> >
'Risco de populismo caiu porque o dinheiro acabou', avalia economista

"Risco de populismo caiu porque o dinheiro acabou", avalia economista

Para a economista-chefe da XP, o próximo presidente terá a missão de realizar reformas estruturantes e reduzir despesas da máquina pública

Publicado em 25 de fevereiro de 2018 às 00:40

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. (Vitor Jubini)

O ano de 2018 começa com uma sinalização de que a economia se recupera, com indicadores de retomada cada vez mais consistentes. Mas a despesa com a Previdência Social – que está entre os principais gastos do governo federal, consumindo 57% do orçamento – continua sendo um desafio para a estabilização das contas públicas. E a desistência do governo de votar a reforma para controlar esse gasto traz desafios enormes para o país, observa a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. Ela esteve em Vitória na última semana para evento do Centro da Indústria do Espírito Santo (Cindes), com apoio da Valor Investimentos. 

Aspas de citação

A crise econômica certamente foi superada. A dúvida é o fôlego da recuperação. Serão vários anos de crescimento ou será um ciclo curto?

Zeina Latif, economista-chefe da XP
Aspas de citação

Diante do rombo das contas públicas, não há espaço para populismo nas eleições deste ano, avalia a economista. Confira trechos da entrevista:

Já é possível dizer que a crise econômica foi superada?

"A crise econômica certamente foi superada, os sinais de retomada são cada vez mais consistentes, e a tendência é que neste ano a consolidação desse quadro fique mais clara. A dúvida é sobre o fôlego da recuperação econômica. Será que vamos conseguir ter vários anos de crescimento, ou um ciclo curto, um voo de galinha? Essa resposta a gente não tem ainda porque vai depender muito da agenda de reformas do próximo presidente. Se tivermos uma agenda ambiciosa, que dê conta de sinalizar um ajuste fiscal e, se junto com isso, tiver continuidade das políticas estruturais, podemos falar de um movimento, de fato, sustentado."

Agora que a reforma da Previdência está suspensa, como já afirmou o governo, como fica o cenário da economia do país em 2018?

"O ganho de curto prazo da reforma da Previdência não era expressivo. O governo divulgou que, caso tivesse sido aprovada a reforma, ano que vem a economia de recursos seria de R$ 14 bilhões, que é um bom volume. Este ano seria R$ 5 bilhões. Mas estamos falando de rombos de mais de R$ 100 bilhões. A grande questão da reforma da Previdência é essa sinalização de que fizemos o ajuste. Temos uma dívida pública que hoje está em trajetória explosiva. Mas essa perspectiva do problema de crescimento insustentável da dívida sendo resolvido vai ajudar as pessoas a confiarem e a colocarem seu dinheiro em títulos públicos, e o empresário a investir. Se você vê um país que não sabe para aonde vai, para aonde vão a carga tributária, os juros, isso tem um impacto nas expectativas. Essa crença de que vamos ter reforma da Previdência tem um papel estabilizador, portanto."

Até quando dá para adiar?

"Agora o mercado financeiro, os analistas, estão dando o benefício da dúvida. E falando: olha, hoje o país está mais maduro, a sociedade e a classe política entendem a necessidade da reforma, e o próximo presidente vai fazer. Mas a cobrança em cima do próximo presidente vai ser grande, não vai ter lua de mel. Se não faz reforma, não vai ter dinheiro para fazer política pública."

O colapso das contas públicas pode acontecer nos próximos cinco anos, sem reformas?

"Sim. Como o governo federal tem mais espaço para se financiar, talvez isso não fique tão claro. Mas tem um impacto muito rápido no ambiente macroeconômico. Não fazer a reforma já está comprometendo as próprias políticas públicas, quando vemos que o governo não tem dinheiro para pesquisa, por exemplo. Isso vai crescer numa velocidade forte por causa desse aumento acelerado dos gastos da Previdência Social, afinal somos um país que está envelhecendo rápido."

O aumento de impostos é um fantasma que volta a rondar o país. Como isso pode impactar na recuperação econômica?

"Nesse contexto que a gente tem, de uma carga tributária com tantas distorções, pode ter impactos bastante perversos. Há grupos que pagam muito pouco imposto de renda, tem algumas vantagens tributárias que são para uns e não para outros, há uma complexidade tributária muito grande. Além disso, um estrangeiro que quer investir no Brasil tem que fazer um projeto de investimento. Como ele vai projetar a viabilidade se não sabe se em dois, cinco anos, terá uma regra diferente, um aumento de impostos? E também, aumentar a carga tributária para um Estado que gasta mal é duplamente penalizar a economia."

Por quê?

"Não é que a gente iria aumentar a carga tributária para fazer investimentos, porque vamos investir em educação e colher frutos disso. Não. A gente está gastando muito mal. Então aumentar impostos é uma dupla perda para o país, pelo impacto em si da tributação, e porque o dinheiro não está sendo bem utilizado. Vai aumentar ainda mais a carga tributária para um Estado que funciona mal?"

Aumentar impostos resolve o rombo das contas públicas?

"A minha avaliação é que, mesmo tendo aumento da carga tributária, isso não daria conta do peso da Previdência. Pode até, no curto prazo, tentar equilibrar, dependendo do quanto a economia vai reagir. Mas que seja por um ano ou dois, depois a gente volta ao estado normal, e nesse estado normal é Previdência crescendo num ritmo muito forte, acima do crescimento do PIB. A gente gastou, em 2016, com pensões e aposentadorias do INSS e das três esferas de governo, mais de 13% do PIB. Esse número vai para algo como 17% em 2030. É uma escalada muito forte. Será que a gente consegue aumentar tributos nessa velocidade? Muito difícil."

Falando sobre tributação, o governo enterrou a Previdência mas fala em reforma tributária. Existe capital político para votar reformas ainda este ano?

"Acho muito improvável votar tanto a simplificação do PIS/Cofins quanto a reforma tributária em ano de eleição. A reforma do PIS/Cofins também enfrenta resistências de grupos. Por exemplo, o setor de serviços não aceita porque vê ali o aumento de carga tributária. É um setor que paga menos impostos que a indústria. Se você faz essa simplificação, fica mais nivelado, e quem sai perdendo nessa história não quer. Essa agenda é politicamente difícil tanto do ponto de vista da simplificação de regras como do ponto de vista de corte de despesas, pois os grupos reagem. Tivemos nos últimos anos muitos benefícios concedidos. Fazer é fácil, mas desfazer é difícil."

Além da proposta do PIS/Cofins, a senhora destaca alguma medida do pacote do governo com impacto fiscal importante?

"Tem a redução da desoneração, mas a postura do Congresso hoje é de limitar o escopo da medida. E reduz o impacto fiscal. Esse é mais um exemplo de distorção tributária que a gente foi fazendo. E na hora que você quer tirar tem reação. Eu também acho que talvez não saia. Não está muito claro ainda, mas o calendário eleitoral também não ajuda. Já tivemos muitas reformas, bastante coisa sendo aprovada, e isso tem uma hora que gera uma fadiga do Congresso, ele quer virar a página e cada um cuidar da sua vida porque tem uma eleição à frente. E muitos, não digo todo mundo, mas muitos ainda precisam manter foro privilegiado."

Na eleição de 2018, temos um cenário não muito claro. Há risco de cair em populismo e irresponsabilidade fiscal?

"O risco de populismo reduziu bastante no Brasil porque o dinheiro acabou, e para ser populista tem que ter dinheiro no bolso. E a eleição de 2014 deixou lições importantes para nossa classe política. Em 2014, que foi uma campanha em que os problemas foram negados, em que a Dilma passou a imagem de um país que não era verdadeira, aquilo foi uma lição. Porque quando a Dilma toma posse e vem com uma agenda de ajuste fiscal, o próprio PT não aceitou a agenda. Isso deixou lições. Há limites para florear, para negar problemas, para mentir em campanha. Não dá para ficar prometendo coisas e depois fazer um ajuste fiscal."

Como a senhora acha que o governo Temer vai ser visto na história? Vai ficar marcado realmente como ele queria, um governo de reformas, ou não, por conta de não ter cumprido sua principal promessa, que era reformar a Previdência?

Este vídeo pode te interessar

"Essa é uma pergunta difícil porque a história, a forma como ela é contada, muda com o tempo. Dependendo do grupo que está no poder, a história vai ser contada de uma forma ou de outra. Eu mesmo sou de uma geração que quando ia para a escola, aprendi que era revolução de 64. Meu filho já aprendeu como sendo golpe militar. Mas eu acho que pelo menos nessa questão da agenda econômica algum reconhecimento tem que ser dado. O Brasil estava num quadro muito grave, a quantidade de equívocos que foram cometidos em várias áreas é inacreditável. Ter conseguido interromper essa sangria já foi um grande mérito. A inflação não caiu por sorte, foi porque tivemos uma reorientação econômica, um time econômico com uma tremenda credibilidade e com muito comprometimento com o país."

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais