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Padre Zezinho: 'O papel da Igreja é ajudar o povo a buscar soluções'

Padre Zezinho: "O papel da Igreja é ajudar o povo a buscar soluções"

Pioneiro na música religiosa e autor de 98 livros, Padre Zezinho aborda questões sociais em sua obra. A última canção lançada é uma crítica sobre o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho

Publicado em 13 de abril de 2019 às 23:52

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O rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, e a repetição do fato três anos depois em Brumadinho, no último 25 de janeiro, ambas cidades mineiras, fizeram José Fernandes de Oliveira, 77, conhecido como Padre Zezinho, SCJ, compor e gravar a música “Mariana & Brumadinho”. Um dos pioneiros da música religiosa católica – começou a gravar na década de 1960 – fez questão de não se calar diante de um tema tão atual. No Espírito Santo, por exemplo, os efeitos do desastre de Mariana são sentidos até hoje, com centenas de pessoas impedidas de voltar a pescar no Rio Doce, atingido pela lama de rejeitos de minério – muitas desenvolveram depressão e alcoolismo. A canção do padre sobre os dois desastres com represas foi lançada em março deste ano e faz uma reflexão sobre a perda de vidas e também do estrago na fauna e na flora e a importância do cuidado com o meio ambiente.

Mas não é de agora que o religioso trata de problemas sociais em suas músicas e livros. Ele nasceu no interior de Minas Gerais, na cidade de Machado, e hoje vive em Taubaté, São Paulo, no Convento dos Padres do Sagrado Coração de Jesus, algo que faz questão de carregar como um sobrenome, com as letras iniciais do local (SCJ). Em entrevista ao jornal A GAZETA, além de falar sobre a música, Zezinho comenta sobre o papel da igreja em temáticas sociopolíticas e como deve ser essa abordagem.

Além disso, conta um pouco sobre o lançamento do seu 98º livro, o “Meu Cristo é mais Cristo do que seu Cristo”, que ocorreu neste mês de abril.

O senhor é conhecido por escrever canções com temáticas sociais como a de “Mariana & Brumadinho”. Por que escrever esse tipo de música?

Faz 50 anos que eu componho música e, durante muito tempo, sempre procurei escrever sobre assuntos sociais e espirituais. Desde que me tornei padre e comecei a compor canções sempre tento me sintonizar com as esperanças, anseios e as dores do povo. As canções são inspiradas nas questões sociais intrínsecas à Igreja e na dor do povo. Acredito que, ao compor essa canção sobre as barragens, por exemplo, ajudo o povo a fazer política e a se preocupar com a ecologia.

O senhor fala na música que não foi “acidente” o que aconteceu com as barragens. Qual palavra descreveria o ocorrido?

Para mim é crime porque os responsáveis foram alertados (sobre problemas ambientais e possível colapso) e não tomaram providências. Elas estão sendo tomadas depois que aconteceu. Virou crime a partir do momento que sabiam do risco, mas não fizeram nada. Foram avisados por muita gente e empurraram com a barriga.

Há um trecho que diz “profetas falaram, mas os grandes não ligaram”. Outro pontua “tinham que produzir”. Isso tem relação com a ganância?

É exatamente isso que eu quis dizer. Os profetas da Igreja, como dom Luciano Mendes, que foi arcebispo de Mariana, já tinham falado sobre riscos ambientais. Além dele, outros nomes da Igreja Católica, de outras igrejas e cientistas alertaram. Estavam todos preocupados com a ecologia, mas não foram ouvidos. O lucro era mais importante e foram empurrando com a barriga os acontecimentos. Chegou a um ponto em que perdemos rios, centenas de vidas humanas e a fauna e a flora foram devastadas.

Na opinião do senhor, qual o papel da Igreja Católica diante de problemas como esse ocasionados por estouro de barragens?

Ajudar o povo a pensar e ajudar a buscar soluções políticas, espirituais e sociais.

Apesar de fazer canções de cunho social há 50 anos, o senhor acredita que elas são mais necessárias hoje?

Eu acho que os problemas são os mesmos. Quando comecei, já havia guerrilhas no Brasil, problemas de governos, oposição acirrada e também muitas correntes de pensamento e políticas. Eu achei que minha canção poderia ajudar os jovens a refletir, desde aquela época. Eu tenho a vocação de fazer o povo pensar, claro que eu quero que o povo reze, mas também quero que o povo pense.

Sobre fazer o povo pensar, como é isso? Como usa essa vocação, como o senhor diz?

Eu escrevi, até agora, 98 livros. Acabou de sair mais um, há uma semana. O título é “Meu Cristo é mais Cristo do que seu Cristo”, falando sobre o fanatismo nas igrejas, cada uma diz que melhor interpreta o Cristo e, às vezes, não consegue fazer ecumenismo, diálogo. Existe também um fanatismo político de que gente de um partido não aceita gente de outro, é muita agressão no Congresso e na mídia. Tudo isso para mim é porque falta capacidade de pensar, quem pensa de verdade dialoga não só com outra religião, mas também com outro partido. Por isso, o problema no Brasil é a falta de ler mais, pensar mais e dialogar mais.

Por que decidiu lançar a última obra?

Eu falo da atuação das igrejas na mídia. Dei aula de Prática e Crítica de Comunicação nas igrejas por 32 anos, resumi muitas das aulas em livros. Para essa dei um título provocador porque há uma disputa de hegemonia na mídia por parte de algumas correntes religiosas. Escrevi sobre essa competição.

Existe um Deus maior que o outro?

Existe apenas um Deus. Mas há aqueles que se comportam como se fossem os porta-vozes justos, os únicos porta-vozes reais dessa verdade de Deus. Deus é um só, mas as cabeças são muito divididas.

Neste ano, a Campanha da Fraternidade tem como tema: “Fraternidade e Políticas Públicas”. É papel da Igreja cobrar o governo mesmo que soe como oposição?

Qualquer que seja o governo e em qualquer época a função da Igreja é ajudá-lo naquilo que ele faz de bom e criticar o que não faz direito. Isso chama-se vocação profética: abrir a boca para elogiar, criticar e até, se preciso, fazer oposição.

As eleições de 2018 deixaram o país dividido. O senhor, em suas redes sociais, faz críticas ao comportamento da esquerda e da direita. Acha que o país virou um Fla x Flu? O quanto isso nos prejudica?

 Faz 53 anos que sou padre e sempre tenho dito que a vida não tem só dois lados, ela tem muitos. Quando teimamos em dizer que há somente dois, já erramos. Até o bem e o mal têm nuances. A vida é rica de possibilidades e de lados. Se tivéssemos só dois não teríamos democracia: ela funciona quando existem mais lados tentando solucionar as coisas. Por isso, eu sempre lutei por uma democracia pluripartidária.

Mas o senhor acredita que o país está dividido em dois lados?

Infelizmente. Ele não pode ficar dividido em dois, deveria ter diálogo em vários lados para que funcionasse. Apenas dois partidos hegemônicos ou só duas correntes faz mal para o país. Eu sou a favor de, no mínimo, oito bons partidos.

Essa divisão é sentida na Igreja?

Quando a igreja toma o lado da direita ou da esquerda e não consegue descobrir o meio-campo, ela está canonizando somente os dois pontos. No futebol, se jogar somente pela esquerda ou pela direita não haverá jogo, na vida também é assim.

A Igreja tomou algum lado?

Ela não pode ser neutra. Mas também não pode escolher somente um lado. Se for neutra, está parada, mas se for capaz de se movimentar e orientando os lados, ela vai funcionar melhor. A vida tem também centros e a capacidade de buscar a centralidade, equilibrar a esquerda e a direita.

Como o senhor avalia as redes sociais? Elas estão ajudando as pessoas ou atrapalhando?

As redes sociais têm muitas coisas boas e coisas más. Devemos aproveitar o lado bom delas, alertam as pessoas para perigos gravíssimos e para disfunções políticas gravíssimas. Por outro lado, tem o lado negativo que, às vezes, se alerta de maneira errada para a situação do país. Quando é briga política, os dois lados podem estar errados, e quem mais grita, mais consegue. É preciso alertar o povo para não seguir um partido, uma só ideologia, mas olhar dois lados, três ou quatro lados para escolher o melhor.

O senhor é considerado um precursor da linha dos padres cantores, como Marcelo Rossi e Fábio de Melo. No entanto, com as redes sociais, muitos são criticados e acusados de exibicionismo. Como o senhor vê essa postura, o comportamento e as críticas?

Eu respeito, alguns foram meus alunos como o padre Fábio de Melo. Eu escolhi trabalhar somente com mídia católica porque queria fortalecê-la. Eu sabia que era bem conhecido e achei que poderia ajudar. Se os outros padres acharam que deveriam trabalhar com outras mídias, eu respeito. Não critico.

Em setembro de 2012 o senhor sofreu um AVC e ficou sem falar por sete meses. Alguns anos depois, como está o seu ritmo em relação à música e à literatura? Tem mais algum livro para ser lançado?

O AVC deixou marcas em mim, mas estou podendo falar bem, me recuperei. Eu tinha perdido a fala, agradeço muito a Deus porque me deu essa graça de volta. Eu estou moderando porque tenho o tratamento de câncer há seis anos, mais o pós-AVC e o do diabetes. Eu não posso mais fazer um trabalho tão intenso como fiz durante 45 anos. Cabe a mim cuidar mais da saúde; naquilo que eu posso ajudar a Igreja, eu faço. Sou um professor, um pensador e um motivador com minhas orações, escritos, intervenções e, eventualmente, com palestras e lançamentos, mas sempre com a moderação que a saúde permite. A nossa casa de Taubaté está completando 100 anos, escolheram o dia do meu aniversário para a comemoração, 8 de junho. Eu não vou cantar, eles cantarão por mim.

O senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

Eu gostaria de terminar com uma frase: enquanto houver divisões, não haverá diálogo. O diálogo vai aceitar a diferença, mas não aceitará as divisões. Há uma diferença entre ter opiniões diferentes e agredir o outro porque ele pensa diferente.

LETRA DA MÚSICA

“Mariana & Brumadinho”

 Em busca de minerais

Toneladas de minerais

Mataram milhões de animais

Milhões de vidas morreram

O profeta falou, o meu povo alertou

Centenas de vidas morreram

Dois rios morreram

E a lama avançou qual dilúvio infernal

Acidente não foi, sabiam que não

Mas tinham que produzir, tinham que produzir

Mariana, Brumadinho

Profetas falaram, mas os grandes não ligaram!

Profetas falaram, mas os grandes não ligaram!

Em busca de minerais

Toneladas de minerais

Mataram milhões de animais

Milhões de vidas morreram

Cientista falou, e o meu povo alertou

E a fauna e a flora morreram

Mariana, Brumadinho

Profetas falaram, mas os grandes não ligaram!

Profetas falaram, mas os grandes não ligaram!

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