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65 mil pessoas não têm acesso a celular no Espírito Santo

65 mil pessoas não têm acesso a celular no Espírito Santo

Em 56 distritos capixabas não há telefone nem internet móvel. População enfrenta dificuldades desde conseguir emprego até fazer chamadas de emergência

Publicado em 22 de janeiro de 2018 às 22:08

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O universitário Marcos Rogério Carvalho Machado, 41 anos, procurando por sinal de celular em Araçatiba, Viana. (Vitor Jubini - GZ)

No pacato distrito histórico de Araçatiba, em Viana, o universitário Marcos Rogério Carvalho Machado, 41 anos, não consegue fazer ligações nem usar internet pelo celular. Ele até possui um aparelho, que “fica praticamente de enfeite em casa”. Isso porque a localidade, que possui 1.659 habitantes, não conta com nenhuma antena de telefonia móvel.

“Pra conseguir fazer uma ligação tem que subir no morro e ficar caçando sinal, que vem do (bairro) Jucu. Em casa, não pega. Todo mundo tem celular, mas fica guardado porque a gente vive quase incomunicável”, explica Marcos Rogério, que conta ainda que a chegada da cobertura móvel é um anseio da comunidade. “Nossos dois maiores sonhos eram asfalto e celular. O primeiro chegou; o segundo, ainda nada.”

O que para ele e os demais moradores de Araçatiba é um “sonho”, na verdade já deveria ser realidade em pleno 2018, ano em se que completa 20 anos da privatização do Sistema Telebrás sob a promessa de universalização dos serviços de telefonia e estímulo à concorrência.

Ainda hoje, 56 distritos em 32 municípios no Espírito Santo não contam com a cobertura de celular, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o que corresponde a 20% de todas as 275 localidades contabilizadas pelo IBGE no Estado, entre sedes e distritos. Com isso, 65.708 capixabas são verdadeiros excluídos do mundo digital.

Em todo Brasil, são quase 4,5 milhões de incomunicáveis em 2.228 distritos, segundo o estudo que o órgão regulador está finalizando para ajudar o governo a formular novas políticas públicas de inclusão digital.

Segundo o especialista em Telecomunicações, Renan Barcelos, diretor e pesquisador do Instituto Internacional de Tecnologia e Informação Científica (IITIC), esse cenário de exclusão ocorre porque as empresas não são obrigadas a levar antenas de celular para todas as áreas de uma cidade. Pela regra, as operadoras precisam cobrir 80% da área urbana da sede do município, abrangendo até uma distância de 30 quilômetros. Com isso, as empresas, preocupadas com o retorno econômico sobre o investimento, deixam de lado locais onde a população é pequena ou o nível de renda é baixo.

“Levar o sinal para essas pequenas localidades não é prioridade para empresas, que estão atrás do lucro. Logo, o que falta é o governo e a Anatel impor isso. Antes, se cobrava mais pela universalização da cobertura, hoje, a gente percebe que houve uma acomodação. É fato que é difícil de alcançar tudo e todos, mas dá pra avançar mais”, comenta.

ATRASO DE VIDA

Na era da informação instantânea, os excluídos digitais que vivem nessas localidades ainda precisam de usar táticas do século passado para se comunicar.

O estudante e jogador de futebol Renato Cunha, 17 anos, saiu de Araçatiba, em Viana, para jogar a Copa São Paulo de Futebol Júnior no ano passado, na capital paulistana. Diante da falta de cobertura móvel, ele precisava mandar recado para dar notícias aos familiares.

“Eu queria contar como estavam as coisas, mas não tinha como. Para falar com a minha avó, tinha que mandar recado por algum amigo que possua internet wi-fi em casa. Acaba sendo um atraso de vida”, conta.

Procurada por A GAZETA, a Anatel afirmou que 100% das sedes dos municípios brasileiros já possuem cobertura de celular, e que, até o ano de 2019, todas deverão ter o serviço de internet 3G.

A agência reguladora explica que a ausência do serviço em áreas rurais e isoladas se deve à grande extensão territorial do país e que, apesar de não existir obrigação de atendimento a essas áreas, “encaminha a lista de localidades desatendidas às empresas do setor sugerindo a sua cobertura”, informou.

DIFICULDADES ATÉ PARA NEGÓCIOS E EMERGÊNCIA

Longe da cidade, sem celular e sem internet. A realidade dos incomunicáveis é mais difícil do que se imagina, uma vez que o celular deixou de ser apenas um meio para se entreter, e passou a ser fundamental em todas as esferas da vida humana: dos negócios aos relacionamentos do cotidiano.

No comércio de João Rodrigues, 60 anos, em Araçatiba, só há telefone fixo. (Vitor Jubini - GZ)

Entre os 56 distritos capixabas sem cobertura de telefonia móvel, o mais próximo da Capital é Araçatiba, em Viana. Lá, a falta do meio de comunicação atrapalha não só as pessoas que querem se comunicar no dia a dia, mas também as vendas de pequenos comerciantes e até mesmo fazer ligações de urgência em casos extremos, como chamar uma ambulância ou a polícia.

A ausência da cobertura impossibilita o pequeno estabelecimento de João Rodrigues, 60 anos, a permitir que os clientes utilizem cartões de crédito. Isso porque a tecnologia das maquininhas usa da rede de telefonia móvel para fazer as operações. Sem o sinal, fica o prejuízo.

“Chega gente quase todo dia pra comprar e pergunta se passa cartão. Quando a gente fala que não, eles dão meia volta e vão embora. Então, atrapalha muito a gente no negócio, além do dia a dia, que para falar com alguém é só usando o fixo, que fica em casa, e que é bem mais caro”, comenta.

O impacto negativo na vida dos moradores dessas localidades é tão grande que já houve casos até de gente que perdeu um emprego porque não atendeu ao celular pela falta de cobertura das operadoras.

“Há algum tempo, um rapaz que estava fazendo a seleção para um empresa em Cariacica perdeu a vaga. A empresa ligou chamando ele para avisar que ele estava aprovado e chamar para fazer a contratação, mas ele não atendeu. Perdeu o emprego pela falta de comunicação”, conta o universitário Marcos Rogério Carvalho Machado, 41, ex-líder comunitário de Araçatiba.

GOVERNO PROMETE 100 ANTENAS ANTES ATÉ O FIM DO ANO

Diante da situação dos mais 65 mil capixabas sem acesso a celular, o governo do Estado promete instalar 100 novas antenas de telefonia móvel rural até o final do ano.

O edital publicado para a contratação da empresa que fará as instalações foi publicada em outubro do ano passado pela Secretaria Estadual de Agricultura Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), e ainda está em andamento.

As novas torres serão implantadas em distritos e comunidades rurais, levando telefonia móvel e internet 3G para localidades que ainda não contam com o serviço em 70 municípios, possibilitando, por exemplo, o contato entre produtores, consumidores, fornecedores e compradores.

Segundo a Seag, o objetivo do programa Campo Digital é reduzir “o custo da produção, já que o produtor rural não precisará mais se deslocar para se comunicar com o outros agentes que formam a cadeia produtiva”, informou.

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Quanto à cobertura móvel no distrito de Araçatiba, a Prefeitura de Viana informou que já solicitou ao governo do Estado a instalação de uma antena de telefonia na localidade e que o governo já sinalizou a liberação para a instalação. A prefeitura destacou ainda que tem um projeto para fomentar o turismo na comunidade, que tem potencial histórico, cultural e turístico de grande relevância para o Estado.

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