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Farmácia cidadã: remédios em falta toda semana

Farmácia cidadã: remédios em falta toda semana

Problemas vão desde atraso na entrega à falta de fornecedor

Publicado em 31 de março de 2019 às 23:03

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Maria da Penha Faustino já foi quatro vezes à Farmácia Cidadã de Vila Velha em busca do medicamento Hidroxiureia, mas saiu de mãos vazias. Ele é usado para a anemia falciforme de sua filha. "Sem o remédio ela se sente mal.". (Sullivan Silva)

O serviço deveria ser constante, entretanto, semanalmente diversos pacientes não conseguem ter acesso aos medicamentos distribuídos nas unidades da Farmácia Cidadã no estado. O problema passou a ser tão recorrente que boletins on-line são divulgados no site do programa toda semana para avisar da falta dos remédios. Na última atualização, a lista tinha 26 medicamentos a menos, sendo 17 de responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) e nove que deveriam ser fornecidos pelo Ministério da Saúde.

As causas do problema vão desde o atraso na entrega de fornecedores à falta temporária de matéria-prima importada por laboratórios. Até um incêndio em uma empresa de São Paulo no ano passado teria afetado a distribuição de um dos medicamentos.

A farmacêutica doutoranda em Saúde Coletiva pela Ufes Fabiana Turino destaca a responsabilidade dos vários agentes para a manutenção do serviço. “O problema pode ser o planejamento do governo estadual, do federal e do fornecedor. Tem que verificar caso a caso e identificar onde está o erro”, diz.

Moradora de Aribiri, em Vila Velha, a autônoma Maria da Penha Faustino, 58, não encontrou o remédio Hidroxiureia para a filha, de 38 anos, diagnosticada com anemia falciforme (doença grave e genética). O medicamento está em falta há três meses e ela acumula várias idas à Farmácia Cidadã do município saindo de mãos vazias.

“É a quarta vez que venho aqui e de novo não tem o remédio. Não encontro nas farmácias comuns para comprar. Sem ele minha filha se sente mal, as dores voltam”, diz Maria, acrescentando que o medicamento já faltou outras vezes na Farmácia Cidadã.

A dona de casa Alcione Alves, 41, também precisa do mesmo remédio. Ela mora em Alfredo Chaves e aguarda o medicamento chegar na unidade da Farmácia Cidadã em Cariacica. Ela foi diagnosticada com anemia falciforme na adolescência e diz ter medo de doenças infecciosas, já que sem o tratamento suas taxas de hemoglobina no sangue ficam baixas, situação alertada por seu médico.

“Estou há cinco meses sem esse medicamento. Sem o remédio, se um dia eu tiver uma infecção urinária, pneumonia, qualquer coisa pode me derrubar”, relata Alcione.

Outro medicamento em falta em diversas unidades da Farmácia Cidadã é o Tramadol, usado por pacientes com dores crônicas, como a dona de casa Maiby Cristina, 28 anos, moradora de Campo Verde, em Cariacica. Sem a medicação, ela teve que procurar o pronto-socorro de um hospital em Vitória para ser medicada e aliviar as fortes dores na região da coluna.

“Eu tenho artrite e preciso do Tramadol por causa da dor crônica. Já fui parar na emergência porque não tinha esse remédio”, conta Maiby, que está sem o Tramadol desde janeiro. Por causa da demora, ela vai ter que procurar novamente o médico para obter outra receita. A atual foi retida na Farmácia Cidadã e perdeu a validade. Problema também enfrentado por outros pacientes.

Além dos problemas com a própria saúde, Maiby ainda se preocupa com a falta de um medicamento para a filha de 9 anos, o Micofenolato de Mofetila, também em falta na unidade de Cariacica. O remédio é para tratar dermatite, doença que causa inflamações na pele. Segundo a dona de casa, a menina precisa de 90 comprimidos por mês e uma caixa com 30 comprimidos chega a custar R$ 500.

“O dela sempre falta aqui, mas nunca fiquei sem porque sempre me deram a mais, como é o caso agora. Mas se não tiver da próxima vez, vou ter que comprar. E ela não pode ficar sem”, lamentou a dona de casa.

Em Cariacica, Maiby Cristina espera desde janeiro pela chegada do Tramadol, usado para dores crônicas. Ela tem artrite. "Já fui parar na emergência porque não tinha esse remédio", lamenta a paciente. (Sullivan Silva)

PACIENTES SOFREM COM FALTA DE INFORMAÇÃO

O vai e vem de pacientes nas Farmácias Cidadãs espalhadas pelo estado é constante e, muitas vezes, ocorre por falta de informação. A Secretaria de Estado da Saúde diz que em alguns casos há substitutos terapêuticos para medicamentos que estão em falta, mas o problema é que os pacientes não são informados nas farmácias que devem procurar novamente o médico para pedir a substituição das receitas para, só depois, conseguirem retirar a medicação.

A peregrinação nas unidades atinge principalmente as pessoas de baixa renda. Como é o caso da dona de casa Márcia Diogo Batista, 54, que, sem dinheiro para pagar a passagem, vai a pé do bairro Bela Aurora até a unidade localizada em Jardim América, em Cariacica, apenas para verificar se o remédio do filho, de 16 anos, está disponível para entrega.

“Era para eu ter pegado esse remédio desde o dia 13 de março. Voltei aqui dia 18 e não tinha, e estou voltando hoje (dia 21) e não tem”, disse Márcia. O medicamento que o filho precisa é a Ritalina, utilizada para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. O remédio é de custo alto para a senhora que possui como renda fixa o benefício de R$ 137 que recebe do Bolsa Família e vive com a ajuda dos filhos mais velhos.

“Ele tem que tomar todos os dias antes de ir para a escola. Não é barato. O médico me deu o laudo porque viu que eu não tenho condições de comprar”, desabafa.

Para organizar a entrega do medicamento, é feito um agendamento com cada paciente, o método é benéfico, pois evita filas e demora no atendimento. Mas em alguns casos, isso não é garantia de que o remédio estará disponível. Como foi o que aconteceu com o aposentado José Aldino Monteiro, de 62 anos, que foi na Farmácia Cidadã de Cariacica em busca do tramadol para a esposa, que operou recentemente a coluna.

“Na falta, temos que comprar. São remédios caros e ela usa três vezes por dia. Aí eles marcam a data e não tem o medicamento”, diz José Aldino, que também reclama não conseguir contato por telefone para tirar dúvidas, já que as linhas telefônicas da Farmácia Cidadã estão sempre ocupadas.

“ME SINTO REFÉM DOS REMÉDIOS”

“Me sinto refém de medicamentos.” Esse é o desabafo da autônoma Marta Alves Pontes Dias, de 41 anos. Com dois filhos com necessidades especiais, um de 19 anos com autismo e outro de 14 anos com epilepsia, que precisam de remédios, sua peregrinação é constante na Farmácia Cidadã de Cariacica.

Marta precisa de medicamentos para os dois filhos. (Sullivan Silva)

“Todo mês falta algum tipo de medicação aqui. Um mês falta o Quetiapina, outro mês falta o Risperidona. Me deram 15 dias para voltar e me disseram que hoje teria. Cheguei aqui e a moça disse que não tem o Risperidona”, disse indignada.

Moradora do bairro Campo Belo, Cariacica, Marta que trabalha como autônoma chora preocupada com a saúde e o bem-estar dos filhos que necessitam do uso diário de diversos medicamentos. “A gente se vê refém do Sistema Único de Saúde. Eu tive que acionar o Ministério Público para conseguir neurologista e psiquiatra para meu filho, mas até hoje não consegui psiquiatra. Um tem atendimento na Apae, o de 14 anos, que é o Rafael, e o Mateus não. Então eu me sinto refém dos remédios”, desabafa Marta.

Os remédios que os filhos de Márcia precisam são caros. Ela relata que recentemente viu seu filho mais velho ficar acamado por falta da Quetiapina.  “Ele ficou 15 dias sem o remédio. Pensei que ele fosse morrer. A Quetiapina custa R$ 500 uma caixa com 30 comprimidos. A Risperidona é mais de R$ 100”, afirma.

No dia 21 de março, Marta conseguiu retirar na Farmácia Cidadã de Cariacica a Quetiapina, mas voltou para casa sem o outro medicamento. A receita venceu, e ela terá que levar o filho novamente ao médico para só depois tentar retirar o medicamento na Farmácia Cidadã.

ESTADO: ATRASO NAS ENTREGAS CAUSA PROBLEMAS 

Sobre a falta de medicamentos nas Farmácias Cidadãs do Estado, a gerente da Assistência Farmacêutica Estadual, Gabrieli Freitas, afirma que os casos são pontuais, com a falta de 4% dos 333 remédios oferecidos. Diz que o problema é causado por atraso na entrega de fornecedores, laboratórios e distribuidoras, inclusive o Ministério da Saúde.

“Temos atuado no sentido de notificar, multar, estar em cima dos prazos, porque sentimos que de dois anos para cá passamos a ter problemas sérios com nossos fornecedores e também problemas de entrega dos medicamentos de competência do Ministério da Saúde.”

A gerente detalha que a compra de medicamentos segue critérios, como a identificação e quantidade de pacientes. Ação feita com antecedência seguindo uma programação rígida por meio de um processo licitatório.

“Todos esses prazos são controlados do começo ao fim para não faltar. Nosso problema não é o tempo que se demora para poder licitar. São problemas que não estão sob a competência e a gestão da Sesa.”

Sobre a falta da Hidroxiureia, usada por pacientes com anemia falciforme, Gabrieli afirma que a falta ocorreu porque o laboratório que fabrica o medicamento, em São Paulo, pegou fogo em 2018. Isso teria afetado a produção, que só foi restabelecida em fevereiro deste ano. A gerente disse que o remédio deve chegar ao Estado no início deste mês. Segundo ela, ele é o único laboratório que produz quantidade suficiente para repassar para outros estados.

No caso do Tramadol, em falta há três meses, ela explica que a distribuidora recebeu uma carta do laboratório informando a falta de matéria-prima, e que nos próximos dias o estoque será restabelecido. Entretanto, ressalta que a medicação que é para tratar dores possui substitutos terapêuticos, como a morfina, disponível nas Farmácias Cidadãs.

“Entramos em contato com outros laboratórios que estavam no mesmo processo licitatório para entender se havia possibilidade deles chegarem ao preço do primeiro colocado, todos disseram que não. Então, abrimos um processo licitatório emergencial para a aquisição da medicação”, disse.

Quanto a falta da Ritalina de 30mg e de 40mg, ela garante que a compra está em processo final, e que a Ritalina de 10mg e 20mg está totalmente restabelecida de forma que os pacientes que utilizam de 30mg e de 40mg podem verificar com seu médico a possibilidade de fazer a substituição.

Esse é o mesmo caso da Risperidona. Ela diz que o medicamento possui substituto terapêutico e que o paciente também precisa alinhar com o médico a troca. Disse ainda que o Micofenolato de Mofetila também ficou em falta por problemas na entrega e a previsão de chegada é dia 16 de abril.

Sobre os casos de receitas retidas nas Farmácias Cidadãs e vencidas por causa do atraso na entrega dos medicamentos, a gerente ressalta que os pacientes devem procurar os assistentes sociais. “Uma receita vale para três meses e não posso tirá-la de dentro de um processo que já teve uma dispensação. A assistente social vai agir da maneira que for possível.”

Nos próximos meses serão contratados estagiários para ajudar a sanar as dúvidas dos pacientes.

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Procurado, o Ministério da Saúde disse que vai normalizar a entrega dos medicamentos de sua competência até o final do mês.

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