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Em votação no STF, homofobia está a um passo de virar crime no Brasil

Em votação no STF, homofobia está a um passo de virar crime no Brasil

Qualquer ofensa a gays ou transexuais será enquadrada na lei antirracismo

Publicado em 2 de junho de 2019 às 00:32

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Grupo a favor da criminalização fez ato em frente ao STF, em Brasília, em sessão ocorrida em fevereiro. (Acervo Pessoal)

Com a perspectiva de entrar novamente em pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 13 de junho, a criminalização da homofobia e transfobia encontra respaldo nos frequentes casos de violência contra a população LGBT+. Para os defensores da proposta, a expectativa é que haja uma redução dos índices de agressão e também da discriminação motivada pela orientação sexual e identidade de gênero.

Homofobia é o preconceito contra indivíduos que expressem desejo por pessoas do mesmo sexo, entre eles, gays e lésbicas, e contra bissexuais. Já a transfobia é o preconceito contra transexuais e travestis.

Em 23 de maio, a Corte formou a maioria dos votos para tornar crime a homofobia. Flavia Brandão Maia Perez, diretora de Direitos Humanos e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), explica que ainda pode haver mudanças, uma vez que os seis ministros que votaram favoravelmente à criminalização podem alterar seu posicionamento.

“Apesar de não acreditar em unanimidade, acho que a maioria vai decidir pela criminalização. É o único meio capaz de coibir a violência que tem como base a intolerância”, finaliza.

Se for aprovada, a criminalização da homofobia, qualquer ofensa a gays ou transexuais será considerada crime na Justiça e tratado da mesma forma que o racismo. Neste caso, a pena varia de um a cinco anos de reclusão e, ainda, o autor não terá direito à fiança, nem seu crime irá prescrever.

A advogada avalia que em um país de desigualdades como o Brasil, onde muitos não conseguem conviver com as diferenças, a medida é imprescindível. “É uma forma de fazer com que todos entendam a necessidade do respeito à dignidade e à cidadania de todas as pessoas. Se precisamos de lei para que isso aconteça, a criminalização vem em excelente hora. Vivemos em um momento de extrema violência, de muitos casos de homofobia e lgbtfobia, e criminalizar será a forma de repreender essa violência.”

ADIAMENTO

Mas o adiamento da sessão - marcada inicialmente para a próxima quarta-feira, 5, e transferida para o dia 13 - acendeu um sinal de alerta entre representantes do movimento pró-criminalização. A preocupação é que, com a medida do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, uma decisão favorável leve ainda mais tempo para se confirmar, prolongando a condição de vulnerabilidade da população LGBT+.

Conselheiro estadual para Promoção da Cidadania e dos Direitos Humanos LGBTs do Espírito Santo, Aubrey Effgen disse que foi surpreendido com a mudança da data, e particularmente com a marcação da nova sessão para uma quinta-feira. “Sabemos que este é o último dia de plenária do STF na semana, e assim não vai dar tempo de terminar o julgamento”, aponta. O adiamento aconteceu no mesmo dia em que Toffoli se reuniu com o presidente Jair Bolsonaro, contrário à criminalização.

Deborah Sabará, integrante do Fórum LGBT e coordenadora da associação Gold, entidade que também atua na área, acredita que tornar crime as ofensas e agressões praticadas contra essa população pode funcionar até como um instrumento pedagógico. Ela faz uma analogia com o uso do cinto de segurança. “Muita gente hoje diz que não precisa de lei, que todo mundo sabe que tem que usar cinto. Só que antes, as pessoas não usavam. Foi preciso esse processo de educação com a lei”, compara.

Deborah lamenta que por tanto tempo o Congresso Nacional tenha ignorado a pauta dessa parcela da população, o que motivou o julgamento no STF, e ressalta que outras ações que tramitaram pela Corte contribuíram para melhoria da vida de gays e transexuais.

A ativista lembra da autorização para casamento entre pessoas do mesmo sexo e também do direito de retificação no registro civil.

ENTENDA

Ação no Supremo

Omissão

O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou em fevereiro o julgamento de duas ações que apontavam a omissão do Congresso Nacional em editar uma lei para criminalizar a homofobia.

Criminalização

No dia 23 de maio, o STF fez a quinta sessão sobre a criminalização de condutas contra a comunidade LGBT+. As ações querem que se tornem crime todas as formas de ofensas, individuais e coletivas, homicídios, agressões e discriminações que sejam motivadas por orientação sexual ou identidade de gênero da vítima.

Senado

Na véspera do julgamento, o Senado aprovou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) projeto que inclui os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual ou identidade de gênero na Lei 7.716/89, que tipifica os crimes de racismo. Mas, como a aprovação foi em comissão e não no plenário, a maioria dos ministros do STF decidiu pela continuação do julgamento na Corte.

O que pode mudar

Punição

Se for aprovada a criminalização da homofobia, qualquer ofensa a gays ou transexuais será considerada crime na Justiça e tratado da mesma forma que o racismo. Neste caso, a pena varia de um a cinco anos de reclusão e, ainda, o autor não terá direito à fiança, nem seu crime irá prescrever.

Votação

Os ministros Celso de Mello, Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux já votaram pela criminalização da homofobia e somam a maioria dos 11 votos no STF. Mesmo assim, os ministros podem mudar seu posicionamento a partir de argumentos dos que ainda não votaram. Estão na lista: Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia.

Outros países

43 países já têm legislações contra crimes de ódio motivados pela orientação sexual da vítima.

Maria Madalena chora ao mostrar foto do filho, que foi agredido gravemente em entrada de boate. (Carlos Alberto Silva)

"EU SÓ QUERO JUSTIÇA"

Por volta das 3h da manhã do dia 30 de setembro de 2013, Maria Madalena Alcântara recebeu um telefonema de um hospital em Vila Velha. Perguntaram: “Você conhece Roberto Alexandre Alcântara?”. Ela conhecia. Ele era o filho dela que, na noite anterior, tinha saído para ir a uma festa, na Praia da Costa. Foi agredido, teve os dois lados do maxilar quebrados e o queixo partido em três partes. Tudo porque um cidadão não aceitou a orientação sexual do rapaz, que morreu em 2016, de infarto, enquanto enfrentava grave quadro de depressão, desenvolvido após o ataque homofóbico.

Ele é só um dos milhares de homossexuais que compõem a triste estatística de agressões por homofobia no Espírito Santo e no Brasil. Em entrevista exclusiva à reportagem, Madalena detalha como era Roberto, como ele se assumiu para a família e de que forma foram os primeiros passos dele depois dos socos e chutes que levou de um agressor, que por falta de uma lei eficaz está em liberdade até hoje.

Como foi a agressão?

Ele estava a caminho da boate Rouge, em Vila Velha, em setembro de 2013. Nesse dia tinha uma festa que ele gostava e ele tinha falado que tinha chamado um táxi. Quando chegou na rua da boate, percebeu que tinha muito carro ali na região e decidiu saltar do táxi e foi andando. Nisso ele só viu quando uma pessoa foi para cima dele com um soco, jogou ele no chão e ele ficou desmaiado. Estava sozinho nessa ocasião.

Ninguém o ajudou?

O cara que o agrediu foi embora. Ele ficou lá caído e foi um senhor porteiro que o viu e decidiu colocá-lo na calçada, porque ele estava no meio da rua. Aí chamou a ambulância e ele foi socorrido.

Como ficou sabendo?

Mesmo de madrugada, de alguma forma conseguiram me localizar e me ligaram. Ele ficou no Hospital Vila Velha. Era umas 3h e falaram: 'Roberto Alexandre Alcântara. Você conhece?'. Ali eu já fiquei gelada. Eu saí louca de casa e quando cheguei lá ele nem tinha conseguido dar entrada ainda. Estava todo 'quebrado', sangrando em cima de uma maca.

O que ele machucou?

Ficou com o maxilar quebrado dos dois lados e o queixo em três partes. O hospital não tinha um especialista bucomaxilo e eu mesma paguei um particular para ir lá. A médica teve que colocar uma série de placas metálicas para refazer o rosto e ele ficou internado ainda por alguns dias.

E o que vocês fizeram depois disso?

Quando ele saiu do hospital, nós fomos à delegacia fazer um boletim de ocorrência. Na ocasião, a delegada achou tão absurda a história que ela pediu imagens do videomonitoramento de Vila Velha e conseguiu até uma gravação com áudio de algum estabalecimento. Tem tudo isso anexado no processo. O agressor foi identificado e preso.

Ele continua preso?

Não. Uma semana depois ele saiu porque o advogado conseguiu tirá-lo. Nem sei se ele sabe que o meu filho morreu. Eles tentaram até fazer uma negociação com meu filho para ele não fazer queixa, mas meu filho denunciou, sim. Meu filho quis e abriu o processo.

Seu filho não preferia esquecer tudo?

Não era questão de esquecer. Não era questão de dinheiro. Era de respeito. Ele abriu o processo e quando ele morreu eu tomei parte, que é o que está em processo agora. Eu vou continuar representando ele na Justiça e tenho esperança de que o agressor pague pelo que ele fez.

Como foi quando ele se assumiu?

Desde os 18 anos ele se assumiu para a família. A princípio teve um problema com o pai, acabou saindo de casa e eu saí também. Fui atrás dele, me separei do meu marido por causa dele e ficamos juntos até ele ir morar sozinho com o companheiro dele. Ele era diretor de faculdade, professor do Ifes e dava aulas particulares. Uma pessoa bem resolvida na vida, com uma vida completa.

Como seu filho morreu?

Depois do trauma, ele nunca mais foi o mesmo. Ele morreu vítima da depressão que teve depois da homofobia. Ele ficou em casa. Ele preferia ficar em casa a fazer qualquer coisa.

Como descobriu que ele estava morto?

Ele tinha sumido há um tempo e todos da família estavam atrás dele. Meu irmão foi atrás da casa dele, chamou um chaveiro para abrir a porta e viu o corpo dele jogado no chão. Ele infartou. Quando ele veio falar comigo pelo rosto dele eu sabia que o Roberto tinha morrido. Depois disso não lembro de mais nada. Só sei que no outro dia estava no cemitério enterrando o meu filho.

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