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'É possível pensar a educação no sentido mais amplo', diz professor

"É possível pensar a educação no sentido mais amplo", diz professor

Coordenador de projeto pioneiro de educação para o campo, Erineu Foerste viabilizou a publicação, só em 2018, de 13 pesquisas com experiências de ensino em comunidades do interior

Publicado em 6 de janeiro de 2019 às 00:19

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Erineu Foerste. (Marcelo Prest)

Entre os amigos acadêmicos ele é conhecido como o pomerano de Vila Pavão que tirou a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) do conforto da pesquisa acadêmica no campus de Goiabeiras, em Vitória, e a levou para o interior. O professor doutor associado Erineu Foerste é o coordenador de um projeto pioneiro de educação para o campo - Escola da Terra -, destinado a professores que atuam em comunidades e regiões do interior do Estado. Um trabalho, realizado há quase 20 anos em parceria com a professora Gerda Margit Schütz Foerste, que resultou em diversas pesquisas feitas pelos alunos de mestrado e doutorado em conjunto com os professores do campo. Um total de 19 delas se transformaram em livros, dos quais 13 foram publicados só em 2018. Eles relatam as experiências dos educadores do campo de diversas comunidades, como a pomerana, ribeirinha, indígena, quilombola, extrativista, além das escolas multisseriadas. “São livros que dão visibilidade a realidades locais, permitem aos professores trocarem informações, e ainda estimulam a criação de um projeto de educação intercultural”, explica o professor.

Como teve início o projeto?

Na Universidade de Goiânia, onde trabalhei, e depois em Vitória, na Ufes, percebemos que as universidades estavam muito centradas na Capital. O professor do interior era pressionado a fazer um curso superior e não podia sair de sua comunidade para ir para a Capital. Vale destacar que há cerca de 20 anos, nós tínhamos 12 mil professores leigos - sem formação superior - no Estado. Na época a universidade fez um curso à distância e conseguimos que mais de 7 mil fizessem a graduação. Mas muitos professores do campo não conseguiam estudar na Ufes. E com um salário precário, acabavam optando pelas faculdades particulares. Começamos então um diálogo com as prefeituras, e com a Secretaria Estadual de Educação, para promover a educação continuada dos professores que fizeram a graduação nas particulares, com um curso de 40 horas. Foi quando, em 2008, saiu um edital do Ministério da Educação (MEC) para apoiar projetos semelhantes ao que já desenvolvíamos aqui. E conseguimos construir algo bem alternativo, articulando a formação continuada com a pesquisa. A pesquisa é você olhar uma experiência, registrá-la e a partir daí defender o mestrado ou doutorado. Ao mesmo tempo o professor acaba tendo o desafio de também escrever.

Foi um projeto pioneiro?

Sim e é bem interessante porque fomos buscar elementos na pedagogia da alternância, uma experiência capixaba que começou em 1968, com as escolas de famílias agrícolas, que alternavam um tempo na comunidade e um tempo na escola. Optamos por trabalharmos com alternância neste curso. Quando o projeto passou a contar com o apoio do MEC, passou para 180 horas. A Ufes dá ao professor um certificado e o município, por convênios, considera o certificado na carreira. É um incentivo por ter feito o curso.

E as publicações?

Uma das primeiras publicações foi desenvolvida no município de Domingos Martins, com o livro “Educação do campo - saberes e práticas”, onde os professores escreveram as suas experiências e a Ufes publicou. E foi um livro importante para chegarmos no MEC e mostrarmos que no Estado trabalhamos a formação e a pesquisa e que o professor do município também escreve. A partir daí, com o apoio do Ministério, nos voltamos para publicações das nossas pesquisas, trabalhos que já vêm sendo desenvolvidos desde 2002. Ao publicarmos as nossas produções, o professor do interior tem a oportunidade de ler as pesquisas feitas no Estado e pode se inspirar a fazer inovações na sua comunidade, além do fato de que essas publicações dão visibilidade a realidades locais.

Pode citar um exemplo?

A professora Patrícia Rufino fez pesquisa sobre educação nas comunidades quilombolas. Quando o professor do campo, como o professor da comunidade indígena, por exemplo, lê esta pesquisa, pode se inspirar a falar sobre o assunto na sua comunidade. E isso os inspira a pensar em um projeto de educação intercultural. Temos publicações sobre a educação indígena, pomerana, ribeirinha, extrativista e outras, como a escola multisseriado do campo, uma escolinha quase invisível. Aliás, ela nos surpreendeu com a quantidade de experiências que produz e que não são conhecidas. Então a Ufes cumpre um papel social importante quando não só pesquisa, mas também devolve as pesquisas para os municípios, para os professores, para eles perceberem que é possível pensar a educação no sentido mais amplo, mais complexo e desafiador, colocando todas as culturas - quilombola, indígena, pomerana, ribeirinha, extrativista, dentre outras -, em diálogo.

Uma troca de experiências.

Além das publicações, lá atrás a Ufes ofereceu curso de pedagogia à distancia e criou uma estrutura de educação online forte e organizada, disponível para a sociedade capixaba. Nosso projeto começou a se preocupar em como os professores destas área distintas pudessem dialogar. Criamos então uma plataforma - um ambiente virtual de aprendizagem - que dá condições de diálogo entre os professores em todos os lugares do Estado. Ela é o local onde a gente deposita e nossa produção e todo mundo acessa. Temos ainda seminários locais, regionais e estaduais, onde periodicamente, os professores se reúnem. A Ufes neste sentido criou as condições de colocar estes professores em diálogos interculturais, o que impactou de tal forma a experiência dos professores que eles passaram a querer mais.

Como?

Querem agora fazer mestrado e doutorado. E a Ufes foi desafiada por eles a construir este projeto, o que implica no estabelecimento de uma rede entre o Estado, municípios e a Ufes, na busca de recursos junto ao MEC para financiar novos projetos. E a produção acadêmica deles, presentes nos livros, vai auxiliar, porque é de alto nível.

Mas a universidade já não possui um mestrado em educação?

Hoje, anualmente, oferecemos 20 a 25 vagas no mestrado da Ufes, o tradicional, para o Estado inteiro. Mas este mestrado não tem vagas para tantos, porque são mais de 1.500 professores que participaram do projeto de formação continuada, e que amadureceram, acumularam experiência acadêmica e agora a pressão é grande por novas vagas. Os alunos que saíram da formação continuada querem avançar. E dependemos de um consórcio entre várias universidades, além do Estado e municípios para contemplar estes professores. Meu sonho é formar dois mestres a médio prazo, por município, são 156 vagas.

É uma interiorização da universidade?

Esta é a interiorização que a Ufes precisa fazer e nunca fez nos seus quase 70 anos. Hoje se o professor do interior quiser estudar na Ufes tem que brigar pelas vagas. E entendemos que o Escola da Terra foi um projeto piloto para o professor do campo e agora ele quer mais. Foi a partir deste projeto, por exemplo, que foi criado um curso de Licenciatura em Educação do Campo. Agora a próxima frente é o mestrado.

Quantos livros lançados?

Um total de 19 livros, sendo que 13 foram publicados pela Editora da Ufes em 2018. São vendidos na Livraria da universidade. Nós temos um grupo de pesquisa do CNPQ que se chama Culturas, Parceira e Educação no Campo, vinculado ao programa de pós-graduação em Educação da Ufes. São os mestrandos e doutorandos que fazem as pesquisas com os professores e são elas que estão sendo publicadas. E, neste ano, embora na pratica exista há dez anos, nós vamos criar um Núcleo de Estudos e Pesquisa em Educação e Culturas da Terra.

O que significa esta mudança, na prática, para os alunos?

É um fortalecimento dentro da universidade, porque se institucionaliza a oferta de cursos de educação do campo que abarca esta complexidade de sujeitos e comunidades que lá vivem: ribeirinhos, pomeranos, quilombolas, estrativistas, dentre outros. E se a interiorização da Ufes foi tímida até agora, com projetos como este, ela se dá de forma bem efetiva por abarcar as três grandes dimensões da função da universidade: ensino, pesquisa, e a extensão. Isso significa que as vozes destes sujeitos de todo o Estado está dentro da Ufes e ninguém cala esta vozes. Porque elas têm contribuições importantes para o Espírito Santo e o Brasil.

E a crise financeira enfrentada pela Ufes, pode afetar o projeto?

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Ainda não sabemos se o MEC vai continuar acolhendo estas demandas. Se nos últimos dez a quinze anos o projeto foi vialibilizado pelo MEC, hoje temos dúvidas de sua continuidade ou não. Mas a Ufes compreendeu a importância deste projeto e o atendimento das demandas destes sujeitos que foram protagonistas. Não sabemos se a universidade terá condições, na atual conjuntura, de ter contrapartida para continuar trabalhos como estes. Agora cabe a nós, intelectuais da cultura, que estamos vinculados à universidade, aos municípios e a Secretaria de Estado da Educação continuarmos nossa articulação e luta para que projetos como estes não sejam paralisadas, com todos os riscos de não se ter mais a contrapartida do governo federal para publicações, para fazer pesquisa, promover formação continuada destes sujeitos que ao longo dos ultimos 70 anos tiveram pouco acesso à universidade. E a educação pública de qualidade se constrói também com a participação da universidade junto aos municípios e a rede estadual. A colaboração entre todos implica num esforço para atender a todos os sujeitos que têm direito de acesso à educação acadêmica.

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