A proposta do presidente Jair Bolsonaro (PSL) de punir apenas com advertência por escrito os motoristas que transportarem crianças fora da cadeirinha - em vez da multa por infração gravíssima hoje prevista - pode provocar situações inusitadas, diante da falta de sintonia com o restante das regras impostas pelo próprio Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Pelo artigo 252, por exemplo, dirigir "transportando pessoas, animais ou volume à sua esquerda ou entre os braços e pernas" é infração média e a sanção, multa.
Assim, um condutor flagrado transportando uma criança de até de quatro anos fora da cadeirinha no banco de trás receberia uma simples advertência pela infração. Já o motorista que estiver com um cachorro no próprio colo receberia uma multa por transportar o animal no lugar errado.
O advogado especialista em Direito de Trânsito Paulo André Cirino destaca que no exemplo citado pela reportagem a diferença é que a cadeirinha é uma exigência do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para garantir a segurança da criança. Já o impedimento do CTB para o transporte de um animal no colo do motorista é para que não atrapalhe o condutor.
"Não é sopesar uma vida ou outra. Quando você dirige com criança ou animal no colo, ou mesmo uma caixa grande, isso tira a atenção para conduzir. Essa é a questão. Mas fazendo isso você coloca em risco a vida de quem está ali com você e das outras pessoas dentro do carro", pontua Cirino.
"Acho que a criança tem que estar na cadeirinha para a segurança dela e também para não atrapalhar o motorista", opina um policial rodoviário federal consultado pela reportagem.
"Se um guarda ou um policial parar a pessoa com uma criança fora da cadeirinha vai dar só advertência, mas o cachorro no colo desse mesmo motorista vai dar multa. Não faz sentido", complementa.
O advogado especialista em Direito de Trânsito afirma que a ideia do governo federal de transferir aos pais a decisão de arriscar ou não a vida da criança também é contraditória.
"Até hoje o Estado fala 'olha, existem regras que devem ser seguidas para diminuir o perigo no trânsito: não dirigir embriagado, usar cinto, cadeirinha'. É um instrumento seguro, testado. Agora o Estado diz 'faça o que você quiser, a responsabilidade é sua, e não vou te punir se algo acontecer'. Advertência por escrito não é punição", critica Paulo André Cirino.
O projeto enviado pelo presidente à Câmara dos Deputados e que altera diversos artigos do CTB, no entanto, ainda tem que passar pelo crivo da Casa e pelo Senado para começar a valer.
O que diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB):
Art. 168. Transportar crianças em veículo automotor sem observância das normas de segurança especiais estabelecidas neste Código:
- Infração: gravíssima;
- Penalidade: multa;
- Medida administrativa: retenção do veículo até que a irregularidade seja sanada.
O que diz o projeto de Bolsonaro:
Art. 64. Exceto na hipótese de exceção estabelecida pelo CONTRAN, as crianças:
I - com idade de até sete anos e meio serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão dispositivos de retenção adaptados ao peso e à idade; e
II - com idade superior a sete anos e meio e inferior a dez anos serão transportadas nos bancos traseiros e utilizarão cinto de segurança.
Art. 168. Parágrafo único. A violação do disposto no art. 64 será punida apenas com advertência por escrito. (NR)
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