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'Ele lutou pela vida', diz testemunha de ocorrência na Terceira Ponte

"Ele lutou pela vida", diz testemunha de ocorrência na Terceira Ponte

Saindo de Vitória, onde mora, para Vila Velha, a estudante Kamilla Allimak viu uma pessoa tentando sobreviver

Publicado em 3 de setembro de 2019 às 19:13

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Segunda-feira, 02 de setembro, por volta das 14h30, na Terceira Ponte. A estudante Kamilla Allimak, de 39 anos, passava pela via com destino a Vila Velha. Ela seguia para uma ótica.

No caminho, viu uma movimentação estranha. A partir daí, presenciou a cena que não sai da sua cabeça: a luta de um homem pela vida após ter pulado da ponte. Se você precisa de ajuda, ligue 188.

O relato dela, feito nos comentários da matéria do Gazeta Online sobre o caso no Facebook, é tocante e faz lembrar uma outra reportagem do portal. No ano passado, o psiquiatra Jovino Araújo contou que um de seus pacientes havia se arrependido de ter tirado a própria vida.

"Infelizmente, ele pulou da ponte e, 20 minutos depois que ele pulou, houve uma busca pelo resgate. Quando ele foi encontrado boiando, ele estava vivo, e ele ficou gritando, antes de morrer, para o pessoal do socorro, que ele queria viver, que não deixasse ele morrer. Um caso triste", disse à época.

Tráfego de veículos foi totalmente interrompido no sentido Vila Velha nesta segunda. (Rodosol)

Na entrevista, o médico explicou que a crise suicida, com tratamento, passa, e que há casos de pessoas que tentam se matar e depois se arrependem.

Exatamente o que Kamilla presenciou nesta segunda. Nesta terça-feira (03), ela conversou com a reportagem sobre o fato. Veja a entrevista abaixo.

Kamilla, nós vimos o seu relato na postagem sobre o que aconteceu na Terceira Ponte. O que você viu?

Eu estava na Terceira Ponte, eu moro em Vitória e ia para Vila Velha. Vi que os carros estavam parando. Vi um carro branco parado. Aí eu vi as pessoas se movimentando por ali. Falei: 'é suicídio'. Mas não imaginava que o rapaz já tinha se jogado. Eu desci do carro correndo e fui olhar. Na hora que eu vi, ele estava se debatendo. Não acreditei naquilo ali, foi surreal pra mim, porque uma pessoa que pula daquela altura, morre. Foi uma sensação terrível. Passou um rebocador próximo. Antes, eu e um senhor ficamos tentando (chamar a atenção para o rapaz na água), sinalizando, mas eles não entenderam nada. A única esperança era que alguém visse, um dos barcos, para salvar aquele moço. Mas logicamente seria quase impossível. O rapaz morreu.

Qual foi a sua reação?

Eu chorei demais. Depois que eu vi que ele submergiu, chorei muito. Todos ali estavam em estado de choque. Um homem perguntava para o meu marido se ele era parente do rapaz. Eu respondia que não e chorava. Foi horrível. Eu nunca vi uma pessoa morrendo, ainda mais desta forma. Nunca vi uma pessoa morrendo de forma alguma.

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Nunca estive tão próxima da morte. Pra mim foi chocante aquilo

Kamilla Allimak
Estudante
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Após ver essa cena, você passou a ver o suicídio de outra forma?

Eu sempre vi de outra forma. O suicídio é quando a pessoa já não vê saída (choro), quando ela não tem saída para nada. Isso não é culpa da pessoa, não é falta de Deus. Nada disso. Tem vários gatilhos para isso, tem o fator genético. 

Depois você foi para onde?

Eu e meu marido fomos para uma ótica, o objetivo era esse. Mas em estado de letargia. Em quase todos os momentos aquela cena vem. Na faculdade, eu assitia a aula lembrando daquilo tudo. Não é fácil. É um ser humano que se foi (se emociona).

A cena não deve sair da sua cabeça.

É muito difícil porque você lembra daquela pessoa lutando pela vida, porque foi isso que aconteceu. Nos últimos momentos, ele lutou pela vida (choro). Mas naquele momento já não adiantava mais.

Você ficou sabendo quem é ele?

Não. Não tenho a menor ideia.

Isso foi por volta de que horas?

Das 14h30.

Você faz o quê?

Sou estudante de Psicologia. Quando eu saí do carro, eu queria conversar com ele. E quando eu vi aquele carro vazio e as pessoas já olhando para baixo, foi muito difícil (choro).

Você passa muitas vezes pela ponte?

Não, porque eu moro em Vitória. 

Kamilla, você fazia ideia de que uma pessoa que pulasse tentaria sobreviver após chegar lá embaixo? Lutar para viver?

Jamais, nunca, porque todos os relatos que eu já tinha ouvido, as pessoas morriam com o impacto ou até antes da queda. Fiquei triplamente em choque. Primeiro por jamais presenciar uma situação como aquela, nunca vi um carro parado na Ponte. Segundo por não imaginar que ele já tivesse se jogado. Terceiro por ver um homem vivo tentando, lutando pela vida.

Ainda é cedo, mas alguma coisa mudou dentro de você ao presenciar essa cena?

Eu fiquei mais sensível às situações, às pessoas potencialmente suicidas. Quando você não presencia esse tipo de cena, você se comove, entende. Mas quando você presencia dessa forma, tudo muda. Você busca mais conhecimento dessa área. Você consegue também olhar mais para quem está ao seu lado, porque a pessoa pode estar ao seu lado e você nem imaginar o que se passa com ela. Você fica mais atenta ao outro. 

ALERTA

Segundo a médica Letícia Mameri, da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo, quem presencia uma cena como essa precisa se perceber.

"Observe se vai conseguir dormir, como está se sentido, como vai ser o impacto emocional na vida dela. A pessoa pode vir a desenvolver um transtorno de estresse pós-traumático. Entre os sintomas estão pesadelos ou lembranças repentinas (flashbacks), fuga de situações que relembrem o trauma, reações exageradas a estímulos, ansiedade e humor deprimido. Nesses casos, a indicação é procurar um psiquiatra", recomenda.

ARREPENDIMENTO

"Uma pessoa que tenta se matar, ela pode se arrepender, principalmente quando ela tem um transtorno mental. Muitas vezes, quando ela se trata, ela consegue ver a situação de forma muito mais clara", diz a médica.

AMBIVALÊNCIA

Uma característica da pessoa que tem comportamento suicida, segundo a psiquiatra, é a ambivalência: ela quer morrer, mas ao mesmo tempo ela quer viver.

Aspas de citação

O que ela quer é acabar com a dor, acabar com o vazio que ela sente por dentro. O mais importante é quem está próximo reconhecer o risco e dar o apoio

Letícia Mameri 
Psiquiatra
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Tristeza, isolamento, comportamentos impulsivos e falas sobre suicídio, mesmo de brincadeira, são sinais de alerta.

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