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Um mês depois, a transformação de um homem retirado da rua na Serra

Um mês depois, a transformação de um homem retirado da rua na Serra

Um mês após pedir ajuda a um morador da Serra e conseguir deixar as drogas e as ruas, Flávio Ferreira de Menezes, de 37 anos, conta como está sendo recomeçar a vida

Publicado em 20 de setembro de 2019 às 07:47

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Um mês após pedir ajuda, Flávio conta como está sendo recomeçar a vida. (Thyaro Thedaldi)

"As pessoas me olhavam, mas não me enxergavam". O desabafo é de Flávio Ferreira de Menezes, de 37 anos, que por meses viveu em situação de rua devido ao vício em crack. Um mês após pedir ajuda a um morador da Serra e conseguir deixar as drogas e as ruas, ele conta que recuperou a dignidade no momento em que o rapaz o olhou nos olhos e o convidou para sentar, conversar e comer um churrasquinho. Agora, Flávio conta como está sendo recomeçar a vida ao lado da mulher, em busca de um emprego.

"O DIA EM QUE ALGUÉM ME ENXERGOU"

De "invisível" a um cidadão. A forma como Flávio se percebia no mundo mudou completamente no momento em que teve o caminho cruzado com o autônomo Thyaro Thedaldi, de 36 anos, em um churrasquinho em Laranjeiras, na Serra, no dia 15 de agosto. Flávio pediu um cigarro, recebeu um olhar verdadeiro e um convite para sentar-se. 

"Me senti voltando a ser cidadão no momento que ele me convidou pra sentar ao lado ele. Mesmo sem me conhecer, foi um gesto de amizade, o dia em que alguém me enxergou. Comecei a desabafar porque percebi que ele me ofereceu o churrasquinho de bom coração. Eu já vinha de outras tentativas de pedido de ajuda e não tive êxito. Vi ali a oportunidade de pedir socorro. Na rua estamos sempre cercados de pessoas, mas sem querer julgar, não somos vistos. As pessoas olham, mas não enxergam. Cada morador de rua tem sua história", diz. 

O INÍCIO DE UM VÍCIO

Flávio é natural de São Paulo, mas foi criado no Mato Grosso. Há cerca de sete anos ele foi a São Paulo visitar parte da família. No local, conheceu um parente que era usuário de crack e experimentou a droga pela primeira vez, viciando de imediato. Após cerca de um ano, em 2013, ele veio ao Espírito Santo para trabalhar como açougueiro e ficou anos afastado das drogas.

O açougueiro chegou a casar com uma capixaba e conseguiu ter uma vida feliz e saudável nos últimos anos. Mas em janeiro de 2019 teve uma recaída, largou o emprego, saiu de casa e passou a morar nas ruas.

ENFRENTANDO A ABSTINÊNCIA

Thyaro não pensou duas vezes. Ao perceber que do outro lado da rua havia um barbeiro, contou a história de Flávio e pediu um corte de cabelo e barba gratuitamente. O dono do local aceitou ajudar e um funcionário fez o corte, dando mais dignidade ao açougueiro.

"Depois, fiz algumas ligações e um vereador da Serra foi imediatamente ao local. Ele tinha o contato de uma casa de um centro de recuperação de dependentes químicos, em Jacaraípe, e ligou para o pastor responsável pelo local, que disponibilizou uma vaga ao Flávio. Assim que chegamos, o Flávio entregou o isqueiro e o cachimbo, dizendo que não queria mais aquilo. Ele ficou muito agradecido", lembra Thyaro. 

Ter um teto, comida e apoio ajudou Flávio nos primeiros dias que lutou contra o vício. Mas até mesmo dentro do centro de recuperação ele precisou ser forte para não cair nas drogas novamente. Isso porque ele teve oportunidade usar entorpecentes no local, que funciona com portas abertas. 

"Mas eu sabia que, se caísse em tentação, eu perderia tudo. Se eu não resistisse lá dentro, também não resistiria aqui fora. Não há lugar nessa terra que não vá existir droga e eu tenho que lidar com isso. Sofri com a abstinência. Sentia irritação e momentos de ansiedade. Mesmo meu organismo sentindo falta, eu não queria usar a droga. Já tive outras recaídas, mas nunca tinha passado pelas ruas, visto o que eu vi. Eu não queria voltar para aquela situação de novo", conta. 

EM BUSCA DE UM EMPREGO PARA RECOMEÇAR

E foi exatamente um mês após ser internado que Flávio deixou o abrigo. No último domingo (15) ele percebeu que era o momento de sair do local ao receber a visita da mulher, que está com dengue. Ele conta que no último mês teve a vida transformada completamente. Agora, enquanto cuida da esposa e da casa onde estão hospedados, busca um emprego para recomeçar. 

"Ela sempre cuidou de mim e vi que era a hora de cuidar dela. Infelizmente nós dois estamos desempregados, ela faz apenas uns bicos como manicure. Então fomos para a casa da filha dela por alguns dias. Eu sei que já consegui muita coisa se formos comparar a minha vida de um mês atrás. Mas ainda falta uma coisa: um emprego digno. Eu tenho experiência em açougue, frigorifico e manutenção de celular, mas sou capaz de aprender qualquer coisa, quero muito trabalhar. Agradeço demais o apoio da minha enteada, mas para recomeçar de verdade eu preciso de um emprego para ter o meu canto, sem incomodar ninguém", almeja.

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