Um total de 87 mil contribuintes do Espírito Santo e 4,5 milhões no país que têm algum tipo de débito com a União e estão inscritos em dívida ativa poderão ter seus bens como carros, imóveis, embarcações e aeronaves bloqueados sem a autorização da Justiça.
Isso será possível graças à Lei 13.606, publicada na última quarta-feira, dia 10, que estabeleceu que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) poderá bloquear e tornar indisponível o patrimônio de uma pessoa física ou jurídica, impedindo-a de realizar qualquer tipo de negociação com aquele bem, como a venda.
Com a nova legislação, a partir do momento em que a PGFN notificar o contribuinte, ele terá até cinco dias para quitar o débito com a União. Caso isso não seja feito, a procuradoria poderá comunicar a existência da dívida aos cadastros de restrição ao crédito e averbar a certidão da dívida ativa (CDA) nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis, mesmo sem a ordem de um juiz.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional esclarece que são inscritos em dívida ativa débitos acima de R$ 1 mil, e que apenas os que tiveram sua legalidade previamente confirmada poderão desencadear no bloqueio patrimonial, sendo que a indisponibilidade será removida assim que o débito for pago pelo contribuinte.
De acordo com a PGFN, entre essas dívidas, as mais comuns são as tributárias, especialmente contribuições previdenciárias, Imposto de Renda, PIS/Cofins e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
No país, o devedor que tem o maior volume de recursos para acertar com a União deve R$ 51 bilhões. Já no Espírito Santo a maior cifra é de R$ 2,5 bilhões.
A regra em questão considerada polêmica e já citada por especialistas como inconstitucional foi aprovada em meio à publicação da lei que trata de outro tema: a autorização do parcelamento de dívidas dos produtores agrícolas com o Funrural.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional considera que a nova lei irá fortalecer a recuperação de crédito público e preservar pessoas e empresas que venham a fazer negócio com algum devedor.
Uma das finalidades desse dispositivo é proteger terceiros de boa-fé que inadvertidamente pretendam adquirir esses bens. De fato, nem sempre o comprador tinha conhecimento das pendências fiscais do devedor e acabava sendo surpreendido posteriormente com a penhora do bem, causando-lhe enormes transtornos. A averbação da indisponibilidade no cadastro impedirá que o bem seja alienado, declarou o órgão, por nota.
A averbação de CDA não é uma grande novidade. Desde 2012, o governo do Espírito Santo já adota um modelo nesse sentido. A grande diferença, conforme explica o procurador da Procuradoria-Geral do Estado, Cezar Clark, está na questão da indisponibilidade.
No caso do Estado, só há a averbação. Ou seja, se o devedor quiser negociar um imóvel, por exemplo, ele está livre para isso. Mas a lei da União prevê que nada pode ser feito com aquele bem. Ele fica inegociável, compara Clark ao citar que desde que o Estado passou a adotar a medida, a efetividade das ações ajuizadas chegou a 20%. No Brasil, em geral esse número é de apenas 1%.
ENTENDA
A Medida Provisória
O que é
A nova regra permite que a União, sem precisar de uma ação judicial, determine o bloqueio de bens, movimentações e alienações de quem esteja inscrito em dívida ativa, mesmo que injustamente.
Mudança
Com isso, bastará à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) localizar uma propriedade de um devedor e notificá-lo. O devedor terá apenas cinco dias para quitar o débito que tiver com a União. Se não fizer isso, seus bens serão bloqueados e ficarão indisponíveis para venda.
A polêmica
Publicação na surdina
A mudança foi publicada na última quarta (10) como Medida Provisória dentro da Lei 13.606, que autoriza o parcelamento de dívidas dos produtores agrícolas com o Funrural. Polêmico, o dispositivo entrou na lei, elaborada para tratar de outro tema, despercebido.
Violação
Segundo advogados, a nova lei viola súmulas do STF, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil, sendo, portanto, inconstitucional.
A justificativa
Proteger terceiros
Segundo a PGFN, entre 2012 e 2017, devedores alienaram imóveis num montante superior a R$ 50 bilhões, prejudicando a União e terceiro de boa-fé que compraram esses bens. Dessa forma, a medida teria como finalidade proteger esses terceiros.
Fonte: PGFN
Especialistas dizem que lei é inconstitucional
A nova lei que autoriza a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) a bloquear o patrimônio de contribuintes que estão inscritos em dívida ativa foi alvo de críticas entre advogados, que consideraram a legislação inconstitucional, arbitrária e com violações ao princípio da proporcionalidade.
O advogado e doutor em Direito Cláudio Colnago avalia que a Lei 13.606 fere direitos fundamentais, como o do contraditório e da ampla defesa. A União vai passar a cobrar do contribuinte sem que ele seja previamente ouvido. Isso é flagrantemente inconstitucional. Ninguém pode subtrair a liberdade da pessoa e dos seus bens.
Para Colnago, o novo mecanismo cria uma medida muito extrema. É razoável e proporcional imobilizar os bens de alguém que está sonegando, que está tentando enganar o Fisco. Mas nem sempre esse é o caso. Há situações de pessoas que foram vítimas de um erro e vão acabar sendo enquadradas na mesma situação. Não se pode tratar da mesma maneira um contribuinte honesto e um sonegador desonesto.
O advogado cita que certamente a lei será questionada no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele e outros especialistas afirmam que ela viola súmulas do STF, artigos da Constituição Federal, a Lei de Execução Fiscal, o Código Tributário Nacional e o Código de Processo Civil. Para eles, os primeiros bloqueios já levarão ações à Justiça que em breve chegarão ao Supremo.
De acordo com o advogado tributarista Luciano Pavan de Souza, a medida seria o mesmo que, após alguém comprar um veículo e não quitar as parcelas, a concessionária seja permitida a tomar por iniciativa própria o carro, sem dar chance de defesa ao comprador e invadindo os princípios da propriedade privada.
Ninguém pode entrar no patrimônio alheio sem que a pessoa possa se defender. Isso afronta os princípios constitucionais de propriedade e de ampla defesa. Você não pode simplesmente entrar no patrimônio alheio sem um processo. Então, dada a inconstitucionalidade dessa MP, não tenho dúvidas que ela será derrubada no STF, comenta.
Leonardo Castro, sócio do escritório Costa Tavares Paes Advogados, pondera ainda que, na prática, essa é mais uma tentativa do Fisco de impor sanções políticas coercitivas para garantia do crédito tributário que, diga-se, ainda está em discussão na ação de execução fiscal. Nesses processos, num momento inicial, não se sabe se o tributo é ou não devido. Portanto, bloquear bens sem decisão judicial tira do contribuinte a chance de se defender para comprovar que não houve fraude à execução.
Com agências
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta