrito e não comercializadas a cidadãos comuns. “Estão vindo de algum lugar. É preciso que os setores de inteligência das polícias Civil e Militar identifiquem de onde estas armas estão vindo. Temos que atuar para evitar que o Espírito Santo chegue a situação que é relatada sobre o Rio de Janeiro”, pondera.

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