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Governo federal pode tomar carros e casas de 87 mil devedores no ES

Governo federal pode tomar carros e casas de 87 mil devedores no ES

Mesmo sem processo, União vai impedir devedor de vender bens

Publicado em 13 de janeiro de 2018 às 03:23

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Prédio da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional: patrimônio será bloqueado. (AGU/Divulgação)

Um total de 87 mil contribuintes do Espírito Santo e 4,5 milhões no país que têm algum tipo de débito com a União e estão inscritos em dívida ativa poderão ter seus bens – como carros, imóveis, embarcações e aeronaves – bloqueados sem a autorização da Justiça.

Isso será possível graças à Lei 13.606, publicada na última quarta-feira, dia 10, que estabeleceu que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) poderá bloquear e tornar indisponível o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica, impedindo-a de realizar qualquer tipo de negociação com aquele bem, como a venda.

Com a nova legislação, a partir do momento em que a PGFN notificar o contribuinte, ele terá até cinco dias para quitar o débito com a União. Caso isso não seja feito, a procuradoria poderá comunicar a existência da dívida aos cadastros de restrição ao crédito e averbar a certidão da dívida ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis, mesmo sem a ordem de um juiz.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional esclarece que são inscritos em dívida ativa débitos acima de R$ 1 mil, e que apenas os que tiveram sua legalidade previamente confirmada poderão desencadear no bloqueio patrimonial, sendo que a indisponibilidade será removida assim que o débito for pago pelo contribuinte.

De acordo com a PGFN, entre essas dívidas, as mais comuns são as tributárias, especialmente contribuições previdenciárias, Imposto de Renda, PIS/Cofins e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

No país, o devedor que tem o maior volume de recursos para acertar com a União deve R$ 51 bilhões. Já no Espírito Santo a maior cifra é de R$ 2,5 bilhões.

A regra em questão – considerada polêmica e já citada por especialistas como inconstitucional – foi aprovada em meio à publicação da lei que trata de outro tema: a autorização do parcelamento de dívidas dos produtores agrícolas com o Funrural.

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional considera que a nova lei irá fortalecer a recuperação de crédito público e preservar pessoas e empresas que venham a fazer negócio com algum devedor.

“Uma das finalidades desse dispositivo é proteger terceiros de boa-fé que inadvertidamente pretendam adquirir esses bens. De fato, nem sempre o comprador tinha conhecimento das pendências fiscais do devedor e acabava sendo surpreendido posteriormente com a penhora do bem, causando-lhe enormes transtornos. A averbação da indisponibilidade no cadastro impedirá que o bem seja alienado”, declarou o órgão, por nota.

A averbação de CDA não é uma grande novidade. Desde 2012, o governo do Espírito Santo já adota um modelo nesse sentido. A grande diferença, conforme explica o procurador da Procuradoria-Geral do Estado, Cezar Clark, está na questão da indisponibilidade.

“No caso do Estado, só há a averbação. Ou seja, se o devedor quiser negociar um imóvel, por exemplo, ele está livre para isso. Mas a lei da União prevê que nada pode ser feito com aquele bem. Ele fica inegociável”, compara Clark ao citar que desde que o Estado passou a adotar a medida, a efetividade das ações ajuizadas chegou a 20%. No Brasil, em geral esse número é de apenas 1%.

ENTENDA

A Medida Provisória

O que é

A nova regra permite que a União, sem precisar de uma ação judicial, determine o bloqueio de bens, movimentações e alienações de quem esteja inscrito em dívida ativa, mesmo que “injustamente”.

Mudança

Com isso, bastará à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) localizar uma propriedade de um devedor e notificá-lo. O devedor terá apenas cinco dias para quitar o débito que tiver com a União. Se não fizer isso, seus bens serão bloqueados e ficarão indisponíveis para venda.

A polêmica

Publicação na surdina

A mudança foi publicada na última quarta (10) como Medida Provisória dentro da Lei 13.606, que autoriza o parcelamento de dívidas dos produtores agrícolas com o Funrural. Polêmico, o dispositivo entrou na lei, elaborada para tratar de outro tema, despercebido.

Violação

Segundo advogados, a nova lei viola súmulas do STF, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil, sendo, portanto, inconstitucional.

A justificativa

“Proteger terceiros”

Segundo a PGFN, entre 2012 e 2017, devedores alienaram imóveis num montante superior a R$ 50 bilhões, prejudicando a União e terceiro de boa-fé que compraram esses bens. Dessa forma, a medida teria como finalidade “proteger” esses terceiros.

Fonte: PGFN

Especialistas dizem que lei é inconstitucional

A nova lei que autoriza a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a bloquear o patrimônio de contribuintes que estão inscritos em dívida ativa foi alvo de críticas entre advogados, que consideraram a legislação inconstitucional, arbitrária e com violações ao princípio da proporcionalidade.

O advogado e doutor em Direito Cláudio Colnago avalia que a Lei 13.606 fere direitos fundamentais, como o do contraditório e da ampla defesa. “A União vai passar a cobrar do contribuinte sem que ele seja previamente ouvido. Isso é flagrantemente inconstitucional. Ninguém pode subtrair a liberdade da pessoa e dos seus bens.”

Sede do STF: para advogados, medida fere súmulas do Supremo e a Constituição. (STF/Divulgação)

Para Colnago, o novo mecanismo cria uma medida muito extrema. “É razoável e proporcional imobilizar os bens de alguém que está sonegando, que está tentando enganar o Fisco. Mas nem sempre esse é o caso. Há situações de pessoas que foram vítimas de um erro e vão acabar sendo enquadradas na mesma situação. Não se pode tratar da mesma maneira um contribuinte honesto e um sonegador desonesto.”

O advogado cita que certamente a lei será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele e outros especialistas afirmam que ela viola súmulas do STF, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil. Para eles, os primeiros bloqueios já levarão ações à Justiça que em breve chegarão ao Supremo.

De acordo com o advogado tributarista Luciano Pavan de Souza, a medida seria o mesmo que, após alguém comprar um veículo e não quitar as parcelas, a concessionária seja permitida a tomar por iniciativa própria o carro, sem dar chance de defesa ao comprador e invadindo os princípios da propriedade privada.

“Ninguém pode entrar no patrimônio alheio sem que a pessoa possa se defender. Isso afronta os princípios constitucionais de propriedade e de ampla defesa. Você não pode simplesmente entrar no patrimônio alheio sem um processo. Então, dada a inconstitucionalidade dessa MP, não tenho dúvidas que ela será derrubada no STF”, comenta.

Leonardo Castro, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados, pondera ainda que, na prática, essa “é mais uma tentativa do Fisco de impor sanções políticas coercitivas para garantia do crédito tributário que, diga-se, ainda está em discussão na ação de execução fiscal. Nesses processos, num momento inicial, não se sabe se o tributo é ou não devido. Portanto, bloquear bens sem decisão judicial tira do contribuinte a chance de se defender para comprovar que não houve fraude à execução”.

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Com agências

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