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Traficante: aumento de pena mínima para oito anos

Traficante: aumento de pena mínima para oito anos

Mudança na punição mínima divide opinião de especialistas

Publicado em 17 de maio de 2019 às 02:13

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Cela: pena mínima de prisão atualmente é de cinco anos para quem é traficante. (Schutterstock)

O projeto aprovado pelo Senado na quarta-feira (15) que altera a Lei de Antidrogas prevê o aumento da pena mínima para o traficante que comandar organização criminosa, de cinco para oito anos. A máxima é 15 anos. A proposta divide opiniões: especialistas em segurança públicas afirmam que esse endurecimento não ajuda na redução da criminalidade, já agentes de segurança defendem a punição maior.

Para o professor de Direito Penal e criminologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) Tiago Fabres o projeto é um retrocesso. “A política antidrogas será um fracasso permanente se ela ainda ficar atrelada a um modelo norte-americano (com penas mais duras) que até está sendo revisto. Esse enfrentamento é um caminho equivocado. A lei de 2006 já aumentou a pena. Eram três anos e passou para cinco anos e não se resolveu em nada. Vai explodir o encarceramento no Brasil, que já está caótico. Vai produzir um caos imediato”, crítica.

Diferente da análise do professor, o delegado do Departamento Especializado em Narcóticos (Denarc), Fabrício Dutra, afirma que a proposta é pertinente, tendo em vista o avanço do tráfico de drogas nos últimos anos. “Quem trabalha contra o tráfico de drogas sabe que ele avançou muito ao longo dos anos. Esse projeto é um recado claro que o caminho das drogas tem punição. Temos que impor sanções pesadas, porque com o tráfico vem homicídios, tráfico de armas e contrabando”, defende.

EQUÍVOCO

Já segundo o professor em Direito Penal da Faculdade de Direito de Vitória (FDV) e advogado Israel Domingos Jorio, a insistência na prisão como principal arma de combate ao tráfico ilícito de entorpecentes representa um imenso equívoco, tendo em vista os resultados para se segurança pública com o grande número de encarcerados por tráfico que existe no Brasil.

“Dos 800 mil presos no Brasil, há quase 300 mil encarcerados por tráfico, e os problemas ligados a esse tipo de crime estão longe de serem resolvidos. O Estado aposta apenas na guerra. Mais mortes, mais prisões, mesmos resultados. Estratégia falida em toda a América Latina e comprovadamente ineficaz no Brasil”, disse Israel.

A tese de fracasso da proposta também é defendida pelo também professor de Direito da FDV Felipe Teixeira Schwan. Segundo ele, a história do Direito Penal mostra que é uma utopia o legislador achar que com o aumento de penas vai resolver os problemas na segurança pública.

“Os níveis de crimes continuarão aumentando. É a utopia do legislador que acha que vai resolver os problemas aumentando a pena. Está fadado ao fracasso de tudo que temos na realidade social. Ninguém vai deixar de chefiar uma organização criminosa por saber disso. Não vai fazer diferença alguma por conta desse histórico que temos verificado ao longo dos anos”, argumenta o professor.

REDUÇÃO

A proposta prevê uma atenuante na lei para a não aplicação de grandes penas a pequenos traficantes. Para o acusado que não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou se as circunstâncias dos fatos e a quantidade de droga apreendida demonstrarem menor potencial lesivo da conduta, a pena foi reduzida de um sexto para um terço.

“Todo esforço no sentido de diferenciar e dar tratamento proporcional a autores de crimes menos lesivos é elogiável. A equiparação de agentes que comandam organizações criminosas com traficantes individuais ou meros instrumentos do tráfico é injusta e prejudicial, pois conduz a superlotação e a contágio carcerário. Mistura de condenados de alta periculosidade com pequenos infratores”, elogia o professor Israel.

PROJETO NÃO APONTA QUANTIDADE DE DROGA PARA TRÁFICO

O projeto aprovado pelo Senado que altera a Lei de Antidrogas não apresenta critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes. O texto não estabelece a quantidade que seria para consumo próprio e o que caracteriza tráfico, situação que caberá ao juiz definir.

Segundo o professor de Direito Penal da FDV e advogado Israel Domingos Jorio, o projeto pode provocar discrepâncias no entendimento de magistrados e favorecer injustiças. “Nunca houve, no Brasil, critérios claros o suficiente para essa diferenciação. Essa deveria ser a prioridade de qualquer reforma. É a partir dessa falha que se operam a maioria das injustiças, que levam a perseguições e exclusões de desfavorecidos, de um lado, e a impunidade de poderosos, de outro”, critica.

O professor Felipe Teixeira Schwan também defende que a proposta é subjetiva e corre o risco de ser aplicada de forma diferenciada por classe social. “O legislador deve buscar critérios objetivos possíveis para evitar que a lei seja aplicada de forma diferenciada e impedir os preconceitos. Uma diferenciação de tratamento que muitas vezes ocorre dependendo da classe social”, disse.

Para o delegado do Departamento Especializado em Narcóticos (Denarc), Fabrício Dutra, essa diferenciação não deve ocorrer, pois ele acredita na especialização dos profissionais que atuam na segurança pública. “Um policial especialista conhece o traficante por uma série de perguntas que faz. Sabemos diferenciar se ele é usuário ou não. Os profissionais de segurança são preparados e não vão ter grandes dificuldades de distinguir o médio e o grande traficante”, afirmou o delegado.

Ele destaca a atuação da Polícia Civil nas investigações e diz que o juiz irá analisar um conjunto de provas colhidas e não apenas a quantidade de drogas apreendida. “Em termos de polícia judiciária, o departamento que vai dar um flagrante já tem uma investigação. Há provas que demonstram o tráfico quando chegamos para efetuar a prisão. Os perfis são bem diferentes”, defende.

PONTO A PONTO DO PROJETO

Penas

Tráfico de drogas

Agrava penas do acusado que atue no comando individual ou coletivo de organização criminosa. A pena mínima passa de cinco para oito anos de reclusão. A pena máxima permanece em 15 anos. O texto do projeto também reduz de um sexto a dois terços quando o acusado não for reincidente e não integrar organização criminosa, ou se as circunstâncias e a quantidade de droga apreendida demonstrarem o menor potencial lesivo. Caberá ao juiz avaliar caso ao caso.

Reinserção social

Emprego e qualificação

O texto do decreto prevê uma reserva de 3% das vagas em licitações de obras públicas com mais de 30 postos de trabalho para pessoas atendidas por políticas sobre drogas. Também determina a oferta de vagas aos usuários do Sisnad nos cursos de formação profissional e qualificação oferecidos pelo Sistema S.

Perdimento de bens

Carro, barcos e aviões para combate às drogas

Possibilita a venda de veículos, embarcações, aeronaves, máquinas, ferramentas, instrumentos e objetos de qualquer natureza usados no tráfico de drogas antes mesmo de promovida a denúncia. Os veículos poderão ser colocados, pelo juiz, à disposição da polícia, de comunidades terapêuticas e de outras entidades da sociedade civil atuantes no tratamento de dependentes.

Imposto de Renda

Incentivo fiscal

O projeto de lei permite a dedução do Imposto de Renda da pessoa física ou jurídica de até 30% de quantias doadas a projetos de atenção ao usuário de drogas, previamente aprovados pelo Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas. Outra forma de incentivo fiscal é a doação aos fundos federal, estaduais e municipais, cujo valor poderá ser deduzido do Imposto de Renda devido no limite de 1% (para empresas tributadas pelo lucro real) e 6% (para pessoa física).

Internação

Involuntária

O tratamento do usuário ou dependente de drogas deve ocorrer prioritariamente em ambulatórios, admitindo-se a internação quando autorizada por médico em unidades de saúde ou hospitais gerais com equipes multidisciplinares. Também é prevista a internação involuntária (ou seja, sem o consentimento do internado) de dependentes químicos por um prazo de até três meses, a pedido de um familiar ou, na falta deste, de servidor público da área de saúde, de assistência social ou de órgãos públicos integrantes do Sisnad. Atualmente, a Lei de Drogas não trata da internação involuntária de dependentes químicos. O dependente químico poderá ficar internado involuntariamente por até 90 dias. A família ou o responsável legal poderá pedir ao médico a interrupção do tratamento.

Semana nacional

Diálogo

Institui a Semana Nacional de Políticas sobre Drogas. Atividades de prevenção, de atenção à saúde e a divulgação de ações para estimular o diálogo e a inserção social de pessoas devem ser reforçadas na quarta semana do mês de junho.

Comunidades terapêuticas

Acolhimento

O projeto incorpora “comunidades terapêuticas acolhedoras” no Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas. As comunidades são definidas como pessoas jurídicas, sem fins lucrativos, que fazem o acolhimento do usuário ou dependente de drogas. A adesão e a permanência são voluntárias. Usuários que possuam comprometimentos de saúde ou psicológicos de natureza grave não poderão ficar nas comunidades. O ingresso nelas dependerá sempre de avaliação médica.

Plano Individual

Objetivos

Em qualquer caso de tratamento, deverá ser montado um plano individual de atendimento, elaborado com a participação dos familiares ou responsáveis. Devem constar do plano os resultados de avaliação multidisciplinar, os objetivos declarados pelo atendido, as atividades de integração social ou capacitação profissional, formas de participação da família e medidas específicas de atenção à saúde.

Informação e avaliação

União, Estados e municípios

A proposta estabelece que caberá à União criar e manter um sistema de informação, avaliação e gestão das políticas sobre drogas. O governo federal terá também de elaborar metas, prioridades e indicadores e adotar medidas para fortalecer a política nas fronteiras. Já os Estados terão de estabelecer e manter programas de acolhimento, tratamento e reinserção social e econômica. A elaboração de programas de prevenção caberá aos municípios.

Conselhos

Estudos e ações

O texto define como funcionarão os conselhos de políticas sobre drogas, que deverão ser instalados em cada ente federado. Os colegiados terão vários objetivos, como ajudar na elaboração da política para o setor, colaborar com os órgãos, promover

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estudos e propor ações de prevenção ao uso de drogas. Os integrantes dos conselhos serão escolhidos para mandatos de dois anos, de acordo com regras de um regulamento.

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