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A falsa cura do autismo: grupo na Serra vende MMS para todo o Brasil

A falsa cura do autismo: grupo na Serra vende MMS para todo o Brasil

Kit vendido a partir de R$ 90 é composto de água sanitária

Publicado em 28 de maio de 2019 às 00:21

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Kit de desparasitação comprado pela reportagem na Serra vem com seis frascos com produtos tóxicos. (Marcelo Prest)

“O primeiro passo é você desparasitar ele. Precisa matar o verme porque o autista já foi pesquisado e ele tem problemas muito comuns de verme.” Essa é a afirmação de Jorge Gonçalves, como é identificado um morador da Serra, que, sem saber que estava sendo gravado, indicou por telefone para a reportagem do Gazeta Online o uso de um falso remédio, o "MMS", composto por dióxido de cloro para o tratamento e, até mesmo, a cura do autismo.

A reportagem já estava apurando a comercialização feita na Serra antes mesmo da denúncia sobre o uso da substância por pais de autistas feita no programa “Fantástico” no último domingo (26).

O QUE É MMS

O dióxido de cloro é uma substância química presente na composição de alvejantes que se tornou conhecido na internet como MMS, sigla em inglês que significa “solução mineral milagrosa”. O MMS tem sido disseminado e comercializado por Jorge e outros administradores em grupos privados no Facebook e WhatsApp.

O Gazeta Online descobriu que o morador da Serra vende o produto com a ajuda de seu filho Ângelo para diversos Estados no país. A solução chamada de “Kit de Desparasitação” é enviada pelos Correios e vendida com valores a partir de R$ 90.

“Tenho um grupo de 80 mil pessoas no Facebook. É muita gente. Esse de 80 mil é de medicina avançada. Tem muitos depoimentos lá”, disse Jorge, no primeiro contato por telefone com a reportagem.

SUBSTÂNCIA É TÓXICA

Segundo especialistas, o MMS não possui efeito medicinal e pode trazer sérios riscos para a saúde. Ele é obtido pela junção do clorito de sódio, usado para branquear produtos e descolorir papel, e também por ácido clorídrico, usado na obtenção de corantes e no polimento de metais. Ou seja, é uma substância altamente tóxica para o organismo humano e pode provocar lesões graves no esôfago, quando ingerido pela boca, e para o intestino, quando aplicado no ânus (que é uma das formas de utilizar o produto).

Aspas de citação

Isso é altamente tóxico para o organismo e sem dúvida nenhuma pode matar uma pessoa. Pode perfurar o intestino com gravidade

Felipe Bertollo Ferreira,gastroenterologista, professor e mestre pela Santa Casa de SP
Aspas de citação

Além disso, para a psicanalista Bartyra Ribeiro de Castro, o autismo não tem relação alguma com vermes e tratá-lo como doença é uma situação absurda. “Não acreditamos de forma nenhuma que autismo tenha a ver com vacina, com questão de vermes. Não existe cura e é preciso ter muito cuidado com essas promessas de tratamento não comprovadas”, descreveu Bartyra.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já havia proibido a comercialização, a distribuição e o uso do falso remédio em território nacional para este fim. Desde 2010, o Departamento de Saúde dos Estados Unidos também adverte os consumidores sobre os danos graves que a solução pode causar e alerta que, no caso de tratamento para autismo, o produto não se mostrou seguro ou eficaz. Mas, mesmo assim, sua utilização foi propagada em diversos países.

INVESTIGAÇÃO

A reportagem do Gazeta Online foi aceita em um dos grupos do Facebook que contém mais de 4 mil participantes e outro do WhatsApp chamado “Desparasitação 14”, ambos criados por Jorge, que se identifica nas redes como Jorge Terapias. Nos ambientes virtuais, é frequente a chegada de novos participantes desesperados pelo produto. Querem saber de imediato para que serve, e são bombardeados com vídeos gravados por youtubers e textos intitulados de artigos científicos.

A todo momento uma das moderadoras do grupo indica o número de telefone de Jorge Gonçalves para que os participantes possam comprar o MMS. A reportagem entrou em contato com ele diretamente por seu número de WhatsApp e se passou por irmão de autista em busca de informações.

Jorge explicou o funcionamento do produto e disse que seria possível enviá-lo pelos Correios ou entregar pessoalmente o kit (composto por seis frascos) em sua residência na Serra. A última opção foi a escolhida pela reportagem, que comprou o MMS das mãos de Jorge na manhã desta segunda-feira (28).

O OUTRO LADO

Momento em que o MMS é entregue na Serra . (Reprodução)

Depois que o repórter comprou o produto se passando por um cliente diretamente na casa de Jorge Gonçalves, na Serra, o Gazeta Online voltou a fazer contato com ele, pedindo explicações e uma entrevista. A conversa durou pouco mais de dois minutos. Ele afirmou que não vende o produto desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a comercialização da substância, em junho do ano passado. Jorge, contudo, admitiu que chegou a vender o MMS depois que ele mesmo fez uso dos frascos para tratamento de conjuntivite.

Ao ser questionado se ele mesmo produzia a substância, Jorge encerrou a conversa, afirmando que todas as informações já tinham sido passadas. A entrevista com Jorge foi feita nesta segunda-feira (27), no mesmo dia em que a reportagem comprou o kit de MMS das suas mãos. Na mesma tarde, o Gazeta Online também fez contato com o filho dele, Ângelo, que pediu para que retornássemos depois, uma vez que ele estava com pressa para despachar o kit de MMS antes do fechamento de uma agência dos Correios.

ENTREVISTA COM JORGE GONÇALVES

Nesta segunda-feira (27), nós tivemos acesso ao kit de MMS que foi vendido pelo senhor. Ainda comercializa o produto?

Eu já parei.

Mas o senhor comercializa?

É. Mas eu já parei. Parei devido a esses problemas que estão acontecendo. Essas mensagens, essas notícias na televisão, aí já era. Acabou.

O senhor parou de vender quando?

Tem tempo… Desde quando começou a proibição a gente parou. Quando tiraram dos sites de venda na internet.

O Gazeta Online comprou o MMS nesta segunda-feira (27) com o senhor.

Hoje? Pode ter comprado de outra pessoa. Não foi comigo.

Por que o senhor chegou a comercializar o produto?

Porque eu vi o doutor Lair Ribeiro falando que era bom, achei interessante, usei em mim mesmo e vi benefícios, aí comecei a trabalhar com isso.

O senhor usou para qual tratamento?

Conjuntivite, para tratar um problema pulmonar que eu tenho. Aí dei uma melhorada fantástica.

O senhor mesmo começou a produzir para vender para outras pessoas?

Olha, eu não gosto de entrar em detalhes com você. A informação dada é essa. Tchau.

Origem

Estados Unidos

O MMS foi criado pelo americano Jim Humble ex-membro da Cientologia – grupo religioso dos Estados Unidos que afirma que a mistura poderia curar diversos tipos de doenças, como hepatite, diabetes, esclerose múltipla, doenças infecciosas, tosse, gripe, resfriados, malária autismo e até câncer e Aids.

No Brasil

Pais de crianças com autismo estão comprando a substância com a promessa de cura do transtorno que, segundo os médicos, não existe. Eles estão dando aos filhos uma solução vendida como medicamento, mas que, na verdade, não passa de uma substância química que é equivalente a água sanitária.

Na Serra

Envio pelos Correios

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O Gazeta Online descobriu que um morador da Serra e seu filho vendem o produto e enviam pelo correio para diversos Estados no país. O “kit de desparasitação” é vendido a partir de R$ 90.

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