Três diretores de presídios capixabas foram afastados de suas funções na noite desta terça-feira (12). Silvano Alvarenga da Silva, Mário José da Paixão e Waldoece Apolori Costa Junior haviam sido condenados em 2016 pela prática de tortura contra detentos, e ainda assim continuavam exercendo as suas atividades na direção de duas unidades prisionais: Penitenciária Estadual de Vila Velha I e a Penitenciária de Segurança Média II, em Viana.
A decisão do afastamento foi tomada pelo secretário de Estado da Justiça (Sejus), Luiz Carlos Cruz. Por nota, ele informou que, "ao tomar conhecimento dos fatos, determinou o imediato afastamento dos servidores", acrescentando que "não comunga com práticas de tortura de qualquer natureza e que tem como princípio o respeito aos Direitos Humanos."
A informação sobre os servidores foi divulgada com exclusividade nesta terça-feira (12) pela coluna de Leonel Ximenes, após depoimento do subsecretário de Estado de Ações Prisionais, Alessandro Ferreira de Souza, à reunião da Comissão de Segurança da Assembleia Legislativa. Na ocasião, ele explicou que os servidores continuavam atuando, mesmo após condenação em segunda instância, porque a Sejus ainda não havia sido intimada pela Justiça estadual sobre o assunto.
A Sejus informou ainda que, se houver decisão de prisão para os diretores, eles serão alojados na Penitenciária de Segurança Média I, em Viana, "por questões de segurança". A reportagem apurou que este presídio é destinado a autoridades, policiais, servidores e até agentes penitenciários que cumprem penas.
TORTURA
Os fatos ocorreram na Penitenciária Estadual de Vila Velha I (PEVV I), em Xuri, Vila Velha, em 1° de agosto de 2013. Segundo o relato da denúncia apresentada pelo Ministério Público Estadual (MPE), em 2015, os servidores retiraram um detento de sua cela "mediante emprego de violência, como forma de aplicar castigo, causando a este, intenso sofrimento físico", diz o texto. Um outro detento que viu a cena e também reclamou, foi retirado da cela e foi "exposto à violência".
As acusações recaíram sobre Silvano Alvarenga da Silva e Mário José da Paixão, denunciados por prática de crimes de tortura, em sua forma comissiva (com atuação dos acusados), e ainda sobre Waldoece Apolori Costa Junior, por prática de tortura, em sua forma omissiva, este por se omitir diante de prática de tortura, quando tinha o dever de evitá-la.
Em novembro de 2016, a juíza Vânia Massad Campos, da 6ª Vara Criminal de Vila Velha, condenou os três servidores. Em sua decisão, ela destacou que "a tortura mostra-se como um crime especial e se traduz num comportamento abusivo de poder, por parte de um funcionário público, em detrimento de garantias constitucionais ou legais de um particular". Disse ainda que, em resumo, ela é um grave ataque aos direitos fundamentais do cidadão e, ao mesmo tempo, representa para o corpo social um sentimento de frustração em relação à expectativa de cada cidadão, de que aqueles que estão a seu serviço se comportem de acordo com a norma constitucional vigente, diz o texto da sentença.
É revelado ainda na sentença que o detento, vítima da tortura, teria sido submetido a espancamentos (golpes nas pernas que fizeram com que caísse de joelhos, chutes nas costas e cabeça batida contra os portões de segurança), bem como permaneceu algemado com os braços para trás, por cerca de 4 (quatro horas), em um corrimão de uma sala vazia (chamada de barbearia).
Tudo confirmado em imagens de videomonitoramento. "Visualizando as imagens, é possível constatar que os acusados conduziram a vítima e seu colega de forma rude. É possível perceber, também, que não foram agredidos durante o tempo em que permaneceram na barbearia. Todavia, há um momento no vídeo e este momento é confirmado tanto pela vítima, quanto pelas testemunhas, quanto pelo próprio acusado Mário , em que a vítima cai e o ângulo da câmera permite visualizar em parte o que aconteceu. Vê-se o inverso do que diz o acusado Mário, de que [...] a vítima tentou se jogar ao chão e como o interrogando estava apenas com uma das mãos livres, tentou contê-lo para que o mesmo não se atirasse ao chão; que nesse momento, por estar com uma das mãos ocupadas, o denunciado Silvano pega o interno e o conduz até a barbearia, é descrito na decisão.
Os três diretores recorreram contra a sentença junto ao Tribunal de Justiça do Estado, onde os vários recursos foram avaliados pela Primeira Câmara Criminal, pelas Câmaras Criminais Reunidas e pela vice-presidência. Em todos foi mantida a condenação dos servidores. Eles agora estão fazendo um recurso para que o processo siga para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília.
Ao recusar os recursos, os desembargadores determinaram que o processo retorne para a 6ª Vara Criminal de Vila Velha, onde caberá à juíza decidir se determina a prisão dos acusados com a condenação de segunda instância. O processo, segundo o andamento constante no site do TJES, ainda não chegou ao Juizado de Vila Velha.
O OUTRO LADO
O advogado Henrique Herkenhoff, que faz a defesa do servidor Waldoece, assinalou que "não houve nenhum excesso por parte dos réus em relação aos detentos". Relatou, ainda, que o seu cliente, que era diretor da unidade PEVV I, na ocasião, só tomou conhecimento dos fatos após o ocorrido e determinou que fosse instaurado um Procedimento Administrativo para apurar os fatos, onde o preso também foi ouvido.
Ele explica que os procedimentos adotados estão previstos nos procedimentos da Sejus e que teve a finalidade de isolar o interno, naquele momento, para caráter punitivo. "O réu ficou sentado em uma cadeira durante curto espaço, não sofreu nenhum mal trato ou nada. Os procedimentos estão de acordo com a lei e o manual da Sejus". Ele acrescentou que, nos procedimentos de imobilização, é frequente o preso se debater porque nem sempre aceita ser imobilizado.
Quanto às lesões, relata que isto não foi presenciado e nem eram visíveis. Todas estavam ocultas pelo cabelo, e eram escoriações leves, compatíveis no processo de imobilização. "Não houve violação, foi incidente da mobilização provocado pela resistência do preso. O que parece é que não se compreende a realidade e as dificuldades da lida com presos. Há protocolos internacionais. Tudo é feito como recomendado até pelas organizações internacionais de Direitos Humanos. O que foi feito foi atuação imediata para evitar o que poderia se transformar até em uma rebelião. Foi incidente menor porque se teve a providencia de tirar o preso de perto dos outros", relatou Herkenhoff.
A defesa dos acusados Silvano e Mário não foi localizada pela reportagem.
SAIBA
Silvano Alvarenga da Silva
Era subdiretor da PEVV I na época dos fatos. Atualmente era diretor adjunto da Penitenciária de Segurança Média II, em Viana. Foi condenado a 02 anos e 11 meses de reclusão em regime fechado. Foi ainda condenado à perda do cargo público, e teve decretada a sua interdição para o exercício do referido cargo pelo prazo de 5 anos e 10 meses.
Mário José da Paixão
Era chefe de segurança da PEVV I na época dos fatos. Atualmente era diretor adjunto da Penitenciária Estadual de Vila Velha I. Foi condenado a 2 anos e 11 meses de reclusão em regime fechado. Foi ainda condenado à perda do cargo público, e teve interditado o seu exercício pelo prazo de 5 anos e 10 meses.
Waldoece Apolori Costa Junior
Na época era diretor da PEVV I e permaneceu no mesmo cargo. Ele acompanhou a condução das vítimas, e segundo a decisão judicial foi ele quem deu a ordem para que as vítimas ficassem algemadas na sala até o outro dia pela manhã. Foi condenado a 1 ano e 9 (nove) meses de reclusão em regime aberto. Não poderá exercer o mesmo cargo pelo prazo de 3 três anos e 6 meses.
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