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Número de cotistas na Ufes mais que dobra

Número de cotistas na Ufes mais que dobra

Em 11 anos, reserva de vagas mudou até o perfil da instituição

Publicado em 29 de dezembro de 2018 às 02:00

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Gleidson Cirilo, 23 anos, é cotistas e cursa Artes Plásticas. (Carlos Alberto Silva)

A proporção de estudantes cotistas matriculados na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) mais do que dobrou desde 2008, quando a primeira política de cotas foi implementada. No primeiro ano, 19,43% das matrículas foram feitas por meio de reserva de vagas. Em 2018, o número chegou a 48,7%.

Os estudantes oriundos de políticas afirmativas ativos dentro da universidade já somam mais de 10 mil. Com uma representatividade cada vez maior, especialistas concordam que as cotas mudaram a cara, o perfil socioeconômico e até a produção acadêmica feita dentro da Ufes.

Segundo o diretor de Cidadania e Direitos Humanos da Ufes, Gustavo Forde, a mudança foi significativa e positiva para a instituição. “Hoje observamos que existem núcleos pesquisando temas que dialogam de maneira muito estreita com os temas de interesse desses grupos sociais. Houve crescimento muito significativo dos estudos afrobrasileiros, de sexualidade, relações de gênero, pessoas com deficiência, entre outros”, explica.

A inclusão dos cotistas também provocou conflitos sociais dentro da universidade. Forde argumenta que a universidade não é isolada da sociedade e que as mudanças são acolhidas com “tensionamento”. No entanto, ele afirma que também há na universidade um movimento interno para a construção de novas relações. “A nossa grande aposta é favorecer a construção de relações positivas. As diferenças humanas não devem ser justificativa para produção de desigualdade”, disse.

O professor Antônio Carlos Moraes, ex-secretário de Inclusão Social da instituição, concorda e diz que estranhamentos e conflitos sociais e raciais ainda acontecem porque a universidade está inserida em uma sociedade racista e elitista.

SALTO

O salto da presença dos cotistas na Ufes aconteceu em 2013, quando a Lei Federal nº 12.711/2012 obrigou as universidades federais brasileiras a garantir a reserva de 50% das matrículas por curso e turno para estudantes cotistas. A outra metade continuou a ser ofertada em livre concorrência.

Gleidson Cirilo, 23 anos, entrou como cotista no curso de Artes Plásticas em 2014. Ele conta que, na época, sequer tinha acesso à internet e teve que estudar com livros e anotações de outras pessoas.

Na escola pública onde fez o ensino médio, em Vitória, Gleidson conta que os professores não estavam preparados para orientar os alunos sobre o que era a universidade e nem sobre como ingressar no ensino superior. “Quando entrei, tomei um susto. Não sabia nem que existia diferença entre bacharelado e licenciatura. Só comecei a entender de fato a lógica da universidade no segundo ano de curso. Foi aí que comecei a procurar bolsas e estágio”, conta.

Para o professor Antônio Carlos, essa falta de informação dos adolescentes ainda é uma questão que precisa ser resolvida para que os estudantes consigam ter acesso ao ensino superior pelo sistema de cotas. “O grande desafio até os dias de hoje continua sendo a falta de incentivo e orientação das escolas básicas. A maioria das instituições ainda não faz o trabalho de orientação para a continuidade dos estudos que as escolas particulares fazem.”

ANÁLISE

A política de cotas incentivou pessoas que nem vislumbravam fazer vestibular, participar do processo seletivo. Com os alunos cotistas, a Ufes se democratizou e abriu um leque de oportunidades para aqueles que estavam excluídos. A universidade passou a lidar com situações que não lidava antes, precisou pensar em políticas de permanência para oportunizar que esses alunos continuassem os estudos. Alguns cursos se organizaram, passando a ser ofertados em um só turno. Tudo isso para atender esse novo jovem da classe trabalhadora que ingressou no ensino superior. No entanto, enquanto temos mais jovens cotistas, tivemos uma estagnação no número de bolsas e elas não são mais suficientes para atender a demanda. Precisamos de investimento financeiro maior, o Ministério da Educação precisa ser sensível a isso. A única forma de segurar os alunos é motivá-los a ficar e essa motivação também tem que ser financeira.

Cleonara Schwartz - Especialista em Educação

UNIVERSIDADE TEM DESAFIO DE MANTER ESTUDANTES

Mesmo que seja garantida por lei a entrada dos estudantes cotistas, a Universidade federal do Espírito Santo (Ufes) ainda batalha para tentar manter esses alunos estudando de forma digna.

Na avaliação de João Vitor dos Santos, coordenador do Coletivo Negrada, o acesso tem que estar casado com uma política de permanência qualificada. “A gente sempre vê com bons olhos quando uma política pública é implementada e efetivada. Mas a universidade não está sabendo lidar e acolher esse estudante pobre, negro e de escola pública que depende de outra estrutura”, diz.

A Ufes não divulga números oficiais, mas os especialistas afirmam que muitos abandonam os cursos ou demoram mais tempo que os demais para se formarem porque precisam, além de estudar, trabalhar para sustentar a si e as suas famílias.

O Coletivo Negrada afirma que percebe, a partir de denúncias, que a evasão dos cotistas está relacionada com o fato de muitos deles terem que trabalhar. “Alguns deles migram para cursos noturnos para garantir o emprego, mas muitos têm aula no período integral e esses estudantes não conseguem trabalhar”, diz.

Segundo a Pró-reitoria de Graduação (Prograd), atualmente, 5.700 estudantes são contemplados pelo programa de assistência estudantil, que busca dar auxílio alimentação, moradia, transporte e material de consumo aos alunos que precisam.

PRECONCEITO

Outro tema que preocupa é o preconceito. Segundo Lula Rocha, coordenador do Círculo Palmarino, houve um aumento nos casos de racismo com a presença maior de negros dentro da universidade. “É um conflito que já existia mas não com tanta evidência. A nossa presença aumentou e o conflito também”, afirma.

Lula afirma ainda que espera que a universidade consiga lidar com a questão do racismo que, segundo ele, podem diminuir se políticas forem aplicadas de forma abrangente. “A gente espera que a Ufes trate os casos de racismo individualmente, responsabilizando pessoas, mas que a todo momento discuta estratégias para desconstruir o racismo”, diz.

Para ele, é necessário ainda incorporar mais conteúdo racial na comunidade acadêmica. “É preciso que se dê a verdadeira valorização das contribuições que os negros deixaram nos diversos campos da ciência”, avalia.

SAIBA MAIS

Início em 2008

Foi aplicada primeira política de reserva de vagas com base em renda familiar e tempo de estudo em escola pública (mínimo de sete anos).

Mudança em 2012

Lei federal exigiu que metade das vagas em cada curso e turno fosse reservada para estudantes que fizeram ao menos os três ultimos anos de estudo em escola pública.

Modalidades

Renda

Dentre essas vagas reservadas, metade deve ser ocupada por estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por pessoa. A outra metade, por estudantes de qualquer renda.

Raça

Dentro das duas divisões de cotistas, 53% das vagas são para estudantes que se autodeclaram pretos, pardos e indígenas.

Deficientes

Há ainda reserva de vagas para estudantes deficientes.

AVALIAÇÃO PRESENCIAL PARA CANDIDATOS

Desde que foram implantadas as cotas raciais, diversos casos de fraudes foram investigados pela Ufes. Só em 2017, 12 alunos tiveram a matrícula suspensa após passar por avaliação da Comissão de Verificação Étnico-Racial.

Para tentar minimizar os casos, a universidade decidiu que os candidatos cotistas que se autodeclarem negros, pardos e indígenas no processo de 2019 terão que passar por uma avaliação presencial e individual pela comissão. O grupo vai analisar se as características físicas correspondem ao que foi declarado. Eles vão passar por uma entrevista.

Antes, a entrevista só acontecia em caso de dúvida. Ele preenchia um questionário e anexava uma foto 10x15 colorida ao documento. Diante da imagem é que a comissão avaliava se a pessoa se encaixava no perfil para a vaga.

As avaliações devem ser feitas em fevereiro, antes das matrículas.

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