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Posse de armas vira propaganda em Vila Velha; procura dispara no ES

Posse de armas vira propaganda em Vila Velha; procura dispara no ES

Outdoor no acesso à Terceira Ponte anuncia aulas de tiro

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 19:56

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Outdoor instalado no acesso à Terceira Ponte, em Vila Velha. (Fernando Madeira)

Pouco tempo depois da assinatura do decreto do presidente Jair Bolsonaro (PSL) que flexibiliza a posse de armas, o outdoor de um clube de tiros, instalado no acesso à Terceira Ponte, criou polêmica em Vila Velha.

Na peça publicitária, três mulheres exibem duas armas de cano longo e uma de menor porte, chama o consumidor a saber como adquirir o equipamento e convida para “atirar conosco”.

Para Felippe Angeli, do Instutito Sou da Paz, que criticou o decreto de Bolsonaro, a publicidade pode estimular a compra das armas. “Isso é absolutamente ilegal. Não está relacionado ao decreto de flexibilização, mas ao Estatuto do Desarmamento que restringe esse tipo de publicidade”, apontou Angeli.

O Estatuto, em vigor desde 2003, proíbe que empresas de produção ou comércio de armamento façam publicidade para venda e diz que quem infringir as regras está sujeito a uma multa . O texto da lei define que isso só pode ser feito em revistas, jornais ou sites especializados.

Já o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que fiscaliza a ética na propaganda, estabelece que a peça deve ater-se à apresentação do modelo da arma de fogo, suas características e preço. O outdoor é do Clube de Tiro Vila Velha, que pertence a um grupo que também é dono de uma loja de armas.

O diretor do Clube de Tiro Vila Velha, Felipe Rodrigues, no entanto, alega que o outdoor não exibe propaganda da loja e somente do clube, que não se enquadraria nessas restrições impostas pelo Estatuto do Desarmamento. Questionado sobre a frase “saiba como adquirir sua arma”, presente no outdoor, o representante da empresa nega que seja uma apologia à compra de armas.

“Isso é apenas um convite para a informação sobre a posse de armas e não incentiva, não. A ideia é passar para a pessoa como é para adquirir uma arma de fogo e não vender uma arma de fogo. A imprensa mesmo faz reportagens com passo-a-passo do processo de compra de arma de fogo”, justificou Rodrigues, que disse ainda que a instalação da peça na Terceira Ponte estava planejada desde dezembro, antes da assinatura do decreto.

Nas ruas, capixabas ouvidos pela reportagem temeram o que o outdoor pode provocar. O eletricista Tarcísio Passos disse que a peça pode motivar uma compra desenfreada. “Isso é para vender mais armas. E mais armas vai trazer mais violência e transtorno para a população”, comentou

A doméstica Eva Melo afirmou que conhece muitas pessoas que tendem a comprar armas após o decreto presidente. “Por isso, sou contra, contra mesmo esse tipo de publicidade. Porque já tem muita gente com ideia na cabeça de comprar”, argumentou.

O direito à posse é a autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho, desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento. Para andar com a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são mais rigorosas e não foram tratadas no decreto.

Procura já é três vezes maior no Estado

No Espírito Santo, a procura por armas já cresceu após o decreto do presidente Jair Bolsonaro. O diretor do Clube de Tiro Vila Velha, Felipe Rodrigues, contou que a procura por informação sobre a aquisição triplicou após a assinatura do presidente. “O decreto aumentou a curiosidade das pessoas até porque essas novas regras começaram há poucos dias”, comentou.

Representantes de fabricantes de armas também preveem um aumento na venda de armamentos após a publicação. Só na região Centro-Oeste, onde vivem muitos produtores rurais, a expectativa é que os negócios cresçam até 25%.

Apesar de prever aumento nas vendas, os vendedores dizem que seus clientes ficaram decepcionados com o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro . Segundo esses profissionais, os defensores do armamento da população devem fazer pressão, agora, pela aprovação do porte de arma.

“A avaliação é que o decreto desagradou gregos e troianos. Ficou no meio termo. A promessa de campanha foi maior do que o que ele (Bolsonaro) entregou. Ouvimos, inclusive na posse, que ele iria devolver a legítima defesa plena para o cidadão”, afirmou Oscar Francisco Alves Netto, revendedor de armas para os estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.

Segundo Oscar, a venda de armas de fogo no Centro-Oeste costuma crescer de 10% a 15% ao ano. Após o decreto, porém, esse patamar deve subir, em 2019, para algo entre 20% a 25%.

Embora não fale em números, Francisco Silva Neto, representante de uma empresa de armamento para clientes de Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí, também prevê aumento nas vendas no Nordeste. Segundo ele, deve crescer a procura de armas por comerciantes e donos de sítios, que, hoje, reclamam da ação de ladrões de porcos e motos

De acordo com Oscar, produtores rurais têm reclamado, em grupos de WhatsApp, que o decreto foi abrandado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro. “O ministro, como ex-juiz, foi comedido e deixou a questão do porte para ser discutida pelo Congresso”, afirmou Oscar.

OPINIÕES

Não faz mal nenhum

Esse tipo de propaganda, como a do Clube de Tiro, não oferece nenhum tipo de risco para a sociedade. A publicidade deve ser avaliada pelo consumidor final e não pelo Estado. A propaganda não tem intenção apenas de vender um produto ou um serviço, mas também informar.

E há anos que essa possibilidade de informar está sendo vedada no Brasil pelo governo. Defendemos que haja uma flexibilização da posse e também do porte, porque não faz sentido ter o direito de possuir e não andar com a arma para se defender. Os números mostram que onde existem mais armas, existem menos crimes.

Lucas Silveira, Instituto Defesa

Estatuto proíbe

Isso é absolutamente ilegal. Não está relacionado ao decreto de flexibilização, mas ao Estatuto do Desarmamento, que é uma lei e só pode ser alterada via projeto de lei no Congresso Nacional. Tem um artigo do Estatuto que proíbe terminantemente a publicidade de armas de fogo, a não ser em meios especializados, tipo revistas que tratam sobre o tema. Sobre o decreto, nós somos contra. Não se trata de ser de direita ou ser de esquerda, se trata de um conceito científico nacional e internacional de que a maior circulação de arma de fogo está associada ao aumento de número de mortos.

Felippe Angeli Instituto Sou da Paz

ENTENDA O DECRETO

FLEXIBILIZAÇÃO

Estabelecimento de critérios

O decreto garante o direito à posse de arma a todos os civis que moram em Estados com índice anual de mais de dez homicídios por cem mil habitantes, de acordo com a edição 2018 do Atlas da Violência – ou seja, todos os Estados da federação. Além de donos de estabelecimentos comerciais ou industriais e proprietários rurais, militares ativos e inativos, colecionadores, atiradores e caçadores já registrados no Exército. Outros beneficiados são os agentes públicos, como trabalhadores da área de segurança pública e da administração penitenciária, integrantes das carreiras da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), alguns funcionários do sistema socioeducativo e pessoas envolvidas em atividades de poder de polícia administrativa.

Espírito Santo

No Estado, a média é de 32 homicídios a cada 100 mil habitantes em 2016. Dessa forma, todos os cidadãos sem antecedentes criminais e maiores de 25 anos poderão ter a posse facilitada de uma arma de fogo. Além disso, há 90 mil comerciantes.

Como era

Segundo a legislação anterior, a avaliação da chamada “efetiva necessidade” era feita pela Polícia Federal de forma subjetiva. Em resumo, a concessão da posse dependia de quem avaliava cada pedido. A partir de agora não é mais obrigatório comprovar a necessidade da posse de arma junto à PF. Basta uma autodeclaração a ser entregue à instituição.

OBRIGATORIEDADE

Exame psicotécnico

Hoje, ele pode ser feito somente em clínicas credenciadas pela PF. Com o possível aumento da demanda, o presidente deve publicar uma Medida Provisória para regulamentar convênios com a Polícia Militar e a Polícia Civil de cada estado para a emissão destes laudos.

Mais exigências

Continuam obrigatórios: a comprovação de ocupação lícita e da ausência de antecedentes criminais, além de atestado de capacidade do manuseio de armas, expedido por um instrutor de tiro, e idade mínima de 25 anos.

NÚMERO DE ARMAS

Até quatro

A pessoa pode adquirir até quatro armas. Contudo, caso estes indivíduos tenham interesse em adquirir mais armas, deverão comprovar a

efetiva necessidade. Antes do decreto, o civil comum só poderia ter uma arma. Caçadores, atiradores e colecionadores podem ter até seis armas.

AMPLIAÇÃO DE PRAZO

10 anos

A licença para a posse de armas passará a valer por dez anos a partir do decreto, o dobro da vigência atual. Quem tiver registro para a posse de armas dentro da validade, de acordo com a antiga legislação, terá a licença renovada automaticamente.

COFRE

Obrigatório

O decreto determina a obrigatoriedade de um cofre ou local seguro com tranca para manter o armamento em residências onde moram crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência mental. Antes, não havia essa determinação. O dono da arma deverá apresentar uma declaração de que possui o cofre.

TIPOS DE ARMA

Sem mudança

Não houve mudança nos tipos de armas que poderão ser comprados. No Brasil, é possível comprar revólveres calibres 22, 36 e 38; espingardas calibre 20, 28, 36, 32 e 12; rifles calibre 22; carabinas calibre 38; e pistolas calibre 32, 22 e 380. O decreto somente facilita a posse de armas de uso permitido e não inclui armas de uso

restrito, como armas automáticas ou fuzis.

COMPRA

Passos

Para comprar uma arma primeiro é necessário pedir autorização para possuir uma arma junto à PF. Se o requerente cumprir os requisitos mencionados, a compra é liberada. Depois de comprada, é preciso solicitar o registro junto à PF e pagar uma taxa. Por fim, é emitida uma autorização de transporte para levar a arma da loja ao local onde ela ficará armazenada. Durante o transporte, ela deve estar descarregada e embalada de forma que não possa ser utilizada.

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(Com informações da Agência O Globo)

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