Por volta das 3h da manhã do dia 30 de setembro de 2013 Maria Madalena Alcântara recebeu uma ligação de um hospital em Vila Velha e perguntaram: "Você conhece Roberto Alexandre Alcântara?". Ela conhecia.
Ele era o filho que, na noite anterior, tinha saído para ir a uma festa, na Praia da Costa. Foi agredido, teve os dois lados do maxilar quebrados e o queixo partido em três partes. Tudo porque um cidadão não aceitou a orientação sexual do rapaz, que morreu em 2016 vítima da depressão que desenvolveu após o ataque homofóbico.
Ele é só um dos milhares de homossexuais que compõem a triste estatística de agressões por homofobia no Espírito Santo e no Brasil. Em entrevista exclusiva à reportagem, Madalena detalha como era Roberto, como ele se assumiu para a família e de que forma foram os primeiros passos dele depois dos socos e chutes que levou de um agressor, que por falta de uma lei eficaz está solto pela Grande Vitória até hoje.
Como foi a agressão?
Ele estava a caminho da boate Rouge, em Vila Velha, em setembro de 2013. Nesse dia tinha uma festa que ele gostava e ele tinha falado que tinha chamado um táxi. Quando chegou na rua da boate, percebeu que tinha muito carro ali na região e decidiu saltar do táxi e foi andando. Nisso ele só viu quando uma pessoa foi para cima dele com um soco, jogou ele no chão e ele ficou desmaiado. Estava sozinho nessa ocasião.
Ninguém o ajudou?
O cara que agrediu foi embora. Ele ficou lá caído e foi um senhor porteiro que o viu e decidiu colocá-lo na calçada, porque ele estava no meio da rua. Ai chamou a ambulância e ele foi socorrido.
Como você ficou sabendo?
Ai quando foi de madrugada de alguma forma conseguiram me localizar e me ligaram. Ele ficou no Hospital Vila Velha. Era umas 3h e falaram: 'Roberto Alexandre Alcântara. Você conhece?'. Ali eu já fiquei gelada. Eu sai louca de casa e quando cheguei lá ele nem tinha conseguido dar entrada ainda. Estava todo 'quebrado', sangrando em cima de uma maca.
Como ele se machucou?
Ficou com o maxilar quebrado dos dois lados e o queixo em três partes. O hospital não tinha um bucomaxilo e eu mesma paguei um particular para ir lá. A médica teve que colocar uma série de placas metálicas para refazer o rosto e ele ficou lá uns dias.
E o que vocês fizeram depois disso?
Quando ele saiu do hospital, nós fomos à delegacia fazer um boletim de ocorrência. Na ocasião a delegada achou tão absurda a história que ela pediu imagens do videomonitoramento de Vila Velha e conseguiu até uma gravação com áudio de algum estabelecimento. Ai tem tudo isso anexado no processo. O agressor foi identificado e preso.
Ele continua preso?
Não. Uma semana depois ele saiu porque o advogado conseguiu tirá-lo. Nem sei se ele sabe que o meu filho morreu. Eles tentaram até fazer uma negociação com meu filho para ele não fazer queixa, mas meu filho denunciou, sim. Meu filho quis e abriu o processo.
Seu filho não preferia esquecer tudo?
Não era questão de esquecer. Não era questão de dinheiro. Era de respeito. Ele abriu o processo e quando ele morreu eu tomei parte, que é o que está em processo agora. Eu vou continuar representando ele na Justiça e tenho esperança de que o agressor pague pelo que ele fez.
A lei ajudaria nesse caso?
Claro! Agora, sendo lei, tenho ainda mais esperança. Passei a ser autora do processo e serei a primeira pessoa do Espírito Santo a conseguir ganhar um processo por homofobia. Tenho certeza. O que nós queremos é que ele pague na Justiça. Nem me interessa dinheiro, só a Justiça.
E como foi quando ele se assumiu?
Desde os 18 anos ele se assumiu para a família. A princípio teve um problema com o pai, acabou saindo de casa e eu sai também. Fui atrás dele, me separei do meu marido por causa dele e ficamos juntos até ele ir morar sozinho com o companheiro dele. Ele era professor, diretor de faculdade, professor do Ifes e dava aulas particulares. Uma pessoa bem resolvida na vida, com uma vida completa.
E como seu filho morreu?
Depois do trauma ele nunca mais foi o mesmo. Ele morreu vítima da depressão que teve depois da homofobia. Ele ficou em casa. Ele preferia ficar em casa a fazer qualquer coisa.
Como descobriu que ele estava morto?
Ele tinha sumido há um tempo e todos da família estavam atrás dele. Meu irmão foi atrás da casa dele, chamou um chaveiro para abrir a porta e viu o corpo dele jogado no chão. Quando ele veio falar comigo pelo rosto dele eu sabia que o Roberto tinha morrido. Depois disso não lembro de mais nada. Só sei que no outro dia estava no cemitério enterrando o meu filho.
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