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Idosa de Domingos Martins completa 100 anos com poesias e indo ao forró

Idosa de Domingos Martins completa 100 anos com poesias e indo ao forró

Nascida em julho de 1919, Anna Cleta Ludwig Krohling viu criação da arte moderna nacional, o fim da 2ª Guerra Mundial, a chegada da TV no Brasil e a internet no mundo. Nesta sexta-feira (26) ela torna-se centenária fazendo o que mais ama: lendo e escrevendo poesias.

Publicado em 26 de julho de 2019 às 18:51

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Idosa de Domingo Martins completa 100 anos lendo e escrevendo poesias e indo ao forró. (Eloisa Leitte)

Imagine ver a criação da arte moderna nacional e o fim da 2ª Guerra Mundial. Passar pela posse de 28 presidentes, assistir a chegada da TV no Brasil e a internet no mundo. Essas são apenas algumas das tantas coisas que Anna Cleta Ludwig Krohling, moradora de Domingos Martins, Região Serrana, viu acontecer nos últimos cem anos. Nascida em 1919, ela torna-se centenária nesta sexta-feira (26) fazendo o que mais ama: escrevendo poesias e indo ao forró. 

1919 - INFÂNCIA SIMPLES E FELIZ

De origem alemã, Anna Cleta nasceu em 26 de julho de 1919, em Rio Fundo, que hoje pertence ao município de Marechal Floriano. Com pais lavradores, ela era uma das filhas do meio de seis irmãos. Aos oito anos mudou-se com a família para a região conhecida como Costa Pereira, que hoje pertence a Marechal Floriano e na época fazia parte de Domingos Martins.

"Ela teve uma infância boa, com a família sempre reunida. O pai, além de lavrador, era comerciante. A mãe era a verdadeira responsável pela plantação e ainda cuidava dos filhos e da casa. Todos os seis filhos sempre estudaram e a minha mãe (Ana Cleta) sempre teve gosto por ler e escrever. Uma das irmãs mais velhas, Clara, saiu para estudar em Vitória e formou-se professora", conta a filha de Ana Cleta, Ana Eunice Krohling, de 65 anos.

1940 - OPORTUNIDADE DE DAR AULAS     

Idosa de Domingo Martins completa 100 anos lendo e escrevendo poesias e indo ao forró. (Arquivo Pessoal)

Clara retornou para Costa Pereira depois de formada para dar aula na escola em que estudou. Logo depois, ela casou-se e convidou a irmã para dar aulas no lugar dela por um tempo. Sem pensar duas vezes, aceitou a oportunidade de ser substituta.

"Mesmo tendo estudado apenas até o quarto ano do o primário, ela gostava de ler, estudar, escrever... Pegava os livros da Clara e passava horas. Ela aceitou o convite e alfabetizou dezenas de crianças. Deu tão certo que logo depois, em 1941, ela substituiu o cunhado dela, marido da Clara, que também era professor. Minha mãe tinha 22 anos", diz.

1950 - CASAMENTO E FILHOS

Idosa de Domingo Martins completa 100 anos lendo e escrevendo poesias e indo ao forró. (Arquivo pessoal)

Em junho 1944 Ana Cleta casou-se com o lavrador João Batista Krohling, irmão do marido da irmã, Clara. Os dois se conheceram nos encontros familiares e foram morar no sítio próximo à estação de trem de Domingos Martins, da família de João Batista. Em 1945 o casal teve o primeiro filho. Depois, vieram outras três filhas.  

"A última filha veio em 1954. Como foram quatro gestações muito próximas, ela ficou um tempo sem conseguir voltar a estudar e dar aulas. Mesmo assim, ela foi feliz como dona de casa e esposa. Ela e meu pai sempre foram muito unidos e festeiros. Eles adoravam dançar forró e nós íamos junto nas festas. Tanto que, até hoje, aos 100 anos, minha mãe vai em alguns eventos da terceira idade e festas de forró. Ela já não dança, mas adora assistir", conta.

Outra festa que o casal adorava era o "juntamento", celebração que os lavradores faziam na época após as colheitas de café, com direito a muito pão caseiro e forró com sanfona. 

"Meus pais trabalhavam muito, uma vida de muito sacrifício. Se não conseguissem produzir, não tinha dinheiro. Roupas eram compradas apenas uma vez ao ano, no Natal. De resto, minha mãe que costurava. Não havia nenhum luxo, mas mesmo assim eles eram muito felizes, animados e festeiros. Tiveram um casamento feliz", lembra.

1960 - NOVOS PLANOS PROFISSIONAIS

Ana Cleta e João Batista decidiram vender a propriedade rural que tinham para construir um alambique. Por cinco anos a família viveu da produção e venda de cachaça. Em 1966 eles venderam o alambique e mudaram-se para Santa Isabel, em Domingos Martins, para cuidar da mãe de João, que já era idosa. 

"Entre 1967 e 1968 minha mãe voltou a ter a experiência de ser professora, como substituta da cunhada, irmã do meu pai. A filha mais nova já tinha 12 anos. Ela cuidava da sogra e acompanhava nossos estudos. Mas em 1968 ela teve que abandonar a escola porque a direção do colégio exigiu que ela completasse os estudos. Para isso, ela precisaria estudar na sede de Domingos Martins. Sem a garantia se após os estudos realmente daria aula no colégio perto de casa, ela teve que encerrar o ciclo como professora", conta. 

1970/1980 - PAIXÃO POR LER E ESCREVER POESIAS

Mas ser impedida de dar aulas formalmente em escolas não afastou de Ana Cleta o prazer por ler e escrever. Apaixonada por poesias, ela passou a escrever versos quase que diariamente. Paralelo a isso, ajudava a cunhada na administração de uma igreja. 

Idosa de Domingo Martins completa 100 anos lendo e escrevendo poesias e indo ao forró. (Arquivo Pessoal)

1990 - RECITANDO POESIA EM PÚBLICO AOS 70 ANOS

Em 1992 Ana Cleta deixou a administração da igreja a pedido dos filhos e passou a dedicar-se apenas a crianção de poesias. E engana-se quem pensa que a idosa escrevia somente versos sérios, de dor e amor. Após sete décadas de inúmeras experiências, ela gostava de falar sobre tudo que já tinha visto na vida, muitas vezes com um tom bem humorado. 

"Ela tem uns versos na cabeça, citações que ela lembra do passado, coisas que ela viu e viveu, de forma fantasiosa e as vezes engraçada. Nessa época, o prefeito da região pediu que ela declamasse um versinho em público, durante uma festividade da cidade. Não sei ele pensou que eram versos muito sérios... Ela conta até hoje que deu um branco na cabeça, não sabia o que falar. Aí na hora criou: "Urubu veio lá de cima, com fama de dançador. Chegou no salão, tirou uma dama, não dançou, se envergonhou. 'Dança, seu urubu!' 'Eu, não senhor', ele respondeu. 'Dança seu urubu!', 'Eu não senhor'. 'Dança, seu urubu', 'Eu não senhor, eu não sou sou dançador'. Na hora, todo mundo riu. E ela ri até hoje contando", diverte-se. 

2000 - APÓS 50 ANOS JUNTOS, A DESPEDIDA

"Meu pai morreu emmarço de 2000, com 81 anos. No mesmo dia fui morar com minha mãe. Ela sentiu muita falta dele, afinal, foram cinco décadas de união", lembra. E mesmo com a despedida do companheiro de 50 anos, Ana Cleta continuou escrevendo. Em alguns versos, inclusive, falou sobre a dor de perder um amor. 

2019 - 100 ANOS DE POESIA E FORRÓ

Nesta sexta-feira (26) a idosa completa 100 anos com muita saúde e sanidade. A receita para tornar-se centenária vivendo bem como a Ana Cleta? Muita poesia e forró.

Idosa de Domingo Martins completa 100 anos lendo e escrevendo poesias e indo ao forró. (Arquivo pessoal)

"Até hoje ela escreve os versinhos. Uma das coisas que ela mais gosta de fazer é olhar para as pessoas e escolher uma poesia para cada uma. Ela olha, lembra e declama. Para nós, é uma felicidade muito grande vê-la saudável e com a mente ativa. Mesmo sem escutar tão bem, ela consegue conversar com todos. Mesmo aos 100 anos, ela lê e escreve com o entusiasmo de uma criança. Embora não possa mais dançar,  não deixa de ir ao forró quando pode ouvir sanfona e assistir as danças. Talvez essa seja a receita dela", acredita. 

 

 

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