Michele Santos Souza Neres com a filha Maria Vitória
Michele Santos Souza Neres com a filha Maria Vitória. Crédito: Montagem A Gazeta

Três partos com filhos mortos e o choro da redenção: "Jamais desistiria"

Michele passou por quatro partos até conseguir ser mãe. Ela encontrou um obstetra que tinha uma história de vida parecida. Ele e a esposa perderam cinco bebês antes de terem duas filhas

Publicado em 08/05/2019 às 11h59
Atualizado em 17/04/2020 às 06h36

Michele Santos

Mãe

"Meu Deus, agora deu certo mesmo. Estou ouvindo o chorinho dela, ela está bem"

Depois de passar pelo quarto parto, finalmente Michele ouviu o choro da filha. Por três vezes, ela teve partos normais, mas não conseguiu ouvir esse som tão esperado. Todos os filhos nasceram mortos. Consecutivamente, de 2014 a 2016, ela engravidou e perdeu três bebês. Em 2019, pela primeira vez, vai passar o Dia das Mães com a Maria Vitória nos braços.

Em 2014, com dois anos de casada, a técnica em Segurança do Trabalho Michele Santos, 33 anos, decidiu engravidar do primeiro filho e logo conseguiu. Foi aquela festa. "Mas, com 20 semanas de gestação, entrando no quinto mês, acabei perdendo. Sentia cólicas, mas achava que era normal. Depois a dor aumentou muito".

Michele e o marido, o balconista Rondinele dos Santos, 38, moram em Pinheiros, Região Norte do Espírito Santo, e seguiram para o hospital da região. "Fui para o hospital de Pinheiros e constataram que o colo do útero já estava bem aberto. Lá me deram um remédio para a contração e me encaminharam para São Mateus, mas com o pedido para Colatina. O médico de São Mateus nem me atendeu porque o encaminhamento era para outra cidade", diz Michele.

QUEDA DA MACA

Ao seguir para Colatina, outro susto.

Michele Santos

Mãe

"Quando foram me colocar da maca do hospital para maca da ambulância, ela estava quebrada e acabei caindo. Quando cheguei em Colatina, o bebê já não tinha mais batimento"

"Fiquei lá para induzir o parto normal e nasceu morto. Era bem pequenininho. A médica explicou que a queda influenciou na perda, mas, mesmo se ele chegasse vivo, não iria suportar porque ele não estava totalmente formado", conta.

DESPEDIDA DO GUILHERME

A mãe pegou o filho nos braços e, em seguida, ele foi levado para a realização de exames. Estava tudo normal. "A gente ouve aquela velha história: 'vocês são novos, podem engravidar mais tarde'. Fiquei muito revoltada com a situação. Foi tudo muito conturbado. O médico de Pinheiros já tinha sido claro que eu estava perdendo o meu bebê e que ele não iria sobreviver. Em Colatina me atenderam muito bem. O nome do nosso bebê era Guilherme, meu marido sempre sonhou com esse nome", lembra.

OTÁVIO, A SEGUNDA PERDA

Seis meses depois, o casal tentou de novo e engravidou. Como acreditavam ter sido uma fatalidade a primeira perda, acharam que daria tudo certo na segunda. "Quando completei 20 semanas de novo, exatas, estava fazendo um ano que eu perdi o primeiro, perdi o segundo. Perdi do mesmo jeito. Senti umas dores. A princípio, é como se você tivesse vontade de ir ao banheiro. Foi tudo muito rápido".

"Primeiro vem uma dor, depois passou totalmente e, em seguida, voltou com mais intensidade. Nesse momento, já está muito dilatado. Eu tinha uma esperança ainda. O médico fez o toque e disse que não tinha mais jeito. Não tive reação, acho que fiquei em choque. Tive um parto normal."

Depois ela passou por uma curetagem (procedimento para limpar o útero) e foi para casa. Mas sangrava demais. "Procurei um médico e tive que fazer outra curetagem, para reparar a primeira, porque comecei a infeccionar".

O TERCEIRO ADEUS 

Em meio ao processo de luto, a técnica decidiu que só iria engravidar após saber o que tinha. Veio para Vitória, passou por vários médicos e fez diferentes exames até descobrir que tinha Incompetência Istmo Cervical (anomalia que causa abortos tardios e partos prematuros).

Com esse resultado, o médico explicou que seria necessário fazer uma cerclagem (procedimento que "costura" o colo do útero da gestante e ajuda a impedir o nascimento prematuro) na próxima gestação.

Sem planejar, ela engravidou. "Fui ao médico, expliquei o que tinha e pedi para ele fazer uma cerclagem. Ele falou que não podia fazer a cerclagem se na ultrassom não indicasse que o meu colo estava afinando. Quando não mostra, o médico tem que ir pelo histórico do paciente. Fiquei com medo, mas ele me disse que eu era saudável, que ia dar tudo certo, que era para eu confiar nele".

Com 17 semanas de gestação, aconteceu do mesmo jeito: Michele perdeu o bebê, fez uma curetagem e, mais uma vez, ela precisou repetir o procedimento, o quarto, depois dos dois últimos partos. A família não teve certeza de qual era o sexo do bebê. 

REENCONTRO

Ao voltar no hospital, encontrou o mesmo médico que não quis fazer a cerclagem durante a terceira gestação. "Falei que não queria ele, mas não tinha outro médico. Ele mesmo fez o procedimento. Quando estava no quarto, ele veio e disse que estava bem infeccionado e me perguntou por que eu não o procurei. Ele disse que aconteceu isso comigo porque eu estava com infecção urinária. Falei que tinha uma consulta com ele um dia depois, e eu tinha feito exame de urina para levar para ele e não deu nada. E disse para ele que, se talvez ele tivesse feito a cerclagem, como pedi, o meu filho estaria aqui. Nas outras visitas, vi a cara dele de arrasado", lamenta.

DESESPERO

Todas essas despedidas mexeram muito com as emoções da Michele. "Nas minhas orações, pedia a Deus que meus olhos não se perdessem dos Dele. Sabia que se me perdesse de Deus, iria fazer uma besteira. Tive vontade de pegar a BR e sumir. Queria conversar com o Rondi também para dizer que ele precisava de uma esposa melhor, uma esposa que desse filhos. Através de muitas orações das pessoas, que eu consegui continuar com os olhos fixos em Deus. Do contrário, eu não tinha aguentado a pressão", desabafa.

NOVO EMPREGO

Nesse processo de tentar ser mãe, Michele, que também é pedagoga, começou a trabalhar como auxiliar de professora em uma escola, com alunos de 2 anos de idade.

"Achava que não ia conseguir. A conclusão que tive foi que Deus me levou para lá para curar meu coração. As crianças me abraçavam, gostavam muito de mim. Foi aí que voltei a rezar. Antes, achava que Deus tinha esquecido de mim. Hoje entendo que não foi culpa de Deus".

SURPRESA

Prestes a trabalhar em uma empresa como segurança do trabalho e já cheia de planos com o salário, engravidou. Acabou não conseguindo o trabalho e, após muita pesquisa, encontrou um médico atencioso. Aí veio outra etapa: o repouso.

Maria Vitória, filha da Michele Santos. Crédito: Arquivo Pessoal
Maria Vitória, filha da Michele Santos. Crédito: Arquivo Pessoal

REPOUSO

Com três meses, ela fez a cerclagem e o obstetra pediu repouso moderado. Só que, quando ela estava entrando no quarto mês, o colo do útero começou a afinar. "A bebê estava sentada na boca do meu estômago. Comecei a não levantar mais. Fiquei de repouso total, a partir dos cinco meses. Só levantava para tomar banho e andava um pouco dentro de casa para ajudar na circulação e no psicológico".

Nessa fase, ela já havia se mudado para a casa do pais em Conceição da Barra, por conta do repouso absoluto. Como o marido precisava trabalhar, viaja todos os finais de semana para ver a esposa. Sem carro, ia com a motoneta deles, de ônibus, carona ou como desse. Mas sempre estava ao lado da esposa.

Michele Santos

Mãe

"Ele representou muita força. Em momento nenhum ele questionava. Não deixava transparecer medo. Perto de mim ele não demonstrava, passava muita força, muita esperança. Sempre ali comigo"

O PARTO

Com 35 semanas de gestação, no dia 16 de fevereiro, Michele começou a entrar em trabalho de parto. " Quando o médico retirou a Maria Vitória, falou que ela nasceu no tempo certo, no tempo de Deus. Ela já estava entrando em sofrimento e tinha engolido as fezes. Se fosse esperar até o dia 4 de março - data programada -, talvez ela não nasceria viva".

Michele Santos

Mãe

"Ela nasceu chorando. Na hora que eles colocaram ela pertinho de mim, ela parou de chorar. É um sentimento surreal"

"Faltava uma semana para completar 8 meses. Tomei antes a vacina para amadurecer o pulmão. Ela estava bem fortalecida. Não precisou colocar na Utin".

VEJA O MOMENTO DO NASCIMENTO

VOLTA PARA CASA

"Ao retornar pra casa foi muito surreal. Lembro que, quando cheguei, estava tudo muito diferente. As plantas e a árvore tinham crescido no quintal e um filme passou na minha cabeça."

Michele Santos

Mãe

"Daí de casa sozinha e voltei com a promessa de Deus. Jamais desistiria de ser mãe. Lembrei também que recebi o cuidado de Nossa Senhora por meio da minha mãe, que me acordava todos os dias com beijos e carinho"

MÉDICO PERDEU CINCO BEBÊS

Michele é muito grata ao médico que a acompanhou durante a gestação da Maria. E as duas famílias têm uma história em comum. A esposa do ginecologista obstetra Gedson Luiz Gonçalves, de São Mateus, perdeu cinco filhos antes de conseguir engravidar. "O caso da minha esposa era um problema hormonal. Hoje temos duas filhas, de 10 e 7 anos de idade".

Segundo o especialista, no parto da primeira menina, a colega de trabalho não o deixou fazer. Afinal, era muita expectativa. Mas a segunda herdeira veio ao mundo pelas mãos dele.

Sobre a semelhança com a história de espera da Michele, o médico diz: "Tudo que passamos faz a gente dar mais valor, ficamos mais humanos com as pessoas".

De acordo com o obstetra, Michele pode ser mãe novamente, desde que faça o mesmo procedimento de cerclagem e repouso. De maneira simplificada, o ginecologista explica que, quando há incompetência istmo cervical, o útero não consegue fazer com que o feto fique lá dentro. "Normalmente, acontece a partir de 20 semanas de gravidez. Nesses casos, a gente amarra o útero para não abrir ou dilatar".

Ele conta o que sentiu quando finalmente a paciente conseguiu ser mãe. "Fico muito feliz, muto grato dela ter conseguido ser mãe. É uma gratificação muito grande saber que a gente pode ajudar as pessoas, completar a família dela. Esse filho tão desejado".

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