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Decreto das armas pode reduzir pena de prisão para criminosos

Decreto das armas pode reduzir pena de prisão para criminosos

Permissão para uso de armas antes restritas abriu brecha. No ES, há 513 pessoas respondendo pelo crime de porte ou posse de arma de uso restrito

Publicado em 11 de maio de 2019 às 02:08

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Cela vazia: criminosos que antes ficariam presos por mais tempo poderão pedir redução de pena. (Fernando Madeira)

Presos em todo o Brasil que respondem por crime de porte ou posse de armas ou munições de uso restrito poderão se beneficiar com o decreto presidencial de armas publicado na última quarta-feira. Especialistas afirmam que muitas pessoas podem ter as penas reduzidas, progredir de regime e até serem soltas por conta dessa medida.

O decreto incluiu algumas armas que antes eram de uso restrito das forças de segurança no rol das armas de uso comum. Entre elas, estão as pistolas .40 e 9mm, reservadas anteriormente para as polícias e Forças Armadas. "Essa alteração modifica consideravelmente o modo com que alguns casos serão tratados. Como o porte de arma (poder andar na rua armado) de uso comum tem pena menor – 1 a 3 anos de prisão contra 3 a 6 anos no caso de armamentos de uso restrito –, isso vai levar o sujeito a progredir de regime ou até ser liberado, dependendo do tempo que já cumpriu", explica o professor de Direito Penal e advogado Israel Domingos Jorio.

O professor faz uma ressalva: aqueles que respondem ou foram condenados por porte ou posse de armas de cano longo ou de repetição automática – como fuzis e metralhadoras – não serão beneficiados, pois essas armas seguem sendo de uso restrito.

CADEIA

No sistema penitenciário do Espírito Santo há 513 pessoas respondendo pelo crime de porte ou posse de arma de fogo de uso restrito, crime previsto no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento, segundo a Secretaria de Estado da Justiça. No entanto, não é possível precisar o tipo exato de armamento que portavam quando detidos e se todos poderão se beneficiar da mudança feita no decreto presidencial.

Para o professor de Direito Penal, a medida causou confusão e conflitos. “Eu sou a favor da liberação, mas um decreto não é o caminho ideal. Medidas afobadas causam confusão e conflitos de norma”, diz.

O especialista em Ciências Criminais Rusley Medeiros esclarece que, desde 2017, o porte ou posse de arma de uso restrito é considerado crime hediondo, ou seja, o delegado não pode arbitrar fiança, o condenado sempre começa a cumprir a pena em regime fechado e tem mais dificuldade para ter progressão de pena.

“Agora, uma pessoa presa com uma pistola .40, se for réu primário, não vai presa na hora. Se condenado, sequer pegará regime fechado ou semiaberto, há grandes chances de ser convertido em pena restritiva de direitos (penas alternativas)”, afirma.

Para o especialista, houve uma “falha técnica” na elaboração do decreto. “Ao tentar ajudar a população de bem a ter acesso à arma de fogo, acabou, de certa forma, beneficiando os criminosos”, diz.

PROCESSOS

A professora Margareth Vetis Zaganelli, do Departamento de Direito da Ufes, alerta que o decreto presidencial atinge, além dos presos, milhares de processos ainda em andamento em todo o Brasil.

Ela explica que, se o decreto for mantido, ele faz sérias alterações nos artigos 12 e 14 (sobre o que é considerado crime em relação a armas comuns) e também 16 (o mesmo com relação a armas restritas) do Estatuto do Desarmamento, que constam em ações movidas na Justiça brasileira.

“Isso repercute em milhares de processos judiciais que envolvem essa temática no país. Processos em andamento e até mesmo os casos já condenados em nos crimes previstos nos artigos 12, 14 e 16 do Estatuto do Desarmamento. Essa alteração pode atingir um número incontável de pessoas, milhares de processos no Brasil”, alerta.

MUDANÇA

USO RESTRITO

Decreto

O decreto presidencial alterou os critérios para armas consideradas de uso restrito e de uso comum.

Mais tipos

Com a mudança, armas como pistolas .40 ou 9mm passaram a não ser mais exclusivas das forças de segurança.

ESTATUTO DO DESARMAMENTO

Comum

O estatuto prevê pena de prisão de um a três anos para porte (andar com arma na rua) ou posse (ter arma em casa) irregular de arma comum.

Restrito

No caso de arma ou munição de uso restrito, a pena vai de três a seis anos.

CONSEQUÊNCIA

Cadeia

Os presos por portar armas que antes eram restritas e que, após o decreto, passaram a não ser, poderão pedir que a pena seja redimensionada.

Exemplo

Uma pessoa que cumpre pena por porte de uma pistola .40, pode pedir que a pena seja revista diante do novo decreto, e pode ser solto caso o tempo que já passou detido seja maior ou igual ao da nova pena.

POLICIAIS DO ES JÁ SEGUEM O DECRETO

O decreto das armas, publicado na última quarta-feira, já tem efeito prático no Estado. Ontem, uma dupla de traficantes foi detida com munições 9mm. Antes da decisão presidencial, eles seriam autuados por porte de munição de uso restrito, que tem pena de até seis anos de prisão.

No entanto, eles foram autuados por portar munição de uso comum. “Já fizemos a autuação em cima do decreto, já que ele entra em vigor automaticamente após a publicação”, afirma o delegado Fabrício Dutra, do Departamento Especializado de Narcóticos (Denarc).

Até a última quarta-feira, a utilização de armas e munições 9mm eram restritas às Forças Armadas brasileiras e aos agentes da Polícia Federal.

Dutra não deu detalhes sobre as circunstâncias da detenção dos criminosos, mas afirmou que, como eles também portavam drogas, foram detidos. “Se estivessem só com as munições, pela nova norma, talvez fossem liberados”, diz. A punição para posse de munição de uso comum é de, no máximo três anos.

O delegado reitera que, mesmo com a mudança, a polícia não vai deixar de autuar. “Só que será autuado por uso permitido, onde a punição é menos severa”, completa.

RECEIO

O secretário de Segurança Pública do Espírito Santo, Roberto Sá, afirma que vê com preocupação o decreto de armas. “Tenho receio dessa liberação excessiva, não só das armas mas das munições”, diz.

Segundo ele, há estudos que mostram que mais armas em circulação fazem aumentar também os crimes violentos. ”A gente teme pelas pequenas discussões, aquelas no trânsito, no bar, discussões, domésticas, dentro de casa”, enumerou.

Roberto Sá determinou que o responsável pela delegacia especializada no combate ao tráfico de armas - prevista para começar a atuar no segundo semestre – faça um relatório sobre o uso das armas no Estado. A intenção é fazer um “raio-X” do fator arma de fogo nos crimes praticados.

O secretário reiterou que, apesar da preocupação pessoal, vai cumprir o que prevê o decreto presidencial. “Lei a gente cumpre. Nós vamos cumprir com rigor e nós vamos torcer para dar certo.”

SAIBA MAIS

Potência das armas
Como era: Só poderiam ser adquiridas por civis, armas com potência de até 407 joules.

Como ficou: Passou a ser permitido a compra de armas de até 1.620 joules.

Joules
É a medida da energia cinética produzida pelo armamento. A energia cinética é calculada em função do peso da munição e de sua velocidade ao ser disparada – e pode variar, dependendo prolongamento do cano da arma e de outros fatores, como o tipo de munição utilizada.

Eram armas restritas e viraram comuns
Pistolas calibres 357, .40 (usado pelas polícias), 9 mm (de uso de polícias federais) e .45 (empregado pelos militares do Exército);

Revólveres calibre 44 e carabinas semiautomáticas de calibres .40 e 9mm

Uso restrito
Continuam totalmente proibidas: Armas longas de grosso calibre e potencial lesivo, como fuzis, submetralhadoras e metralhadoras de calibres .30 e .40 – que são de uso restrito das Forças Armadas, mas que também são encontradas com criminosos.

Hediondo
Porte e posse: O porte e a posse irregular de arma restrita é considerado crime hediondo desde 2017.

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Restrições: Crimes hediondos recebem tratamento mais severo: o condenado deve cumprir a pena inicialmente em regime fechado e tem mais dificuldade para conseguir progressão de pena.

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