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Após reforma trabalhista, sindicatos tentam driblar fim da contribuição

Após reforma trabalhista, sindicatos tentam driblar fim da contribuição

Algumas associações fixam contribuição com desconto de até 3,5 dias de trabalho

Publicado em 20 de fevereiro de 2018 às 09:35

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(Pixabay)

Enquanto o fim do imposto sindical, determinado pela nova legislação trabalhista que entrou em vigor em novembro, é alvo de questionamentos na Justiça — com ações tanto em primeira instância quanto no Supremo Tribunal Federal (STF) —, sindicatos ligados às principais centrais do país estão aprovando em assembleias extraordinárias a cobrança de taxas que, na prática, substituem o velho imposto. Algumas são bem superiores ao cobrado quando a antiga CLT estava em vigor. No caso do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, por exemplo, a nova contribuição foi fixada no equivalente a 3,5 dias de trabalho, bem maior que o dia de trabalho deduzido anteriormente. A cobrança do tributo pelos sindicatos foi antecipada pela coluna Poder em Jogo, de Lydia Medeiros.

Além disso, apesar de a nova lei prever que funcionários devem autorizar previamente qualquer tipo de desconto, os primeiros acordos e convenções protocolados no Ministério do Trabalho se baseiam na lógica oposta: caso o trabalhador não se manifeste contrariamente, fica autorizada a dedução, seja o empregado sindicalizado ou não.

A corrida dos sindicatos para aprovar uma nova contribuição começou em dezembro, numa antecipação ao pagamento do velho imposto sindical, que tradicionalmente era descontado dos salários dos trabalhadores em todo país no mês de março. Entre os sindicatos que já conseguiram aprovar a cobrança estão desde o dos Metalúrgicos de São Paulo e o dos enfermeiros também da capital paulista até o dos farmacêuticos de Goiás. Em todos os casos, a nova taxa aprovada pelas assembleias foi batizada de “contribuição negocial”.

A justificativa dos sindicatos, ao propor tal contribuição, é que precisam ser remunerados para se manterem ativos e continuarem negociando os acordos coletivos e os dissídios com as entidades patronais. Procuradas, centrais sindicais como Força e União Geral dos Trabalhadores (UGT) afirmam que a orientação dada às suas bases de sindicatos é de ampliar os acordos para cobrança da contribuição negocial. A CUT, oficialmente, diz que sua posição sobre a questão será definida no dia 28, durante reunião de sua executiva.

Miguel Torres, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e vice-presidente da Força Sindical, explica que aprovar a cobrança de 3,5 dias de trabalho foi a saída encontrada para manter a entrada de receita.

— Votamos em assembleia a cobrança e o valor da taxa. Portanto, é legal — afirma Torres, acrescentando que a Confederação Nacional dos Metalúrgicos (CNM) ligada à Força Sindical é a autora de uma das 13 ações diretas de inconstitucionalidade (Adin) que tramitam no STF contra a extinção do imposto sindical.

No caso dos farmacêuticos de Goiás, a ata da assembleia extraordinária diz que o valor da contribuição negocial foi definido em R$ 160, com a advertência de que o não pagamento da taxa “consistirá na suspensão do exercício profissional, até a necessária quitação, e será aplicada pelos órgãos públicos ou autárquicos disciplinadores das respectivas profissões mediante comunicação das autoridades fiscalizadoras”.

Do total arrecadado em imposto sindical em 2016, R$ 2,9 bilhões, segundo o Ministério do Trabalho, 60% foram distribuídos entre os sindicatos; 15%, para as federações das categorias; 5%, para as confederações dos trabalhadores; 10%, para as centrais sindicais; e 10%, para o governo.

Antonio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), estima que a média de sindicalização nas diferentes categorias fique entre 7% e 30%. Desta forma, diz ele, só o recurso oriundo dos associados não seria suficiente para “sustentar as entidades”.

APROVAÇÃO INDIVIDUAL

Os líderes das centrais defendem que a aprovação da nova cobrança é legal e que não deve ser revertida judicialmente. Ricardo Patah, presidente da UGT, que tem em sua base os sindicatos dos comerciários, diz que, além da orientação de aprovar a nova cobrança, a central ainda tem defendido que os sindicatos recorram à Justiça do Trabalho para terem decisões em primeira instância que respaldem a cobrança:

— Já há algumas decisões de primeira instância favoráveis à manutenção da cobrança do imposto sindical.

O sindicato dos enfermeiros de São Paulo, o dos trabalhadores municipais de Xanxerê e do professorado de Lajes (ambos em Santa Catarina) estão entre os que conseguiram na Justiça do Trabalho respaldo para a cobrança da taxa.

Advogados afirmam que ir à Justiça do Trabalho e convocar assembleias extraordinárias para aprovação da nova contribuição também funciona como meio de pressão para que o Supremo dê urgência à matéria e avalie as 13 Adins sobre o tema que estão aguardando apreciação.

Apesar disso, Flavio Pires, sócio da área trabalhista do escritório Siqueira Castro Advogados, não acredita no sucesso dessa estratégia. Para ele, a nova lei trabalhista é clara e diz que a contribuição sindical agora é facultativa:

— Aprovar a cobrança de qualquer taxa em assembleia não é legal no meu entendimento, porque o trabalhador que não votou pode não querer pagar.

Atento à movimentação dos sindicatos, o Ministério Público do Trabalho (MPT) prepara-se para entrar com ações coletivas a fim de revogar os descontos da contribuição negocial, que começarão a ser feitos em março.

— O acordo coletivo não tem o poder de substituir a vontade do trabalhador. A partir do momento que houver uma cobrança, vou instaurar o inquérito — diz o procurador do trabalho Henrique Correia.

Segundo ele, para o sindicato realizar o desconto da nova taxa, seria necessário que sua cobrança fosse aprovada individualmente por cada um dos trabalhadores da categoria, e não em assembleia. Correia explica que, tão logo sejam identificadas as cobranças, o MPT deverá propor aos sindicatos a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que revoguem a cobrança. Caso se neguem, a ação coletiva será ajuizada.

‘CARTA DE AUTORIZAÇÃO’

A reforma trabalhista prevê que o trabalhador não pode sofrer descontos estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo “sem sua expressa e prévia anuência”, tanto no caso de contribuição negocial como de taxa assistencial. Na prática, seria o fim do modelo em que é preciso enviar uma carta para recusar o desconto, afirmam advogados.

— O sindicato teria que fazer um trabalho de convencimento dos empregados. A cartinha do funcionário teria de ser de autorização, não apenas de oposição — afirma Luiz Marcelo Gois, sócio do setor trabalhista do escritório BMA.

O advogado Valton Pessoa, do escritório Pessoa & Pessoa, tem visão semelhante:

— A lei atual diz que só pode haver o desconto se a pessoa autorizar. Os sindicatos estão alterando a nomenclatura para driblar a lei nova.

Entre os acordos e convenções consultados pelo GLOBO, pelo menos sete preveem o chamado direito de oposição. A convenção coletiva dos trabalhadores de asseio e conservação de São Paulo, assinada pelo Siemaco-SP no mês passado, por exemplo, prevê o desconto de 1% do salário de todos os empregados da categoria, limitado a R$ 35. O direito de oposição deveria ter sido manifestado entre os dias 2 de janeiro e 1º de fevereiro na sede do sindicato de trabalhadores ou por meio de carta registrada com aviso de recebimento (AR). A convenção abrange cerca de 80 mil dos 100 mil trabalhadores representados pela entidade na região.

Moacyr Pereira, presidente do Siemaco-SP, destacou que um dos pontos que dificultam a previsão de autorização prévia na convenção é o número elevado de trabalhadores da categoria. O dirigente explicou que foram feitas 137 assembleias e recolhidas autorizações prévias. Mas a orientação para empresas é que, no silêncio do trabalhador, seja feito o desconto, com base na força da assembleia.

— Se, amanhã ou depois, tivermos problema com alguma empresa, vamos cumprir o que está na lei — afirma Pereira.

Aeroviários e aeronautas também fecharam cláusulas semelhantes. No caso dos aeroviários, que trabalham em terra, o acordado foi um desconto de 1% do salário em janeiro e mais 1% em fevereiro. Já os aeronautas, que atuam no ar, concordaram em descontar duas diárias de alimentação (cerca de R$ 149). Nos dois casos, o prazo para se manifestar foi de dez dias.

— Os trabalhadores que se opuseram não tiveram desconto do contracheque — comenta Selma Balbino, tesoureira do Sindicato Nacional dos Aeroviários.

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Rodrigo Spader, presidente do Sindicato dos Aeronautas, afirma que a taxa de oposição é baixa pois a categoria entende que é uma forma de auxílio aos sindicatos.

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