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Município de Boa Esperança pede socorro após onda de assaltos

Município de Boa Esperança pede socorro após onda de assaltos

Moradores da pequena cidade mudam a rotina por causa da criminalidade

Publicado em 3 de fevereiro de 2019 às 01:19

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Assustada com a onda de assaltos, Maria não anda mais pelas ruas de Boa Esperança. (Marcelo Prest)

Uma cidade pequena, onde todos os moradores se conhecem e a paz reina. Melhor, reinava. A até então pacata Boa Esperança, no Norte do Estado, tem sido o cenário escolhido por criminosos.

De acordo com os moradores, desde o início de dezembro os casos de roubos e furtos aumentaram na cidade. Em cada esquina, é possível encontrar alguém que tenha sido vítima da criminalidade recententemente.

O temor entre os moradores e os casos de roubo e furto, em especial no meio da rua, fez o próprio prefeito, Lauro Vieira, enviar um ofício à Secretaria de Segurança Pública do Espírito Santo (Sesp) pedindo aumento do efetivo policial, onde descrevia que a cidade estava com apenas três militares desde o início da Operação Verão, em dezembro, quando a maior parte do efetivo militar é enviado para as áreas litorâneas do Estado.

“Eu não ando mais vendo vitrines na rua do comércio. Meu marido me leva de carro até a loja. Eu entro, compro e só saio da loja quando ele retorna para me buscar. Tenho medo de ser assaltada”, descreve a dona de casa Maria dos Santos Elias, 55 anos, enquanto aguardava, apreensiva, o marido ir busca-la em uma loja de produtos agrônomos.

Boa Esperança tem cerca de 16 mil habitantes e tem como municípios vizinhos Pinheiros, Nova Venécia e São Mateus, o mais populoso e que possui balneário. “É uma cidade em que não víamos nada disso. Não precisava ter medo de andar na rua. Hoje, vejo um motoqueiro e fico preocupada, pois sei que a maioria dos roubos é feito por gente de moto”, contou Maria.

Infográfico: Boa Esperança pede socorro. (Genildo Ronchi)

É exatamente a localização de Boa Esperança que tem feito dela uma cidade alvo dos bandidos. “A criminalidade das cidades vizinhas aumentou e como Boa Esperança fica no meio do trajeto para todas, ela é o alvo de bandidos que vem à cidade apenas para furtar e fugir”, explicou um policial, que não quis se identificar.

A preocupação da dona de casa ao suspeitar de duas pessoas em uma moto tem fundamento, segundo informações de policiais civis. Os assaltos são, em sua maioria, realizados por duplas de motoqueiros.

A conta dessa ausência de segurança está sendo paga pela população. A pensionista Marlete de Mello, 47 anos, teve a casa invadida por um homem encapuzado, em pleno meio-dia, de uma sexta-feira.

“Estava deitada no sofá quando ele entrou. Me colocou no banheiro e eu tranquei a porta. Depois de revirar tudo no meu quarto, ele me fez abrir a porta. Começou a dar facadas na porta me obrigando a abrir, até que me tirou, me amarrou e jogou na cama. Pensei que ia me matar”, lembrou.

Ela permaneceu 30 minutos amarrada depois que o suspeito saiu da casa dela levando uma pulseira magnética, R$ 180 em dinheiro, o celular, algumas bijuterias e cartões.

O drama dela é um dos tantos moradores que foram vítimas ou que estão sendo prejudicados pela onda de violência no local.

Aplicativo cria alertas sobre crimes na região

Alexandre mostra aplicativo: troca de informações. (Marcelo Prest)

Apesar de amedrontada, a população de Boa Esperança tem buscado alternativas para lidar com a insegurança. Uma das ferramentas é um aplicativo de celular para enviar informações correta para a polícia e de forma rápida.

O mecanismo chamado ICity foi criado pelo assessor legislativo Alexandre Galvão Alves, 31 anos, que também possui formação em Ciência da Computação. O aplicativo conta com a parceria da Polícia Militar (PM). “Em uma audiência pública na Câmara Municipal, eu ouvi os representantes da PM comentando sobre a dificuldade de fazer a informação correta circular entre a população”, contou Alexandre, explicando como a ideia surgiu.

O aplicativo pode ser instalado gratuitamente no celular. Segundo Alexandre, a PM tem acesso a um sistema que gerencia todas as informações de crimes ou ocorrências suspeitas repassadas pelos moradores.

A PM faz a triagem das informações e, confirmando a veracidade das ocorrências, encaminha um alerta oficial para o aplicativo. Assim, cada morador vira os olhos da PM na cidade.

“Se um carro é roubado e a PM é comunicada, a polícia repassa esse alerta para a população. A partir do conhecimento dessa ocorrência via celular, o morador pode ficar atento se vir o carro ou mesmo os suspeitos, e assim avisar a polícia, facilitando a circulação da informação”, explicou Alexandre.

A proposta foi bem aceita pelos representantes da PM e o aplicativo foi colocado em prática em 28 de dezembro.

O projeto ainda está na fase experimental e atende apenas Boa Esperança, escolhida por ser a cidade onde Alexandre reside. A adesão ainda é pequena, cerca de 300 pessoas baixaram o aplicativo na cidade, fato que não permite, por enquanto, medir a efetividade dele.

“A PM também dá um alerta quando encontra o produto roubado ou detém o suspeito com a ajuda do aplicativo, ou qualquer outra situação positiva, para que haja uma aproximação com a população e não que seja apenas um canal de más notícias. Na medida que houver engajamento, o aplicativo poderá ter funções ampliadas. Não temos o retorno de resultados, pois é tudo recente”, afirmou o assessor parlamentar.

Alexandre disse ainda que existe a expectativa para que outras cidades do Norte, atendidas pelo 2º Batalhão da Polícia Militar, também passem a contar com o programa.

“Ele funciona por localização, assim, o cidadão vai receber os alertas da cidade onde estiver com telefone dele. Mais gente colaborando em todas as cidades para chegar mais rápido à solução”, explicou.

MEDO

Ramiro Elias, lavrador: "Falta segurança para todos. Está muito ruim". (Marcelo Prest)

Ao escapar de um assalto, no final de dezembro, o lavrador Ramiro Elias, de 57 anos, teve ferimentos graves na mão esquerda. Ele ficou mais de 25 dias sem poder trabalhar.

Para onde o senhor seguia?

Eu estava na minha moto indo para uma roça em Patrimônio do Quilômetro 20. Foi quando dois motoqueiros pararam ao meu lado e o carona me empurrou.

E eles conseguiram assaltar o senhor?

Um morador da região vinha de moto pelo mesmo trajeto e viu a situação. Eles saíram em disparada e o jovem parou para me ajudar. Um outro motorista de carro também parou em seguida.

O senhor ficou ferido?

Eu cai quando o bandido me empurrou da minha moto, estava em movimento. Eu apoiei com a mão esquerda na queda, abriu um rasgo na mão esquerda e precisei ser levado pro hospital para darem ponto. Desde então, estou sem trabalhar pois não tem como fazer as coisas com a mão machucada.

Sente-se seguro na cidade?

Não. Falta segurança para todos aqui, está muito ruim. Quem passa por uma situação dessas que passei não tem como não ficar assustado. Eu só ando sozinho de moto, por locais quase sempre longe e sem moradores por perto. Não sei como evitar um assalto.

Escala de vigília para os dias de culto

Na Igreja Batista no Centro de Boa Esperança, os homens que frequentam o templo religioso passaram a montar grupos para vigiar os veículos dos fiéis durante os cultos.

“Os carros e motos ficam estacionados na rua. Para tentar evitar os furtos e roubos, cerca de quatro homens circulando pelas ruas vigiando antes, durante e depois do culto, até todos irem embora. Foi uma alternativa para tentar ter um pouco de segurança, mas não quer dizer que resolva”, contou a operadora de caixa Michele Moraes, 39 anos, frequentadora da igreja.

Os grupos são organizados em escala para atender a todos os horários e dias em que ocorrem os cultos. “São poucos policiais para a cidade. Não dá conta”, completou Michele. Há 20 dias uma moto foi roubada nas proximidades da igreja.

E até para quem não foi vítima de nenhum crime percebe o que vem acontecendo na cidade. O vendedor de água Ismael dos Santos, 50 anos, afirma que apesar de ser verão, ele tem sentido uma baixa nas vendas. “A cidade parece meio caótica. Quem aparece de fora a gente desconfia. Nunca vi assalto assim no passado, era uma cidade pacata. Tem menos gente circulando nas ruas por medo e, logo quando é mais quente e eu venderia mais, a água de coco não tem vendido tanto”, contou Ismael, que mantém o carrinho parado no Centro de Cidade.

Já a atendente Thais dos Santos, 23, ficou na mira de uma arma, no início de janeiro, durante um assalto ao supermercado onde trabalha, no bairro Nova Cidade. “Mudamos a rotina de atendimento no supermercado depois do assalto, para sempre ter mais gente no caixa. Também não levo mais meu celular para o trabalho”, disse a atendente.

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