Mesmo depois de enfrentar uma difícil crise hídrica no país, há dois anos, a ideia de que a água é um recurso que nunca acaba ainda é muito presente na sociedade. Segundo o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, Anivaldo Miranda, a água é um recurso finito, sobretudo a de qualidade. À frente do comitê de uma das maiores bacias do Brasil que atravessa três regiões do país , Anivaldo vai participar de um debate em Vitória, na próxima quinta-feira (27) para compartilhar as boas experiências de gestão dos recursos hídricos.
O debate faz parte do 3º Encontro dos Comitês de Bacias Hidrográficas do Espírito Santo que vai ser realizado no auditório da Rede Gazeta, a partir de 8h30. Confira abaixo a entrevista com Anivaldo sobre os desafios relacionados ao uso indiscriminado da água.
Quais as principais características da bacia do Rio São Francisco?
Nossa bacia é muito grande e representa quase 8% do território nacional, com uma população de quase 18 milhões de pessoas. A bacia passa por uma parte pequena do Distrito Federal e de Goiás, além de partes significativas de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Ao todo, são 507 municípios inseridos na bacia. Estamos em três grandes biomas: o Cerrado, a Caatinga e a Mata Atlântica, na parte mais litorânea.
Qual é o papel do comitê?
Existem diversas explorações minerárias que são bombas relógios afetando diretamente o leito do Rio São Francisco. Há mineração de ferro, de ouro e também outras barragens de rejeitos industriais. Estamos sempre preocupados porque elas possuem potencial de risco e de dano. Nossos cuidados incluem fazer um inventário de todas as barragens e deixar claro quais são seus potenciais de risco e de dano para assim exigir as medidas para torná-las absolutamente seguras. O Rio São Francisco tem uma missão única no Brasil porque é o único que atravessa nossa região semiárida e ele representa 70% da região hídrica do Nordeste. O Espírito Santo sabe o que é estar inserido na região semiárida. Não podemos admitir a possibilidade de acontecer com o São Francisco o que houve com o Rio Doce.
Mas, então, é cobrado o uso da água na região da Bacia São Francisco?
A população paga, na verdade, pelo uso da água tratada em suas residências. Essa é uma outra água. O uso da água bruta só pagam usuários de áreas como indústrias, a agricultura, navegação, hidrelétricas, companhias de abastecimento. Os comitês só tratam da cobrança da água bruta dos corpos hídricos, seja dos rios ou água subterrânea.
Qual é o valor?
Há uma linha de corte que estabelece isenção para aqueles usuários que captam menos do que quatro litros por segundo. Isso é justamente para isentar a agricultura familiar. No caso da Bacia do São Francisco, os usuários que consomem acima de quatro litros por segundo são obrigados a pagar. Esses preços são estabelecidos mediante um estudo bastante complexo. Para cada uso há uma cobrança diferente.
Como foi o processo de implementação da cobrança?
Nosso processo foi em 2010. Demoramos de dois a três anos para conseguir implementar. A cobrança foi feita conforme o sistema de outorgas da Agência Nacional de Água que cadastrou os principais usuários e a partir daí começamos a cobrança. O Brasil precisa de um choque de gestão. Existia a impressão de que a água é um bem infinito e inesgotável, mas essa lenda já foi completamente desmontada. Na realidade a água é um recurso finito, sobretudo a água de qualidade, principalmente a subterrânea.
Para onde vai o dinheiro arrecadado?
Cabe ao comitê aprovar o plano de gestão de cada bacia e estabelecer o preço pelo uso da água bruta. O conselho nacional aprova os valores e a Agência Nacional de Água é a responsável em emitir os boletos. A agência, por sua vez, devolve o dinheiro arrecadado para os comitês. Com esses recursos podemos financiar pesquisas desde que sejam de interesse da gestão dos recursos hídricos. São feitos estudos de aquíferos, de política de vazões, e diagnósticos de corpos hídricos, também é possível financiar simpósios científicos ou reuniões institucionais ordinárias. Os comitês são espaços heterogêneos onde todos se encontram. Ao invés de cultivar a cultura do conflito, os comitês servem para que se tenha diálogo, para construir consensos e uma gestão compartilhada.
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