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Com feto morto, mãe relata drama para conseguir retirar o bebê no ES

Com feto morto, mãe relata drama para conseguir retirar o bebê no ES

Mesmo com o ultrassom mostrando que o bebê morreu há aproximadamente seis semanas, a atendente Kamilla Oss teria que esperar mais 30 dias para tirar o feto

Publicado em 19 de fevereiro de 2019 às 14:47

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Atendente que perdeu bebê há seis semana e lutava para conseguir retirar o feto. (Acervo Pessoal/Reprodução)

Mãe de três meninas, a expectativa era grande para descobrir o sexo do bebê. Mas a notícia no dia do ultrassom não poderia ter sido pior: o coração do feto já não batia.

Abalada com a notícia, a atendente Kamilla Oss, 28 anos, ouviu de médicos que precisaria ficar mais 30 dias com o bebê morto dentro da barriga antes de realizar algum procedimento. O detalhe é que, segundo o ultrassom, o feto já estava morto há seis semanas - tempo que, segundo médicos, é difícil de precisar. Com infecção urinária, ela travou uma batalha até conseguir fazer uma curetagem nesta segunda-feira (18).

A equipe de A Gazeta ouviu dois especialistas para entender quais são os procedimentos padrões em casos de abortos espontâneos, pois é muito difícil para a mãe permanecer com o feto na barriga já falecido. Ainda internada, Kamilla conversou com a reportagem nesta terça-feira (19). Veja o depoimento dela e, em seguida, confira a opinião médica. 

DEPOIMENTO DE KAMILLA

Quando fui fazer o ultrassom, eu estaria de quatro meses. Ia descobrir o sexo na segunda, dia 11. No ultrassom acusou que o meu feto já estava morto havia seis semanas. A médica mandou eu correr para o hospital, para fazer uma expulsão ou uma curetagem, porque já tinha mais de um mês que ele estava morto. Mas eu não sentia contração, não tinha sangramento, não tive nada.

Entrei em desespero e, na mesma hora, fui ao Hospital São Camilo, em Aracruz. Minha mãe estava em Aracruz e foi comigo no hospital. Cheguei lá e a médica me disse que eu poderia ficar mais uma semana com o feto. 'Se você não tiver sangramento, você volta para fazer a curetagem'. Só que eu estava com infecção de urina.

Na terça-feira (12), voltei com muita dor. Eu fui fazer um exame de urina, me passaram um antibiótico e me falaram que eu teria que esperar mais 30 dias para poder fazer a curetagem no mesmo hospital. Vem eu pra casa com muita dor.

Resultado da ultrassom que mostrou que o feto havia morrido há aproximadamente seis semanas . (Acervo Pessoal/Reprodução)

Quarta-feira voltei de novo com muita dor. Não conseguindo andar, sem dormir de noite. Lá falaram que não poderiam fazer nada por mim, que talvez as dores poderiam ser da contração. Fizeram o toque e falaram que não era, que era infecção de urina. Me deixaram lá de quarta para quinta, só no soro com dipirona e buscopan. Mas também não me deram antibiótico para infecção de urina.

Quinta-feira voltei de novo para casa. A dor continuava e fui para o hospital. Falei que estava com muita dor, já estava ficando pálida, mas não tive sangramento. Cheguei lá de manhã e falaram a mesma coisa. Não podemos fazer nada por você e temos que esperar mais 30 dias para o seu corpo expulsar. E eu com infecção de urina e eles não queriam me internar para tratar. Eles me perguntaram por que eu não tomei o antibiótico em casa. Eu falei que desde de segunda eu estava indo para o hospital e não tive nem tempo de comprar o meu remédio.

Fui para o pronto-socorro de Ibiraçu, porque eu sou de Ibiraçu. Conversei com a médica de plantão, falei que não sabia o que era dormir. Como tenho parente na Serra, a Prefeitura de Ibiraçu me levou em um carro para o Jayme, que é referência. Na mesma hora fui para casa, peguei minhas roupas e vim para o Jayme. Lá me falaram que já era para ter tirado. Me encaminharam para a Maternidade de Carapina, para fazer o meu processo.

Em Carapina, a médica fez o toque, eu estava com infecção de urina muito alta. Meu organismo já era para ter expulsado. Me perguntaram por que não tinham feito o procedimento em mim. Estou desde sexta-feira aqui internada. Tenho três cesárias e uma iminência uterina. Então eles não poderiam forçar um parto normal. Me internaram.

No sábado, aplicaram o comprimido, minha bolsa rompeu, senti contrações, tive sangramento, mas o meu colo do útero não abriu. Por dois toques que fizeram ontem, fizeram a curetagem. Agora eu faria cinco meses já. Meu feto morreu quando eu estava de três meses.

O Hospital São Camilo não quis fazer o procedimento, porque disseram que era a conduta deles. Mas quando eu vim para o Jayme, que é um hospital referência aqui da Serra, e depois vim para a maternidade aqui da Serra, me internaram na mesma hora. Em nenhum momento deixaram o meu organismo expulsar.

Já começaram com o antibiótico em mim, porque a infecção urinária poderia ser causada pelo óbito. Foi uma negligência total (do primeiro hospital). Ele é um hospital particular, que só atende gestante pelo SUS. A sensação é horrível. Eu vim pra cá, para a maternidade, que também é pública, e fizeram a curetagem e me trataram super bem. E falaram comigo que já passou da hora de ter tirado, que o meu colo do útero não ia abrir sozinho, porque o feto estava preso.

Eu sou muito grata à Prefeitura de Ibiraçu. Se não fossem os funcionários de lá, eu não estaria aqui hoje. Estaria esperando mais 30 dias para poder tirar. Me deram toda assistência. Foram uns anjos que Deus colocou na minha vida, porque foi um pesadelo. Estou acordando de um pesadelo.

Estava todo mundo ansioso. Eu fui fazer a ultrassom para descobrir o sexo, e eu tenho só meninas. É horrível ter que aplicar um comprimido na vagina. Você ver a sua bolsa romper, sentir as contrações, gritar de dor, fazer força e não sair e você ficar mais de 14 horas em trabalho de parto.

Se eu não tiver com infecção de urina, tenho alta hoje. Estou bem, em partes. Aquela angústia de ter o feto morto dentro de você e não conseguir tirar, foi aliviada. O hospital aqui teve todo o cuidado, não poderia fazer a cesárea porque eu já tive três e estava com febre. Eles sabendo do meu risco de vida, foram bem cuidadosos. Não desejo isso para ninguém.

OPINIÃO MÉDICA

Médico Coridon Franco. (Reprodução/Facebook)

A convite do Gazeta Online, o presidente da Sociedade Ginecologia e Obstetrícia do Espírito Santo (SOGOES), o médico Coridon Franco, afirmou ser necessário ter informações mais detalhadas do prontuário da paciente para dar uma opinião bem embasada.

"Primeiro, é preciso tentar definir há quantos dias o feto está morto, o que não é muito fácil na maioria dos casos. Mas, de uma maneira geral, após o diagnóstico de um abortamento (gestação com menos de 20 semanas) a conduta pode ser expectante, ou seja, aguardar a eliminação natural do conteúdo uterino, se não houver sinais de infecção uterina e o estado geral da paciente estiver bom. A conduta pode ser proativa, com esvaziamento do útero por curetagem ou aspiração intrauterina. A decisão da conduta precisa ser individualizada para cada paciente", reforça. 

O médico explica ainda que uma infecção urinária não necessariamente tem relação com o fato de o feto ter morrido.

DÚVIDAS SOBRE O TEMPO DA PERDA

Médico Marcio de Oliveira Almeida. ( Carlos Alberto Silva - GZ)

O ginecologista e professor da disciplina de Obstetrícia da Emescam Márcio Almeida diz ser difícil afirmar há quanto tempo o bebê morreu e que, em casos como o de Kamilla, a equipe que a atendeu pode ter tido dúvidas em relação a isso. 

Aspas de citação

Muito provavelmente ela já tinha perdido o bebê há duas ou três semanas. Mas não dá para confirmar que são seis semanas, porque o embrião antes de morrer diminui o crescimento, fica menor. Depois que ele morre, também murcha, ele desidrata e parece regredir a idade gestacional. Eu faria o procedimento, mas a conduta médica não está errada

Márcio Almeida
Ginecologista
Aspas de citação

O professor complementa: "Toda vez que você tem um óbito embrionário ou morte fetal o correto é você aguardar durante quatro semanas, para que o feto ou o embrião seja eliminado sozinho. Só depois disso, se não eliminou sozinho, que é indicado o procedimento". 

O OUTRO LADO

A Gazeta demandou o Hospital São Camilo, em Aracruz, que respondeu por meio de nota. 

"Nos casos de abortamento retido, em que o diagnóstico é feito através de ultrassonografia, o recomendável é aguardar a eliminação espontânea pelo próprio organismo.

A indução com medicamento é feita caso não ocorra espontaneamente em um prazo de quatro semanas, mas é um procedimento mais arriscado e por isso nunca é primeira escolha.

Entende-se a ansiedade gerada pela situação de identificar que a gravidez não evoluiu e que vai terminar em abortamento, mas essa é a conduta mais segura.

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A paciente foi avaliada por 03 médicos diferentes e que a conduta foi a mesma. Orientada que caso tenha qualquer dúvida ou qualquer sintoma diferente, procurar novamente o hospital."

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