A rotina costuma permitir a repórteres experiências interessantes. A minha última foi poder sentar diante de um preso condenado, no Complexo Penitenciário de Viana, e enfrentá-lo em uma partida de xadrez.
A ideia era convidar os quatro detentos que disputaram um torneio on-line com presos estrangeiros ao tabuleiro apenas para que as entrevistas fluíssem em ambiente comum a entrevistador e a entrevistados, e para produzir melhores imagens. A situação propiciou algumas reflexões que não couberam na reportagem.
Aquela poderia ter sido a segunda oportunidade de eles serem requisitados por um repórter em suas vidas. A primeira teria sido bem menos favorável. Por isso, fez todo o sentido o silêncio absoluto na partida contra mim - maior até que o da própria sala onde os jogos oficiais ocorreram, minutos antes.
Apesar de terem aprendido o movimento das peças ou o "segredo" do jogo na cadeia, os presos estavam aptos a enfrentar estrangeiros em torneio definido por Thomas J. Dart, xerife do condado de Cook, em Chicago, como "de alto nível". Os Estados Unidos ficaram em 5º lugar. O Brasil em 6º.
Naturalmente, os funcionários do sistema penitenciário torciam para que o interno superasse o repórter. Seria uma bela propaganda do "Xadrez Que Liberta", projeto de ressocialização que existe desde 2008.
E, de fato, o nível técnico dos presos é bem interessante, mesmo aprendendo sem acesso a bons livros de estratégia, programas de computador que encontram erros nas próprias partidas, streamings dos grandes enxadristas e de todas as demais modernidades comuns a qualquer amador que se aventura em torneios.
Deyvid Michel Alves, 30 anos, preso e jogador de xadrez
Cargo do Autor
" jogo ajuda na disciplina, na educação. Vou estar levando isso para fora. Antes de fazer alguma coisa, você tem que pensar duas vezes. É como no xadre"
Enquanto pensava sobre como fazer meu par de bispos influenciar o centro do tabuleiro, era inevitável uma reflexão ou outra sobre como meu adversário e eu fomos levados até ali e sobre o que uma vitória e uma derrota em um jogo totalmente despojado poderia significar para ambos.
Meu ofício depende das liberdades. Eu estava ali justamente por ter o privilégio de poder entrar e sair de alguns lugares quando quiser para depois recorrer à liberdade de expressão para reportar.
Do outro lado da mesa, um homem, da minha mesma faixa etária, lá estava justamente por ter sido punido com restrição de liberdade, por mais de sete anos. Havíamos vivido realidades completamente paralelas até aquele momento - curiosamente, a partida foi definida por ataques em flancos opostos.
Durante alguns minutos, contudo, e jogando com as brancas, ele teve a mesma quantidade de peças e de lances para superar alguém de realidade alheia a dele. E jogou para isso. "Vou poder dizer que joguei com um jornalista, com o Vinícius", disse, ao final.
O que foi proposto como um jogo despretensioso teve lá as doses de pressão e de desafios pessoais, para os dois lados. O único resultado que importa: todos saíram ganhando e terão uma boa história para contar.
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