> >
Uma mulher é morta a cada 4 dias no Espírito Santo

Uma mulher é morta a cada 4 dias no Espírito Santo

Em 2018, 93 foram assassinadas, a maioria na Região Metropolitana

Publicado em 25 de janeiro de 2019 às 02:58

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Anderson mostra a foto da filha, Andrielly, 20, morta pelo namorado. (Carlos Alberto Silva)

Uma mulher foi morta a cada quatro dias no Estado, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp). O dado é relativo a 2018, quando foram 93 vidas tiradas.

O número, apesar de alarmante, é menor do que o registrado no ano anterior. Em 2017, foram mortas 133 mulheres, o que representa uma redução de 30%. As informações da Sesp foram obtidas com exclusividade por A GAZETA.

De acordo com os dados, um terço das vítimas tinha entre 15 e 25 anos.

Cerca de 35% dos assassinatos de mulheres em 2018 no Espírito Santo foram classificados como feminicídio, ou seja, homicídio doloso (intencional) praticado contra a mulher em razão da condição do sexo feminino. Os demais, tiveram outras motivações. A secretaria não divulgou dados de 2019.

Segundo o professor do mestrado de Segurança Pública da UVV e ex-secretário estadual da pasta Henrique Herkenhoff, os homicídios dolosos de mulheres que não são feminicídios, em geral, tem motivação no tráfico de drogas. “Apesar de haver um número importante de feminicídios, a principal motivação tem sido o crescente envolvimento delas com o tráfico de drogas.”

O especialista afirma que elas têm assumido cada vez mais posições no comércio ilegal de drogas e, consequentemente, também se expõem aos mesmos riscos.

Herkenhoff explica que o envolvimento delas com o crime, em muitos casos, é motivado por relações amorosas com os criminosos. “Grande parte decorre de relacionamentos afetivos com traficantes. Daí, vem uma gravidez precoce, que acaba selando essa ligação”, diz.

Quando ocorre a morte ou a prisão do companheiro, essas mulheres assumem o lugar deles, ficando também sujeitas aos perigos da atividade ilegal.

PERFIL

Em 2018, o Estado teve uma taxa de 4,8 mortes a cada 100 mil mulheres. O número é igual ao de 2016, quando foi registrada a menor taxa em 11 anos. Em 2017, foi 6,6. A maior taxa foi registrada em 2009, com 11 assassinatos a cada 100 mil mulheres.

O mês mais violento para mulheres no ano passado foi janeiro, quando aconteceram 13 mortes, ou seja, uma a cada dois dias.

LOCAL

Já o local onde mais houve mortes foi a Região Metropolitana, com 41 registros. Mesmo assim, a área apresentou queda de 42% em relação ao ano anterior (2017).

Em seguida, com mais mortes, vem a Região Norte, com 24. Em 2017, foram 28 registros.

Algumas cidades do Espírito Santo se destacam positivamente nos dados. Em Águia Branca, Apiacá, Mucurici e Alfredo Chaves não há registros de mortes de mulheres por assassinato em, pelo menos, sete anos. Outras 14 cidades, todas no interior do Estado, só contabilizaram uma morte nesse período.

Em compensação, Conceição da Barra teve 17 mortes e Pinheiros, 12.

A Sesp foi demandada pela reportagem para comentar os dados, mas não disponibilizou fonte para falar sobre o assunto.

NÚMERO DE FEMINICÍDIOS DIMINUI 27% EM 2018

O Estado registrou 33 feminicídios em 2018, nove a menos do que no ano anterior, o que representa uma redução de 27%. Em 2016, foram 35 ocorrências desse tipo. Ainda assim, o número é preocupante.

“Infelizmente, mulheres sofrem violência e discriminação simplesmente por serem mulheres, chegando por vezes ao absurdo de terem suas vidas ceifadas”, afirma a chefe da Divisão Especializada de Atendimento à Mulher, a delegada Cláudia Dematté.

Feminicídio é o assassinato de mulheres dentro de um contexto de desigualdade de gênero, que pode ocorrer num ambiente de violência doméstica e familiar ou numa situação de menosprezo ou discriminação à condição de mulher, conforme descreve o Código Penal desde 9 de março de 2015, quando foi sancionada a Lei do Feminicídio – nº 13.104.

Essa lei alterou o artigo 121 do Código Penal para incluir o feminicídio como uma circunstância qualificadora do crime de homicídio. Assim, entrou na lista de crimes hediondos.

SOFRIMENTO

Hediondo é, de fato, a palavra usada pelo encarregado de operações Anderson Pereira dos Santos, 41 anos, para descrever o crime que tirou a vida da filha, Andrielly dos Santos, 20 anos. A moça foi assassinada com um fio de carregador de celular pelo namorado, Rubens de Almeida Dias Júnior, 23 anos. O crime aconteceu em 4 de março de 2018, no bairro Planalto, em Vila Velha.

“Para mim, que sou pai, a dor e o vazio são muito grandes. Eu acho que nem o tempo será capaz de reparar essa perda”, afirma.

Além de lidar com o próprio luto, Anderson ainda precisa dar apoio à neta, filha de Andrielly, que sente todos os dias a falta da mãe. A menina, que fará três anos em breve, presenciou o crime. “Por ela ter visto tudo, ela sonha muito com isso, acorda no meio da noite.”

Anderson conta que revive a dor de perder a filha sempre que vê na televisão casos de feminicídio. Segundo levantamento feito pelo pesquisador e professor doutor em Direito Internacional Jefferson Nascimento, da USP, divulgado por “O Globo”, apenas nas três primeiras semanas de 2019 foram 78 feminicídios no Brasil e outras 39 tentativas.

“Eu, como homem, me sinto enjoado de saber que tantos homens ainda façam isso, que coloquem as mulheres como inferiores. Somos iguais. Infelizmente, a sociedade masculina não aceita isso”, afirma Anderson. O processo pelo crime que vitimou Andrielly ainda corre na Justiça.

DENÚNCIA

A delegada Cláudia Dematté afirma que, parte crucial para evitar crimes como o de Andrielly é a informação. “É importante denunciar desde a primeira violência sofrida. Percebemos que quando a mulher não denuncia, a violência praticada contra ela só vai aumentando”, afirma.

A denúncia, explica a delegada, permite que o Estado aja para que a mulher não fique exposta a um agressor que pode até tirar a vida dela.

Dematté reconhece que cada vez mais mulheres estão escolhendo quebrar o silêncio e buscando as delegacias especializadas. Em 2018, foram quase 15 mil boletins de ocorrência registrados em todo o Estado.

MAIORIA DOS ASSASSINATOS É COM ARMA DE FOGO

De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp), 62% dos homicídios dolosos (intencionais) cometidos contra mulheres em 2018 foram por meio de armas de fogo. As armas brancas, como facas e facões, foram utilizadas em 24% das mortes e nas demais ocorrências foram utilizados outros meios como madeira, pedra ou as mãos, por exemplo.

Cerca de 30% delas foram vítima do marido, namorado ou ex-companheiro. Com a flexibilização do porte de armas, após decreto presidencial há duas semanas, diversas entidades como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Pastoral da Fé e o Instituto Sou da Paz manifestaram preocupação que o aumento de circulação de armas de fogo faça crescer também os crimes contra as mulheres, principalmente os feminicídios.

“A maior parte das agressões contra mulheres acontece dentro de casa e colocar uma arma nessa dinâmica só vai fazer com que a escalada nas agressões – que em geral tem início com a verbal e dá sinais para que a vítima possa procurar ajuda antes de acontecer algo pior – se dê mais rapidamente, indo para uma agressão letal”, afirmou a ONG Sou da Paz em postagem nas redes sociais.

Este vídeo pode te interessar

Dados do Dossiê Mulher, organizado pela Polícia Militar do Rio De Janeiro, mostram que, em metade dos casos de morte de mulheres com motivação de gênero são utilizadas armas de fogo.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais