Eram mais ou menos 7h desta quinta-feira (16) quando Luciano Chagas Silvério, 33 anos, estava a caminho de Vitória e recebeu uma ligação do hospital. Quando tinha 25 anos, ele foi diagnosticado com uma doença renal que o obrigava a se submeter à hemodiálise três vezes na semana. No telefonema, uma das melhores notícias que poderia receber em uma manhã despretensiosa: Achamos um rim compatível para você fazer o transplante. Se não bastasse, a segunda frase da conversa foi: E temos um para o seu irmão também. No fim da tarde, os dois entraram em cirurgia para receber os órgãos de uma mesma doadora.
Luciano e o irmão, Adriano Chagas Silvério, de 32 anos, têm a mesma insuficiência renal e há oito e 12 anos, respectivamente, iam às segundas, quartas e sextas filtrar o sangue em máquinas coisa que o rim deles já não fazia há muito tempo. Fazer a hemodiálise é muito ruim. Acho constrangedor e é uma situação muito complicada, lamenta Adriano.
Quando recebeu o telefonema, Luciano não pensou duas vezes em dizer que aceitava a cirurgia. Correndo, voltou para Movelar, bairro de Linhares onde moram os irmãos, para buscar Adriano e ir correndo para o Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV), onde as cirurgias foram feitas.
A relação dos dois é de uma forte ligação. Tanto que moram na mesma casa e decidiram enfrentar o problema juntos. Eu fui diagnosticado primeiro. Depois, o meu irmão foi. Quando isso aconteceu, decidimos que íamos enfrentar tudo juntos, porque acreditamos que seria mais fácil de lidar com os obstáculos, diz Adriano.
A DOADORA
A doadora dos rins é uma jovem, de 28 anos, que morreu na noite da última quarta-feira vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Queria conhecer a família para agradecer, porque pouco se fala da importância da doação, comenta Adriano.
O ALÍVIO
Cada um dos irmãos tem três filhos e esposa. Segundo eles, é um alívio para a família e amigos saber que a partir dos próximos dias podem ficar tranquilos sem depender da hemodiálise. Estamos muito felizes. Queremos comemorar quando sairmos do hospital e com todos. Quero viajar, conhecer o Brasil, não ficar mais preso a uma máquina, diz Adriano.
SINTOMAS
Tanto Adriano quando Luciano se sentiam com um cansaço fora do normal, tinham náuseas e às vezes até dores em algumas partes do corpo. Adriano descobriu a doença crônica aos 19 anos e começou a tratar desde então. À época, também entrou para a lista de espera por transplante de rim. Anos depois, reparou que o irmão, então com 25 anos, estava com sintomas suspeitos e o recomendou um especialista.
Fiz exames, os resultados mostraram o problema e até repeti algumas análises, lembra Luciano. Em seguida, ele também começou a fazer a hemodiálise e entrou para a fila da doação de órgãos.
Para os dois, o transplante era a esperança maior. Mesmo com a diálise temos muitas restrições. Nem água à vontade podemos tomar, conta Luciano.
CASO DE COMPATIBILIDADE É RARO
O caso dos irmãos não é inédito, mas é bastante raro. É que não é comum um mesmo órgão servir para duas pessoas que têm um parentesco tão próximo, como é o caso de Adriano e Luciano.
Isso aconteceu, de eles conseguirem essa compatibilidade, porque a carga genética deles é idêntica. O que também indica que esse problema deles pode ter um fator da família, esclarece e nefrologista Luciana Assis, que é coordenadora do Centro de Nefrologia do Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV). Ela que geriu a entrada dos dois no centro cirúrgico do local.
De acordo com a médica, assim que chegaram lá os irmãos foram submetidos a exames que mostraram que eles realmente podem passar pela cirurgia. Em seguida, começaram os procedimentos para que o transplante fosse feito. Cada cirurgia dessa pode durar até quatro horas, dependendo da complexidade.
NÃO É CURA
Segundo a nefrologista, o fato de eles realizarem o transplante não exclui futuros cuidados. Isso porque, de acordo com a especialista, essa cirurgia não é a cura para a doença renal. Eles terão que continuar acompanhando a saúde deles e também tomarão remédios imunossupressores, para evitar a rejeição do novo órgão, que farão com que o sistema imunológico deles seja mais frágil, ou seja, sempre de olho, relata.
Ela detalha que o que melhora muito é a qualidade de vida dos pacientes transplantados. Segundo a médica, eles terão mais liberdade para se alimentar, já que hoje até a água é contada, e também ficarão livre para viajar quando quiserem. Os pacientes que fazem os outros tratamentos, como a diálise, têm que ficar presos às máquinas, porque dependem delas. O órgão novo dá essa liberdade, que é muito bom em todos os casos. Mas não é cura, reitera.
Luciana comenta que logo após à cirurgia os irmãos farão consultas duas vezes por semana e, depois, acompanhamento mensal.
PAI E AVÓ TINHAM MESMA DOENÇA
Adriano e Luciano não são os únicos da família que enfrentam os problemas renais. Antes deles, o pai dos dois e a avó também lutaram contra os males da doença crônica até morrerem. O pai até chegou a fazer transplante, mas não resistiu.
A nefrologista esclarece que, nesse caso, há um forte indício de que, mesmo crônica, a doença pode ter um aspecto genético na família dos irmãos.
Cada um dos dois tem ainda três filhos. Todos passaram a fazer exames periódicos para monitorarem a saúde depois que Adriano e Luciano foram diagnosticados com a insuficiência.
Luciano lembra que o pai deles fazia hemodiálise no Hospital Evangélico de Vila Velha (HEVV) e chegou a ser submetido à cirurgia no mesmo local. A avó só passava pelas sessões de diálise.
Nosso pai teve esses mesmos sintomas e, anos depois, a nossa avó também descobriu a doença igual. A avó foi diagnosticada mais tarde, mas também conseguiu chegar a iniciar o tratamento, detalha.
Ainda com esse histórico, os irmãos garantem que têm esperança e comemorarem a chegada dos rins. Estamos felizes, em festa e com muita esperança. A vida vai ser diferente, comemoram.
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