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Mãe perde guarda e menina é levada do Espírito Santo para Holanda

Mãe perde guarda e menina é levada do Espírito Santo para Holanda

A pequena Alice, 3 anos, é filha de pai alemão e mãe brasileira. Ela teve a repatriação decretada pela Justiça e foi levada de volta para a Europa, após oito meses morando em Vitória com a mãe

Publicado em 18 de setembro de 2019 às 20:50

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A capixaba Ana Maria Monteiro perdeu a guarda da filha. A criança, de 3 anos, foi levada para Europa, onde o pai mora. (Carlos Alberto Silva)

Uma criança de 3 anos dividida entre uma briga judicial dos pais. A pequena Alice, filha de pai alemão e mãe brasileira, teve a repatriação decretada pela Justiça e foi levada de volta para a Europa, após oito meses morando no Brasil com a mãe, a jurista capixaba Ana Maria Lopes Monteiro, 42 anos. 

Mãe perde guarda e menina é levada do Espírito Santo para Holanda

Os pais da criança foram casados por 16 anos e estão em processo de divórcio desde 2017 quando, segundo Ana Maria, ela foi agredida pelo ex-marido. "Eu já tinha sofrido outras violências, porém nunca denunciei. Na última agressão eu chamei a polícia e ele saiu de casa", contou.

Morando em casas separadas na Holanda, mas ainda casados judicialmente, os pais dividiam a guarda da criança. Em janeiro de 2019, Ana Maria decidiu vir para o Brasil passar férias com a menina e visitar a família, que mora em Vitória. A viagem foi autorizada pelo pai. Porém, segundo a jurista, por causa de problemas de saúde, ela precisou permanecer no país por mais tempo.

"Eu estava vivendo um desgaste enorme por causa do processo de separação. Quando cheguei aqui, fui ao médico e ele disse que não podia me liberar para viajar sem fazer uma série de exames, porque tinha algo de errado comigo. Eu não iria simplesmente mandar minha filha para lá e ficar aqui. Então fiquei até resolver todos esses problemas. Mas isso sempre foi avisado à justiça holandesa, por meio de laudos e dos meus advogados", destacou.

REPATRIAÇÃO

O pai de Alice tinha autorizado a criança a ficar no Brasil até janeiro. Porém, como ela não retornou para a Holanda, ele entrou com um pedido de repatriação - que é um processo de devolução de uma pessoa ao seu país de origem. De acordo com a advogada Claudia Grabois, especialista em Direito de Família, a  decisão se baseou na Convenção de Haia, um acordo internacional entre países.

"Quando uma criança não retorna ao país de origem na data determinada, os responsáveis pela criança podem acionar a Justiça, que entra com pedido de cumprimento da Convenção de Haia. Esse acordo é muito rígido e determina, sem levar em conta fatores externos, que as autoridades do país onde essa criança se encontra, façam a repatriação dela e ela seja levada de volta", explicou. 

BUSCA NA CRECHE

E foi exatamente isso que aconteceu na última segunda-feira (16). Alice estava na creche, em Jardim Camburi, Vitória, quando oficiais de Justiça e policiais federais chegaram ao local, por volta das 14 horas, para cumprir a determinação da Justiça Federal de levar a menina de volta para a Holanda. O pai de Alice, Olf Steffen Beyer, que tinha vindo para o Brasil buscar a filha, acompanhava a equipe. 

“Eles foram atendidos pelas donas da creche, se identificaram pois não tinham uniformes, e foram encaminhados para uma sala. Lá, explicaram que foram cumprir uma busca e apreensão de uma menor de idade. Disseram que estavam com todo o processo e apresentaram o pai e pediram para eu chamar a criança”, descreveu a pedagoga da creche, Maristela Aquino dos Santos, 55 anos.

Por volta das 16 horas, o pai da menina saiu com ela no colo da creche e seguiu para o Rio de Janeiro, onde pegou um voo para a Europa. 

“Não sabíamos qual seria a reação dela, pois eles se viam apenas pelo celular. Ela ficou muito feliz ao vê-lo e pulou nos braços dele. Ele chorou muito”, contou a pedagoga.

DRAMA

A mãe da criança só foi avisada pela creche da situação após a equipe sair da escola. Foi a diretora quem contou que a menina havia sido retirada do local.

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os orientaram a não avisá-la para que ela não chegasse e a filha a visse ao sair. A mãe ficou muito desesperada, todos se entristeceram pois a menina também era feliz com a mã

Maristela Santos, pedagoga
Cargo do Autor
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De acordo com Ana Maria, ela não tinha conhecimento da repatriação da filha. O processo, segundo ela, estava sob sigilo e em nenhum momento ela foi comunicada da decisão da Justiça.

"Nem eu, nem meu advogado sabíamos da decisão, porque a Justiça colocou sob sigilo para gente. O pai da minha filha sabia de tudo, tanto que ele veio para o Brasil buscá-la. Mas eu não tive o mesmo direito que ele, de ter acesso a essa informação. Imagina o que foi chegar na creche e saber que minha filha tinha sido levada para outro país? Não tive nem o direito de dar um beijo nela", desabafou. 

Para a advogada Claudia Grabois, que assumiu o caso na segunda-feira à noite, após a Justiça cumprir a decisão de repatriação, faltou cautela e preservação do direito da criança no caso.

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u fui acionada poucas horas antes da criança pegar o voo. Tentei entrar com um recurso, mas já era tarde. Pelo que Ana Maria me disse, ela sequer foi informada da decisão de repatriação. Ela disse que nunca viu a juíza, não houve uma audiência de conciliação, uma perícia para saber o estado de saúde da criança. Esta criança foi totalmente desconsiderada, ninguém pensou nos direitos del

Cláudia Grabois, advogada
Cargo do Autor
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DIREITO DA CRIANÇA

Grabois lida com situações semelhantes há anos e disse que casos de repatriação de crianças são extremamente complicados, principalmente porque a Convenção de Haia é rígida e não coloca o direito da criança em primeiro lugar. 

"A Convenção diz que a criança precisa retornar ao país, independente da situação da mãe. Não considera, por exemplo, que a Ana Maria saiu de lá após sofrer violência doméstica e não ia mandar a filha de volta e abandoná-la. Vamos recorrer e se preciso levar o caso até o STF, paralelamente tentando um acordo com as autoridades na Holanda para que a mãe possa ir ao país ver a filha sem sofrer nenhum tipo de sanção", declarou.

OUTRO LADO

A nossa reportagem tentou acesso ao advogado ou mesmo ao pai da criança mas não conseguiu contato.

O QUE DIZ UM ESPECIALISTA

"Não há obrigatoriedade que o outro responsável seja avisado, uma vez que, dependendo do caso, o pai ou mãe pode fugir com a criança. Já a despedida ou não, fica a cargo do juiz decidir mediante a análise do caso concreto e do emocional. Tudo é preparado para que haja o menor prejuízo emocional para a criança.

Situações assim não são tão incomuns. Ocorre, geralmente, quando um casal se separa e um dos cônjuges retira o filho, ou filhos, clandestinamente para seu país de origem. Entende-se que subtrai da Justiça do país onde a criança residia a decisão de guarda e visitação e priva completamente de visitação do outro. Juridicamente, é chamado de sequestro internacional de crianças.

Para prevenir essas situações, o Brasil e outros países firmaram a Convenção de Haia, proibindo que os pais retirem a criança do domicílio de forma irregular, sem ordem judicial, sem consentimento do outro responsável. Devem ser repatriadas tanto as crianças que vem ou que são mantidas ilegalmente, devendo os países desta convenção devolver a criança para o país de domicílio. O fato de ser filho de brasileiro não interfere, mas sim onde é o juízo competente para decidir a guarda.

A criança não é entregue necessariamente ao pai ou mãe do outro país, mas sim às autoridades do outro país envolvido. Somente aos 18 anos, decide onde quer ficar.

A única exceção ao cumprimento da devolução da Convenção de Haia é quando o país onde a criança deve ficar esteja inseguro, por exemplo passando por guerra civil. O repatriamento deve ser feito de forma rápida e mais suave possível para evitar traumas. Não está se decidindo quem terá a guarda da criança, mas sim o judiciário de qual país definirá a guarda".

Henrique Herkenhoff, professor de Direito da UVV e desembargador federal de São Paulo

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