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Da igreja protestante ao convento, a história do frade capixaba de 20 anos

Da igreja protestante ao convento, a história do frade capixaba de 20 anos

Natural de Vila Velha, o jovem fala da vida de celibatário e quando tomou a decisão de ser frade

Publicado em 13 de março de 2019 às 11:22

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Aos 20 anos, o desejo do capixaba Lucas Moreira Almeida é diferente da maioria dos rapazes da idade dele. Ele já é frade e quer continuar na vida religiosa. Natural de Vila Velha, o jovem tem um carinho todo especial pelo Convento da Penha, no mesmo município. Mas, atualmente, vive em outro convento, no Paraná, onde estuda Filosofia.

Antes de saber que seria um frade franciscano, Lucas frequentava uma igreja evangélica com a mãe. Lá, ao ouvir o pastor falar sobre batismo, perguntou se havia sido batizado. A mãe respondeu que sim, em uma igreja católica. A partir daí, o garoto quis conhecer o local, e o chamado para ser frade foi ganhando força cada vez mais.

Em entrevista ao Gazeta Online, o frade contou como é ser um celibatário, os desafios da vida em um convento e o que as pessoas mais próximas acham da sua decisão.

Quando você sentiu o chamado para a vida religiosa? E depois, quando teve a certeza?

Senti o chamado à vida religiosa bem cedo. Ainda como criança, por volta dos 3 anos, contam meus pais, dizia eu que queria ser padre... Minha mãe me levava numa igreja protestante evangélica porque queria fazer companhia à minha vó materna. Lá, nessa igreja, certa vez, ao olhar para a cruz localizada acima do púlpito e notar que não havia a imagem de Nosso Senhor crucificado, perguntei à minha mãe, se ali “tinha Deus”. Ela ficou desconcertada, e me disse que eu não poderia duvidar disso porque Deus está em toda parte. 

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Outra vez, ouvindo o pastor falar sobre o batismo, perguntei à minha mãe onde eu havia sido batizado, ao que ela respondeu que eu tinha sido batizado na Igreja Católica Apostólica Romana de Cobilândia, Vila Velha. Respondi a ela que queria ir nessa igreja

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E continua. 

Passado algum tempo, meus pais retornaram para Cobilândia, meu bairro de origem. Lá, ao ouvir o sino da Igreja Matriz num domingo pela manhã, perguntei o que significava aquele som. Meus pais responderam que o sino no domingo pela manhã chamava o povo para a Santa Missa naquela mesma igreja onde eu tinha sido batizado. No mesmo instante insisti para que me levassem na Santa Missa, mas, por conta do horário, não dava mais. Prometeram-me levar no domingo seguinte. Chegado o domingo novamente, levantei-me cedo (5h da manhã!), arrumei-me, acordei meus pais e os fiz levar-me na Igreja. Chegando na Matriz, dirigi-me à Capela do Santíssimo Sacramento. Lá, conta minha mãe, permaneci durante a missa inteira. Na hora da saudação da paz, ela veio ter comigo, e me encontrou rezando o terço com padre Anísio, na época, pároco de Cariacica Sede. Ao acabar a celebração, voltei, feliz da vida com o terço na mão, presente do padre. Dali em diante incentivava meus pais a irem sempre comigo nas missas de domingo na Matriz. 

Relação com o Convento da Penha.

Passado mais um pouco, minha mãe me vendo tão interessado pelas coisas da Igreja, me levou certa vez no Convento da Penha. Contou para mim que, quando eu era ainda um bebê ela havia me carregado no colo da Prainha até lá na Capela do Convento, em agradecimento a Deus pelo meu nascimento. Não preciso dizer mais nada. Quem não se encanta com aquele lugar? Lá, voltávamos todos os domingos na missa das 14h, primeiramente. Também comecei a ajudar a cantar as celebrações, e ajudar no que fosse preciso. Quando chegou a adolescência, o desejo de ser padre continuava no coração, apesar dos tantos questionamentos que essa fase suscita... Quando completei 14 anos, comecei a frequentar os encontros vocacionais no Convento. E, com 15 anos, entrei no Seminário Franciscano em Ituporanga/SC, para cursar o Ensino Médio.

De onde veio o desejo de ser um franciscano?

O testemunho dos frades que viviam no Convento me cativou bastante. Achei muito interessante aquela forma de vida despojada, criativa, simples e fraterna. Gostava de ver como eles viviam juntos naquela casa, como rezavam, comiam, se divertiam nas horas de lazer e eram dedicados no serviço ao povo que ia no Convento.

Qual é a característica de São Francisco que você mais admira?

O que eu mais admiro em São Francisco de Assis é o jeito de ele ser um homem autenticamente católico.

O que os seus amigos e familiares acharam da sua decisão de ser frade?

Como eu era bem criança, quando, primeiramente dizia que queria ser padre, todos achavam graça. Depois, com o passar do tempo, vendo que a decisão não mudava, acolheram-na com apoio. Nunca faltaram perguntas feitas por amigos e familiares que, no fundo, sempre ajudaram a amadurecer minha decisão.

Uma frase sua me chamou a atenção. "Não seria capaz de amar apenas uma pessoa totalmente". Como é para você abrir mão de ter uma família e viver o celibato?

Pra mim é a maior alegria! Quem é religioso não é chamado por Deus a amar alguém especificamente, mas, a exemplo de seu Filho, dar a vida por toda a humanidade. O amor é a maior força. Quando Deus dá o dom para o homem e a mulher constituírem matrimônio, ele quer que a humanidade continue crescendo e se multiplicando, isso é prova do seu amor. Quando Deus suscita no coração de alguns o desejo de amar a todos totalmente, se empenhando, como numa profissão, a servir a sua Igreja, ele quer que as pessoas se lembrem também que não é só aqui na terra que se vive o amor. Mas que ele aponta para o céu. O celibatário já está casado. Ele escolhe Deus mesmo, unicamente, para ser o amor da sua vida. E isso é dom Deus.

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No céu não haverá mais casamentos, o homem e a mulher não se darão em matrimônio. O celibatário vive essa realidade celeste aqui na terra, para ser sinal entre as pessoas que o amor acontece aqui entre nós, mas vem de lá. Tanto o matrimônio quanto o celibato são dons. Nem todos devem casar, e nem todos devem ser celibatários

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Com qual idade começou o seu caminho e por onde já passou?

Com 15 anos, no dia 04 de fevereiro de 2014, entrei no Seminário Franciscano São Francisco de Assis em Ituporanga/SC. Lá fiquei 3 anos, fiz o ensino médio e o Aspirantado. Em 2017, morei no Seminário Franciscano Frei Galvão em Guaratinguetá/SP fazendo o Postulantado. No ano passado morei em Rodeio/SC, e fiz o Noviciado.

Em qual local está agora e há quanto tempo?

Neste ano, após a 1ª Profissão religiosa no dia 10 de janeiro, fui transferido para o Convento São Boaventura como estudante de Filosofia. Situa-se no bairro Rondinha, em Campo Largo/PR.

Você tem o sonho de voltar a viver no Estado, como no Convento da Penha?

Olha, eu sou suspeito para falar isso! (risos) Gosto muito do meu Estado de origem, gosto ainda mais do Convento da Penha, no entanto, nós franciscanos não buscamos alimentar esses tipos de “sonhos”, visto que uma vez que professamos o conselho evangélico da Obediência, estamos totalmente disponíveis para onde precisar do anúncio do Evangelho. Há a possibilidade de morar no Estado, no Convento, mas da mesma forma que em qualquer outro lugar da nossa missão.

Seus pais eram de outra religião? Como foi esse processo de relação deles com a Igreja Católica?

Meus pais sempre foram católicos. Porém, quando nasci, eles não iam com muita frequência na igreja. Aconteceu também aquele particular na minha infância, como já contei, em que minha mãe ia comigo numa igreja protestante evangélica para acompanhar minha vó. Quando, naquele meu impulso de “querer ir na igreja onde eu tinha sido batizado”, meus pais me apoiaram, então exigia que os dois fossem comigo, que fôssemos todos juntos.

O que você mais gosta em ser frade?

O que mais gosto é ser feliz sendo frade. Isso pra mim é um prazer. A vida religiosa tem dificuldades como a vida de todo mundo. Mas isso de jeito nenhum tira seu brilho. Que, pra mim, é o brilho mais bonito!

Qual é a parte mais difícil da vida religiosa?

Acredito que a parte mais “difícil” é ser fiel nas pequenas coisas. A vida religiosa é cheia de horários, organizações, e nós temos que dar conta de tudo. Desde as coisas maiores às menores. E por “dar conta” deve-se entender não nesse sentido profissional, mas em fazer com amor absolutamente tudo, e com alegria! Lavar o prato com amor, limpar a casa com amor. 

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Ora, lavar o prato e limpar a casa todo mundo pode fazer, mas o religioso tem nessas pequenas coisas também o seu encontro com Deus, por isso, tudo deve ser feito com total dedicação

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